Em uma turma de 8º ano da Escola Estadual Ephigênia Cardoso Machado Fortunato, em Bariri (SP), analisávamos os resultados de uma ação realizada no ano anterior, cujo foco foi a troca de correspondências com estudantes com deficiência da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) da cidade. Dentre as sugestões apontadas para uma nova iniciativa, levantou-se a possibilidade de escrevermos sobre Andreia*, uma das garotas da sala que já havia frequentando a instituição. Naquela classe, ela e Bernardo* tinham deficiência intelectual. Assim, naquela manhã de segunda-feira muito especial, decidimos produzir um livro biográfico sobre a aluna.
Apesar de ser alfabetizada, quando realizava as tarefas apresentadas para a turma, a garota apresentava dificuldades de ortografia, de segmentação de frases e de conexão de ideias. Aquele era seu primeiro ano na escola e, em sala de aula, ela se mostrava distante e parecia temer não ser aceita. Era preciso trabalhar respeitando seu tempo e fazendo-a sentir-se parte da turma. Por isso, as atividades foram planejadas e realizadas em conjunto com toda a sala.
A produção do livro
Na primeira ação do projeto, a estudante trouxe uma série de fotografias de sua infância organizadas em ordem cronológica, para criarmos um roteiro de escrita. Digitalizei as imagens e as imprimi em folhas com linhas. Depois, pedi para que Andreia escrevesse o que cada momento registrado representava. Ela produziu os textos durante as aulas e contou com o auxílio dos colegas para escrever as palavras que não sabia, para formar as frases, ler em voz alta etc. Como os conteúdos partiram da própria aluna e a atividade foi feita de acordo com seu tempo, percebi que ela compreendeu mais facilmente o que era preciso fazer.
Aos poucos, Andreia escreveu os conteúdos e compartilhou com o restante da turma. As crianças se impressionaram com sua escrita, principalmente com a ternura com a qual narrava cada episódio de sua vida. Os textos foram digitados por uma colega de sala, que, após formatá-los, enviou-me por e-mail para serem impressos e transformados em um livro caseiro, que foi lançado com direito à noite de autógrafos.
O trabalho foi possível graças ao envolvimento da turma, que cada vez mais se interessava em melhorar a interação da aluna na escola. A direção e a coordenação pedagógica ofereceram toda autonomia e apoio para meu trabalho. Já a família enviou-me as fotos, participou da noite de autógrafos do livro e se mostrou interessada em acompanhar a estudante em seu desenvolvimento. Não recebemos o apoio de parceiros, nem de profissionais especializados e essa, talvez, tenha sido nossa maior dificuldade durante o processo de inclusão. Muitas vezes senti que poderia ir um pouco mais além, mas não sabia como. Resolvemos esse desafio com união: eu e minha amiga de reflexões, diariamente, conversávamos sobre as novidades que aconteciam nas aulas e discutíamos cada diálogo, cada pergunta e os comportamentos diferenciados.
Ao final, o livro nos trouxe a certeza de que é possível transformar a realidade, ou melhor que isso, de que é possível enxergá-la de outro modo. Andreia sempre esteve lá, escrevia deliciosamente bem e eu nem sabia.
Resultado das ações
Toda turma se envolveu na iniciativa. Eles mostraram-se muito empolgados em participar auxiliando a aluna, revisando os textos, lendo em voz alta. Nós, professores, sempre esperamos que o envolvimento parta dos estudantes, mas, com esse projeto, percebi que basta criarmos um pequeno incentivo para que eles, de fato, participem.
Mantive contato com Andreia por alguns anos depois de sua saída da escola. Nas redes sociais, trocamos mensagens e vejo suas publicações com frequência. Ela se comunica muito bem e mantém uma vida com autonomia.
* Nomes fictícios.