Escola inclui estudante surdocego por meio de trabalho colaborativo

Criar um vínculo e desenvolver a comunicação com o estudante foram estratégias fundamentais para a inclusão na vida escolar

A Escola Municipal Antonio de Pádua Giaretta está localizada no município de Jundiaí (SP), no Jardim Carlos Gomes, um bairro de classe média. Atualmente a unidade atende 275 crianças na faixa etária de seis a dez anos do ensino fundamental I. Os estudantes estão divididos em 12 turmas de meio período, sendo metade de manhã e a outra metade à tarde.

A equipe escolar é composta por 31 funcionários, distribuídos da seguinte maneira: equipe de apoio; equipe pedagógica; e dupla gestora (diretora e pedagoga).

 

Em área aberta da escola, estudante toca o rosto da colega. Educadora, que está atrás, observa a cena. Fim da descrição.
Foto: Valdinéia Nascimento. Fonte: Arquivo pessoal.

Conhecendo a situação desafiadora

Gustavo é uma das crianças matriculadas na unidade escolar. Ele apresentava comportamentos agressivos, dificuldade na realização de atividades pedagógicas, entre outras características que o impediam de acompanhar os conteúdos curriculares.

Por se recusar a entrar na sala de aula e em outros espaços da escola, ele ficava deitado em um colchonete na biblioteca. Ao tentar levá-lo para outros locais, reagia com agressões físicas contra a equipe e contra o próprio corpo. O comportamento devia-se ao problema de comunicação, pois o estudante é surdocego e não conseguia interagir com os colegas de classe e profissionais de educação.

Sabendo disso, no início de 2017, decidi me oferecer à diretora da escola para fazer o trabalho de mediação com o estudante, já que atuo como intérprete de Libras na rede municipal. Logo nos primeiros dias, deparando com a situação, percebi a necessidade de criar um vínculo para o desenvolvimento da comunicação e a participação dele na vida escolar.

Diante desse contexto, a nova equipe de gestão da escola se mostrou totalmente disposta a trabalhar a educação inclusiva na unidade, auxiliando na inserção do estudante na sala de aula.

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Conhecimento e estratégias

Para ter um bom desempenho na interação com o Gustavo, tive que me preparar. Participei de formações sobre surdocegueira com o objetivo de conhecer mais sobre o tema e poder planejar estratégias pedagógicas eficientes, juntamente com a equipe pedagógica, para eliminar barreiras que o impedissem de participar plenamente das aulas.

Colocando em prática os conhecimentos adquiridos, junto com a professora da sala regular do terceiro ano, fui me aproximando dele, mesmo que fosse reativo ao toque, para que começasse a criar uma relação e desenvolvesse o ensino de Libras Tátil – realizada por meio do contato das mãos da pessoa surdocega com as mãos do interlocutor.

Aos poucos, o vínculo afetivo com o Gustavo foi estabelecido, onde ele entendeu que as mãos eram uma forma de comunicação. A partir daí, foi possível iniciar o processo de inserção na rotina da escola. Para isso, preparamos toda a escola, desde os profissionais de educação até os demais estudantes. A entrada dele na sala de aula aconteceu quando todos entenderam e acreditaram que isso era possível.

 

Em sala de aula, estudantes conhecem material escolar através do toque. Educadora, que está ao lado, observa a cena. Fim da descrição.
Foto: Valdinéia Nascimento. Fonte: Arquivo pessoal.

Trabalho colaborativo

Quando o Gustavo entrou em sala, colocamos em prática o currículo funcional elaborado para incluí-lo nas atividades e evoluir suas potencialidades. A ida ao supermercado ao lado da escola é uma atividade muito positiva que realizamos naquele ano. O objetivo da ação era explorar os demais sentidos, como tato e olfato, para que ele conhecesse os alimentos. Com os alimentos comprados, no dia seguinte, fazíamos uma receita sempre com a ajuda de colegas da turma, o que permitia a interação entre eles.

Entre outras ações realizadas nesse processo estão: aulas de jardinagem, onde ele começou a conhecer as plantas, a necessidade de regá-las e saber como elas crescem; jogos de peças, para ter a percepção das formas geométricas; e a utilização de livros em braile, mas não para leitura, e sim para trabalhar com os desenhos em relevo, a fim de que soubesse o formato de seres e objetos. As atividades propostas foram elaboradas de maneira tátil, para inclusão de todos.

É importante ressaltar que todo o processo de aprendizagem teve a participação ativa dos estudantes da turma, que diariamente se revezavam para ser o parceiro durante a aula, possibilitando que se conhecessem de verdade e fizessem as atividades em parceria.

A família também acreditou e incentivou o processo, o que foi fundamental para o desenvolvimento do estudante, dando confiança ao nosso trabalho.

Frutos da inclusão

Desde o início, entendemos que todo estudante precisa ser acolhido para se sentir parte da escola. A inclusão não é receber o aluno e ele estar ali, precisamos nos adaptar à necessidade, conhecer para oportunizar. A experiência mostrou que a escola é um espaço de construção e aprendizagem coletiva, e que a mudança atitudinal facilita a inclusão de todas e todos no ambiente escolar.

O trabalho desempenhado com a classe e toda equipe escolar foi determinante para o desenvolvimento significativo das habilidades do Gustavo. A comunicação foi transformadora em sua vida, onde pôde socializar, conhecer o próximo e o mundo. Um símbolo do resultado positivo foi o primeiro abraço dado nos avós em sua vida, algo considerado impossível meses antes.

 

Em sala de aula, estudante se comunica com o colega por meio da Libras Tátil. Fim da descrição.
Foto: Valdinéia Nascimento. Fonte: Arquivo pessoal.

Os demais estudantes e toda a equipe escolar aprenderam o respeito à diversidade, o impacto positivo que isso causa e olhar a potencialidade de cada um. A educação inclusiva é fundamental para mostrar que todos têm direitos e possibilidades. A sociedade precisa olhar para o sujeito e entender que, antes da deficiência, existe uma pessoa.

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