Escola de EJA cria espaço de formação e diálogo para estudantes e famílias

O Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) Campo Limpo é uma das 178 instituições de ensino criativas e inovadoras do Brasil eleitas pelo Ministério da Educação (MEC). Localizada no bairro do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, a escola oferece educação de jovens e adultos (EJA) para cerca de 1.300 estudantes, cuja faixa etária vai dos 15 até os 90 anos. A unidade se destaca por sua gestão democrática e pelo acolhimento às diferenças e aos excluídos: são muitos os adolescentes expulsos de outras escolas, que trabalham para ajudar suas famílias, em regime de liberdade assistida, pessoas com deficiência etc.

No passado, contudo, o CIEJA (anteriormente chamado de Centro Municipal de Ensino Supletivo – CEMES) pouco dialogou com seus alunos e comunidade. Essa realidade começou a mudar com a chegada da diretora Eda Luiz, que realizou diversos esforços para se aproximar desses atores. A equipe coordenadora decidiu escutar os jovens e adultos para entender como eles se relacionavam com a escola e mapeou espaços e pessoas do entorno que poderiam apoiar os educadores na construção um projeto de formação para a autonomia.

O projeto político-pedagógico (PPP) foi reformulado em discussões que envolveram estudantes, professores, coordenadores, famílias e demais funcionários. Como muitos estudantes trabalhavam, adotamos um modelo flexível de aulas, no qual eles podem optar por estudar um dia de manhã e outro à noite, por exemplo. Também estabelecemos os valores que devem orientar todas as relações, seja no âmbito do ensino e da aprendizagem, bem como na interação com os colegas. São eles: acolhimento, alegria, amor, bem estar, confiança, cuidado, ensinar e aprender, liberdade, respeito, responsabilidade e solidariedade.

 

Aproximação com as famílias

Ao trabalhar com os jovens com deficiência intelectual, observei a forma como alguns familiares falavam sobre seus filhos e sobre suas deficiências e, principalmente, o pouco conhecimento que tinham sobre seus direitos enquanto cidadãos. Uma inquietação me rondava: até que ponto a postura inclusiva do CIEJA conflitava com o que as famílias ensinavam dentro de casa? Era preciso conhecê-los fora do contexto escolar, em outros ambientes, saber os locais que frequentavam, o que faziam, do que gostavam, como se relacionavam em outros espaços. Essas informações poderiam nortear o trabalho pedagógico em sala.

Nessa época, como o transporte escolar era destinado somente a crianças, não contávamos com o serviço. Com isso, as mães levavam seus filhos adolescentes e ficavam na escola aguardando o horário de saída (como as aulas tinham duração de 2h30, para elas, era mais vantajoso esperar). Durante a espera, essas mulheres conversavam, riam, se juntavam para fazer a unha, para levar comidas. Mesmo após conseguirmos a perua, elas continuaram a aparecer na unidade para se encontrar.

Imaginei que aquele grupo, pela primeira vez na vida, teve que “soltar” seus filhos e encontraram ali um espaço para compartilhar vivências. Conversei com a diretora sobre essa movimentação e sobre minha inquietação e ela me desafiou a realizar um trabalho com os pais. Pouco tempo depois, em março de 2008, o projeto Café Terapêutico teve início com o objetivo de reunir os estudantes com deficiência e suas famílias para debater a inclusão.

 

O Café Terapêutico

O primeiro encontro contou com a participação de 11 pessoas entre pais e responsáveis, alunos com e sem deficiência e funcionários. Não tinha claro como seria o formato do Café, mas sabia que era fundamental que os adolescentes participassem juntos com seus pais, para que aprendessem sobre seus direitos fundamentais de falar, ser ouvido, decidir, escolher, opinar, etc. Todos gostaram da iniciativa e passamos a realizar as reuniões semanalmente.

Comecei a descobrir, aos poucos, como eram aquelas relações familliares. Enquanto eu, em sala de aula, procurava incentivar a autonomia dos estudantes, em casa, eles ouviam coisas como: “deixa que a mãe coloca a comida para você” ou “pode deixar que a mãe te dá banho”. Por isso, traçamos um formato de trabalho que poderia ser desenvolvido junto ao grupo e que propiciasse a criação de vínculos afetivos. Era fundamental que os pais se conhecessem, formassem uma rede de solidariedade e amizade e, principalmente, descobrissem os potenciais de seus filhos.

Nossos objetivos foram surgindo ao longo dos encontros e hoje são:

• Propagar a troca onde as diferenças em virtude das deficiências sejam minimizadas e esclarecidas;
• Difundir a rede solidária entre pais, filhos, amigos e profissionais;
• Propiciar discussão e reflexão de temas sobre cidadania, identidade, solidariedade, saúde, afetividade, educação inclusiva, escola de todos e para todos;
• Discutir a relação entre diferenças x deficiências para quebra de preconceitos;
Divulgar e esclarecer os processos de aprendizagem e práticas educativas do CIEJA Campo Limpo;
• Multiplicar formação e circulação de informações.

 

Estratégias e parcerias

As ações sempre foram pensadas para que os participantes falassem sobre suas angústias, conquistas, anseios e contribuíssem com suas histórias de vida para que os outros responsáveis também pudessem se mobilizar na busca por soluções para seus problemas cotidianos. A utilização de pequenos textos para sensibilização e discussão, apresentação de slides com textos e imagens, pequenos vídeos, fotografias e dinâmicas são valiosos instrumentos utilizados nos encontros que, agora, acontecem quinzenalmente. As reuniões têm sempre um tema, apresentado junto a uma imagem, para facilitar o entendimento dos jovens com deficiência intelectual. Temos o cuidado de fazer a audiodescrição de tudo o que mostramos.

Além dos encontros, realizamos outras atividades, como:

• Café Musical: análise de letras de músicas dentro de um contexto que seja pertinente à realidade do grupo e que possa contribuir para a sensibilização;

• Café Sarau: pais e filhos preparam apresentações de música, leitura de textos, poesias, apresentações de danças etc, para os outros participantes;

• Café Terapêutico Solidário Animal: onde fizemos a multiplicação da formação recebida sobre posse responsável e proteção animal;

• Cine Café Terapêutico: sessões de filmes que tratam de questões de inclusão, deficiências, direitos humanos etc.

• Encontros de aniversário: realizado anualmente no Teatro Oscarito, localizado no CEU Casa Blanca, próximo à escola.

Usamos diferentes mecanismos para que todos sejam informados sobre as reuniões: entregamos bilhetes para os estudantes com deficiência, fixamos folders nos murais de aviso do CIEJA e divulgamos todas as iniciativas nos blogs do Café Terapêutico e do CIEJA Campo Limpo. Com o tempo, muitos temas de discussão foram surgindo e passei a ir atrás de parceiros para mediar as conversas. Já trouxemos médicos, dentistas, comerciantes do bairro, representantes de instituições, políticos. Toda pessoa ou organização que faz uma palestra em nosso espaço se torna uma parceira.

 

Avaliação

Contamos com registros escritos e relatos audiovisuais nos quais os participantes falam da importância de participar do grupo. Os pais se sentem muito satisfeitos em ouvir seus filhos – cada um a seu modo – se colocando frente às questões trazidas nos encontros, o que gera momentos de muita emoção. Possibilitar que os estudantes deficiência sejam respeitados e tratados como jovens e adultos, e não como crianças, é valorizar a eficiência do ser humano.

Os trabalhos do Café Terapêutico são amplamente divulgados com a intenção de que escolas e outras instituições que trabalham com pessoas com deficiência também desenvolvam esse olhar diferenciado para as famílias. Hoje, as reuniões, que inicialmente foram planejadas para as famílias dos alunos com deficiência do CIEJA, são abertas para todas as pessoas que tenham interesse em discutir temas fundamentais para a construção de uma inclusão efetiva em todos os espaços da sociedade.

 

Reconhecimento

Ao longo de um percurso trilhado com muito amor e dedicação, colecionamos algumas premiações municipais, estaduais e nacionais, dentre elas:

• Prêmio Construindo a Nação | Instituto da Cidadania Brasil | 2º lugar no estado de São Paulo em 2012 e 2013;

• Prêmio Paulo Freire de Qualidade do Ensino Municipal | Prefeitura de São Paulo | Menção Honrosa em 2013;

• Prêmio Educação em Direitos Humanos na cidade de São Paulo | Prefeitura de São Paulo | 1º lugar na categoria “Professor” em 2014;

• Prêmio Darcy Ribeiro de Educação | Comissão de Educação da Câmara dos Deputados | Menção Honrosa em 2015.

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