Confiança e trabalho colaborativo marcam projeto que eliminou barreiras ao aprendizado
Somos educadoras da EMEF Prof.ª Maria Aparecida de Souza Campos, localizada na zona leste da capital paulista. Em 2019, uma das turmas de 8ª ano do ensino fundamental era considerada a pior da escola.
A turma apresentava muitos problemas de indisciplina em sala, os estudantes eram muito agitados e barulhentos e não demonstravam interesse pelas atividades propostas. Era possível identificar defasagem na aprendizagem de muitos alunos, principalmente em geografia, pois a turma havia ficado sem professor fixo para o componente curricular por dois anos. Uma das alunas da turma tinha Síndrome de Down.
Dificuldade de aprendizagem: e agora?
Diante da identificação de barreiras ao aprendizado dos estudantes, propusemos elaborar uma estratégia pedagógica de forma a completar o currículo e colaborar de forma significativa com a participação de todas e todos. Para isso, estabelecemos diálogo com a comunidade escolar e com o Atendimento Educacional Especializado (AEE).
Uma vez que havia dificuldade de aprendizagem em geografia, idealizamos a construção de um material pedagógico acessível para facilitar o estudo de conteúdos do componente curricular.
Como a turma estava estudando as estruturas físicas do continente americano, entendemos que era propício criar um mapa acessível das formas de relevo da América do Sul. A ideia era relacionar os conteúdos com o estudo sobre clima, ocupação e localização geográfica de cidades conhecidas.
+ Saiba como o Mapa tátil se articula com a BNCC
Sabemos que conteúdos de geografia física muitas vezes exigem grande capacidade de abstração por parte dos estudantes. Para facilitar a identificação das estruturas pelos estudantes, então, intencionamos a criação de elementos táteis e visuais.
O Mapa tátil: estudo da geografia física
Assim que idealizamos o “Mapa tátil”, apresentamos a proposta aos estudantes para que eles se apropriassem do projeto e colaborassem com o processo de montagem e construção.
A estrutura do material foi elaborada com o auxílio de uma cortadora a laser. Utilizamos a sobreposição de camadas para criar os elementos táteis necessários para a identificação do relevo de cada região, como é possível identificar nas imagens abaixo:
Decidimos que os estudantes seriam responsáveis pela customização do material. Em mapas tradicionais, a variação de altitude é identificada por cores, e foi nessa parte do processo que os estudantes entraram.
Após receberem aulas teóricas sobre o relevo da América do Sul, eles se organizaram em grupos para construir, identificar e tornar acessíveis as estruturas do relevo. Pintaram cada região com cores diferentes para tornar possível a identificação dos níveis de relevo, produziram legendas e elaboraram elementos táteis.
Os próprios estudantes foram responsáveis pela organização e pelo direcionamento das tarefas. Cada um ficou com a incumbência de pintar um dos diferentes níveis de altitude e fixar as camadas para cada nível de relevo.
+ Aprenda a construir o Mapa tátil para trabalhar em sala de aula
Organização e trabalho colaborativo
Eles assumiram a execução de tudo: estabelecerem diálogo com a professora de arte para conseguir pincéis, tintas e outros produtos necessários à pintura; estabeleceram a gestão do tempo e das atividades; e construíram um ambiente de apoio e colaboração.
Foi sensacional a autonomia que demonstraram, nos surpreendendo bastante. Estudantes que eram muito tímidos ou que demonstravam dificuldades na aprendizagem se mostraram muito participativos e ativos no processo.
Todas e todos foram muito protagonistas durante todo o projeto. A maioria enaltecia a importância de termos acreditado no potencial de cada um. Com a proposta, passaram a confiar mais em si mesmos.
Desde o início, a participação foi grande: eles abraçaram o projeto como algo da turma, feito pela turma, e isso acabou refletindo na aprendizagem.
Pior turma da escola?
Com o Mapa tátil pronto, o aplicamos em sala de aula e estudamos os conteúdos propostos com o auxílio do material. O aprendizado de todas e todos foi muito mais significativo. Os estudantes puderam aprender tocando e observando cada elemento do relevo.
Eles ficaram muito empolgados em fazer parte do projeto e com a aplicação em sala de aula. O material contribuiu muito para a elevação da autoestima: eles se mostraram mais interessados, questionaram muito mais, fizeram perguntas e tiraram dúvidas. Eles passaram a acreditar neles mesmos e no potencial de cada um.
Notamos que a aplicação podia ser ampliada para o estudo de outros conteúdos relacionados à geologia, hidrografia e ao clima. Podia, inclusive, ser utilizado com outras turmas e séries. Por conta disso, atualmente o Mapa tátil é aplicado em turmas de 6ª ano da escola.
Este relato de experiência é fruto da participação dos autores na edição 2019 do Materiais pedagógicos acessíveis – formação em serviço para educadores envolvidos no processo de escolarização de estudantes público-alvo da educação especial em escolas comuns, desenvolvida pelo Instituto Rodrigo Mendes Site externo em parceria com a Fundação Lemann Site externo. O objetivo é contribuir na construção de materiais pedagógicos acessíveis que auxiliem o processo de ensino-aprendizagem de estudantes com e sem deficiência.