Atendimento educacional especializado (AEE): pressupostos e desafios

A história da educação inclusiva carrega tanto as lutas pelo direito a uma educação equitativa e de qualidade para todos quanto o peso da segregação e dos estigmas que envolvem as pessoas com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades/superdotação. Esse histórico trouxe um avanço contínuo de políticas públicas inclusivas e o estabelecimento de novas metas e ganhos no que diz respeito ao acesso, à permanência e à aprendizagem de todos na classe comum por meio da oferta de diferentes serviços e recursos. Contudo, a leitura errônea e viciada desses serviços pode nos levar a usá-los de maneiras nada inclusivas, reincidindo em práticas segregacionistas e excludentes. Para compreendermos melhor esses avanços e seu papel na efetivação e garantia da educação inclusiva de qualidade do público-alvo da educação especial, nos ateremos ao papel e objetivos do atendimento educacional especializado (AEE), serviço estabelecido desde 2008.

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Naquele ano, o Ministério da Educação (MEC) lançava a Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva (PNEEI), a qual foi um grande avanço na luta pelo direito de uma educação inclusiva e de qualidade e que significou compreender a educação especial como aquela ofertada não mais de forma apartada da escola regular, mas articulada, atuando com vistas a ofertar recursos e serviços que objetivem a plena aprendizagem do aluno público-alvo da educação especial na classe comum, por meio do AEE. A PNEEI estabelece que:

O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos estudantes, considerando suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no AEE diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos estudantes com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela.

Ainda em 2008, foi promulgado o Decreto 6.571 (posteriormente substituído pelo Decreto 7.611/11), que estabelece as diretrizes do AEE e reitera o estabelecido pela Política nacional. Dez anos se passaram e um novo olhar foi lançado para a educação especial. Contudo, ainda é necessário que compreendamos de fato qual o papel do professor do AEE, que tem como um de seus espaços de atuação a sala de recursos multifuncionais (SRM).

O que precisa ser compreendido, em primeiro lugar, é o caráter complementar ou suplementar do AEE, pois, a partir da PNEEI, o atendimento substitutivo não é mais admitido.

Atendimento suplementar

É aquele que visa suplementar a aprendizagem dos alunos com altas habilidades/superdotação por meio de enriquecimento curricular nas áreas em que o estudante apresenta grande interesse, facilidade ou habilidade. Por meio do AEE, ele poderá:

• Ter maximizada sua participação na classe comum;
• Ter potencializadas suas habilidades;
• Ter garantida a expansão do acesso a recursos tecnológicos e materiais pedagógicos;
• Oportunizada a participação em pesquisas e desenvolvimento de produtos e materiais diversos, entre outros.

Dessa forma, é fundamental que o professor do atendimento educacional especializado realize um trabalho articulado com o docente da classe comum, para que essas ações não se atenham apenas à sala de recursos, mas a toda escolarização do aluno.

Atendimento complementar

É aquele que visa complementar a formação dos estudantes com deficiência e/ou com transtorno do espectro autista (TEA). Isso significa trabalhar com os recursos que possibilitem ao aluno transpor barreiras impostas à sua aprendizagem na classe comum. São muitos os exemplos que podem ser dados:

• Para o estudante com deficiência visual, cego, por exemplo, é imprescindível o ensino do Sistema Braille, a adaptação de materiais de forma que se tornem táteis, o ensino do sorobã para os cálculos matemáticos etc.

• Para os com deficiência intelectual é importante focar em comunicação, memória, localização espacial e temporal, resolução de problemas etc. O professor do AEE tem como objetivo trabalhar a aprendizagem de conceitos e a organização do pensamento do aluno. Assim, na classe comum, ele se beneficiará dos conteúdos trabalhados.

• Para aqueles com deficiência física, o atendimento educacional especializado visa a confecção de materiais para que ele possa, por exemplo, se comunicar com autonomia, como é o caso das pranchas de comunicação alternativa. É importante ensiná-lo a utilizar as tecnologias assistivas necessárias, entre outras atividades pedagógicas.

Organizado dessa forma, o AEE não deve se constituir como reforço escolar, uma vez que não é objetivo do professor da sala de recursos ensinar os conteúdos que foram ministrados na classe comum, mas auxiliar na eliminação de barreiras, as quais, lembramos, não estão no aluno, mas no ambiente que o cerca.

O AEE na educação infantil e integral

Não é nossa intenção neste artigo trazer as diversas práticas para todas as especificidades do público atendido pelo AEE, até porque isso não seria possível, mas esclarecer o papel do professor especializado no atendimento desses alunos.

Não cabe ao AEE realizar atendimento substitutivo, ou seja, no mesmo período em que o aluno estuda na classe comum. Após a publicação da PNEEI, o direito à educação desses alunos passa a ser destacado, assim como os recursos, serviços e apoios de que necessitam. Portanto, os suportes não podem se sobrepor ao direito à educação. Assim, devem ocorrer no horário inverso das aulas regulares.

No caso da educação infantil, em que pode haver período integral, o atendimento educacional especializado ocorre concomitantemente ao período em que as crianças estão nas instituições. Isso se dá por meio de um trabalho colaborativo entre o professor regente e o especializado. Mesmo nesses casos, os alunos não são separados do grupo para receber o AEE. Ele deve ser organizado de maneira que a participação das crianças nas diversas atividades seja mais qualitativa.

O período integral, contudo, também pode ocorrer nos ensinos fundamental e médio. Para todos os casos, a educação nunca deve ser segregada. Cabe à escola pensar em meios para que os alunos público-alvo da educação especial possam ter seu direito à educação inclusiva garantido.

A importância da colaboração

Não há “receitas” para as escolas nesse sentido, mas, sim, um pressuposto: sejam quais forem as estratégias, viabilizá-las na prática implica criar uma dinâmica de trabalho colaborativo para o estabelecimento de redes de apoio. No universo escolar, diversas redes de apoio podem ser formadas, envolvendo desde os alunos na sala de aula, passando pelos professores da classe comum por meio de trabalho colaborativo com os professores especializados, até a equipe escolar como um todo, contando com seus gestores para impulsionar o processo de inclusão escolar.

Lembrando que, segundo a pesquisadora Vera Capellini, aprendizagem cooperativa é aquela que ocorre quando há interação entre aprendizes. Isso pode acontecer por meio de “tutoria entre pares, trabalho em equipe, pequeno grupo cooperativo, agrupamento por projetos etc.”. E o ensino colaborativo se apresenta como uma alternativa de trabalho conjunto entre o professor da classe comum e o especializado visando à complementação, não a sobreposição de conhecimentos. Ambos trabalham juntos na classe comum desde o planejamento até a avaliação de todos os alunos, integrando, assim, seus saberes e experiências.

De acordo com Enicéia Gonçalves Mendes:

O ensino colaborativo ou co-ensino envolve um par de professores (um da educação regular e o outro da educação especial) atuando em equipe e assumindo diferentes tipos de arranjos […] os quais podem ocorrer durante períodos fixos de tempo, em determinados momentos, ou mesmo em certos dias da semana. No ensino colaborativo, dois ou mais professores compartilham a responsabilidade de planejar, de implementar o ensino e da disciplina da sala de aula, podendo ocupar a mesma sala de aula.

Armadilhas comuns

Não faltam pesquisas na área e experiências que suscitam possibilidades e alternativas que extrapolam o atendimento na sala de recursos, reforçando a premissa de que o AEE não é reforço escolar ou atendimento substitutivo, esclarecendo que essas ações remetem ao legado exposto no início deste texto: de segregação e exclusão. Mas, se por um lado as políticas públicas avançaram, por outro, muitas ações ainda estão pautadas em antigos paradigmas, como dito no início. Este é o grande desafio da educação inclusiva: transpô-los para que possamos, de fato, adentrar plenamente no paradigma da inclusão.

Abaixo listamos algumas ações imprescindíveis de ficarem claras:

• O atendimento educacional especializado é complementar e/ou suplementar;
• O professor do AEE visa trabalhar com vistas à quebra de barreiras à plena aprendizagem do aluno na classe comum;
• O público-alvo do AEE é formado por alunos com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades/superdotação;
• O professor do AEE trabalha de forma colaborativa com o da classe comum;
• O professor do AEE deve conhecer seu aluno realizando uma avaliação inicial cuidadosa, por meio de diversos atendimentos, conversas com familiares e professores da escola de origem;
• O AEE pode ser realizado em salas de recursos multifuncionais, centros de AEE da rede pública ou por instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas.

Fique de olho nas armadilhas:

• Nunca é substitutivo
• O atendimento educacional especializado não é reforço escolar;
• Não é público elegível para o AEE alunos com dificuldades de aprendizagem ou questões comportamentais;
• O professor do AEE não pode ficar encerrado em sua sala de aula. A aprendizagem do aluno também depende de sua articulação com toda a equipe escolar;
• Esse profissional não pode se pautar no laudo do aluno. O parecer médico é apenas mais uma das informações que o professor terá ao seu dispor. Inclusive o laudo não é condicionante para o atendimento no AEE;
• Não existe atendimento educacional especializado se o caráter for substitutivo. Portanto, não é ofertado em escolas ou classes especiais.

O professor do atendimento educacional especializado

Para que a política de educação inclusiva possa se efetivar é primordial e premente que os professores da classe comum, gestores escolares, professores de AEE e familiares tenham clareza desses papéis e objetivos. Eis então que nos deparamos com um dos maiores desafios do docente especializado: articular-se com todos esses atores, esclarecendo sua função enquanto professor do aluno, bem como enquanto parceiro da equipe escolar para trabalhos colaborativos com vistas a planejamentos e avaliações conjuntas do estudante atendido.

O objetivo final do professor do atendimento educacional especializado é sempre a aprendizagem do aluno na classe comum. Não adianta muito, por exemplo, o estudante com paralisia cerebral fazer uso da prancha de comunicação alternativa apenas na sala de recursos. Se o docente da classe comum não sabe como esse tipo de comunicação ocorre e não dá espaço para sua utilização no dia a dia escolar, parte do objetivo do AEE não foi conquistado.

Da mesma forma, não adianta muito o aluno cego saber ler e escrever em braile, se o professor da classe comum não transmitir para o do AEE os materiais que precisam ser transcritos para esse código e ofertar apenas textos em tinta que não possuem qualquer significado. Portanto, a premissa do atendimento educacional especializado é a colaboração e a articulação. É fundamental que os professores trabalhem em conjunto, pois o aluno é um ser único e indivisível.

 

Rosanna Claudia Bendinelli é doutoranda e mestre em educação especial pela Universidade de São Paulo. Já trabalhou como professora do atendimento educacional especializado (AEE) em escolas das redes pública e privada. É docente de educação inclusiva no Centro Universitário Senac e ministra cursos de formação na área para professores e gestores.

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