Estudantes criam rugby que não deixa ninguém de fora

O projeto “Rugby para todos: jogando com as diferenças” foi planejado e executado no CEU EMEF Água Azul – Professor Paulo Renato Costa Souza, em São Paulo (SP), em seis turmas do 9º ano. A escola está situada na periferia do município e faz parte de um Complexo Educacional Unificado (CEU), onde são desenvolvidas diversas atividades abertas à comunidade, inclusive aos sábados e domingos. Na época de execução do projeto, a unidade contava com 1.448 estudantes matriculados no ensino fundamental e na educação de jovens e adultos (EJA), atendidos nos períodos da manhã, tarde e noite. Eram 28 os alunos com algum tipo de deficiência – paralisia cerebral, síndromes de Down, de Algeman, de Kabuki e de Seckel, transtorno do espectro autista (TEA), baixa visão e deficiências intelectual e auditiva. Entre os educandos que participaram do projeto, três apresentavam alguma deficiência: Fabiana, de 19 anos, com paralisia cerebral e cadeirante; João Vitor, de 14 anos, com baixa visão e Mateus, de 14 anos, com deficiência intelectual.

Temos duas Salas de Apoio e Atendimento à Inclusão (SAAIs), em que é oferecido o atendimento educacional especializado (AEE). Contamos ainda com dois auxiliares de vida escolar (AVE), que atuam junto aos educandos com dificuldades de locomoção, higienização e alimentação. Os profissionais que aí atuam são contratados do Programa Inclui, da Secretaria Municipal de Educação da cidade, órgão que também se encarrega da manutenção do espaço. Estagiários trabalham nas salas onde há algum estudante com deficiência para auxiliar os professores regulares nos processos de ensino e de aprendizagem. Uma instrutora de Língua Brasileira de Sinais (Libras) oferece formação para os docentes e comunidade.

A EMEF Água Azul é uma escola nova e conta com elevador, rampas, corrimão com duas alturas e banheiros adaptados. Porém ainda há um longo caminho a percorrer com relação à acessibilidade dos recursos pedagógicos e comunicacionais. Ainda nos deparamos com uma pedagogia negativa no atendimento aos alunos com dificuldades, seja facilitando demasiadamente as atividades sem propor desafios, seja superprotegendo ou supondo que eles não têm condições de aprender. A maioria dos profissionais não teve uma formação com princípios inclusivos e o acesso a esses conhecimentos é recente. O projeto político pedagógico (PPP) da escola, por sua vez, é totalmente favorável a um ambiente inclusivo e propõe a ampliação da participação dos alunos com deficiência e a desconstrução de preconceitos por meio de um olhar voltado à diversidade.

 

Rugby para todos

O projeto foi desenvolvido com o objetivo de colocar em prática os princípios propostos por nosso PPP. A educação física foi escolhida por ser uma disciplina com caráter transdisciplinar. Para superar as barreiras, decidimos adotar uma pedagogia com foco nas potencialidades, nos questionando: quais habilidades poderíamos explorar? Quais estratégias poderiam ser adotadas para tornar as aulas mais dinâmicas? O que poderia ser feito para tornar todos mais atuantes e colaborativos no ambiente escolar? Esse é um desafio que só pode ser superado com o trabalho colaborativo entre professores, educandos, equipe gestora, profissionais em geral e comunidade.

Decidimos realizar o projeto para proporcionar a nossos estudantes, com e sem deficiência, o desenvolvimento de suas potencialidades por meio do conhecimento e da prática do tag rugby, uma variante de iniciação ao rugby em que não há contato e que pode ser praticada por todos. Na primeira etapa, os alunos dos 9º anos foram levados ao teatro para assistir a aulas expositivas e filmes sobre a história do esporte, suas regras e variações. Posteriormente, eles retornaram às salas de aula e, com as informações teóricas, foram desafiados a criar regras que permitissem a participação plena dos colegas com deficiência no jogo (leia as regras abaixo). As discussões foram realizadas coletivamente e os resultados foram apresentados em produções escritas.

Depois foi hora de entrar em quadra. Na terceira etapa, apresentamos os fundamentos básicos da modalidade, como os passes, as movimentações com e sem bola, o manejo da bola etc. Nesse momento, os alunos tiveram oportunidade de colocar em ação as regras construídas coletivamente e puderam validá-las ou reformulá-las. Após a experimentação dos fundamentos, iniciamos a prática do tag rugby. Inseridos na dinâmica do esporte, eles observaram os ritmos individuais de movimentação e de posse de bola e, mais uma vez, repensaram as regras de modo a respeitar os tempos pessoais para execução das atividades. Todas alterações foram propostas com o objetivo de não excluir nenhuma pessoa do jogo.

Acreditamos que com o “Rugby para todos: jogando com as diferenças”, conseguimos mudar a maneira com que os professores, familiares e estudantes do CEU EMEF Água Azul – Professor Paulo Renato Costa e Souza enxergavam as pessoas com deficiência. O trabalho interdisciplinar entre os docentes, como os de língua portuguesa e informática, e a confiança da gestão da escola e da gestão do CEU em nosso trabalho foram fundamentais para alcançarmos esse resultado. Diante do interesse de alunos e professores, o projeto terá continuidade de diversas formas, com a flexibilização de outras modalidades esportivas e atividades pedagógicas, a conscientização nas salas de aula e a sensibilização contínua para o desenvolvimento da valorização das potencialidades do ser humano.

 

Regras criadas pelos estudantes

Como não foi possível utilizar uma bola com guizo, o passe para o João Vitor deveria ser realizado colocando a bola em suas mãos. Quando o aluno decidisse realizar o passe, seus colegas de time deveriam se aproximar e usar uma palavra-chave para que ele entregasse a bola.

A sala do Mateus criou meios para reforçar as regras de funcionamento do jogo durante a própria atividade. A cada momento em que a bola parava, as equipes relembravam para o estudante como realizar o passe, para qual lado ele deveria correr, quem eram as pessoas do seu time etc.

Ao fazer o passe para a Fabiana, seus colegas deveriam colocar a bola em seu colo e assumir a direção da cadeira de rodas. No tag rugby tradicional, o bloqueio acontece quando um jogador retira a tag (uma pequena fitinha amarrada ao lado do corpo) do adversário que está com a bola. Decidiu-se também que a outra equipe não poderia retirar as tags da Fabiana em duas situações específicas: enquanto ela estivesse com a cadeira parada e no momento em que virasse para jogar a bola para um companheiro de time (o passe no rugby é executado para trás).

Projeto participante do Portas Abertas para a Inclusão 2015.

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