Jogo de RPG facilita alfabetização de estudantes

Autonomia e protagonismo dos estudantes potencializam projeto desenvolvido para eliminar barreiras ao aprendizado 

Somos educadoras do Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (CEFAI) de Itaquera, da cidade de São Paulo, e realizamos trabalhos itinerantes em escolas municipais da capital paulista. Visitamos duas unidades por dia para desenvolver e monitorar formações e projetos inclusivos.

Em 2019, chegamos à EMEF Clotilde Henrique Rosa, localizada no extremo leste da capital paulista. A turma de 2019 do 2ª ano B do ensino fundamental era bem participativa, curiosa, solidária, interativa e criativa. Contava com 34 estudantes, dentre eles três alunos com deficiência.

Beatriz estava com 18 anos e tinha paralisia cerebral. Assim como os demais estudantes da turma, ela passava por um processo de alfabetização. A distorção entre a idade de Bia e das outras crianças se apresentou como desafio ao aprendizado de todos.

Barreiras identificadas: o que fazer?

Como aplicar o currículo de maneira que aproximasse as diferentes idades? Esse era o desafio! Era preciso promover os conteúdos propostos sem infantilizar o aprendizado de Bia e levando em consideração a idade da maioria da turma, composta por crianças de 8 anos.

Diante disso, nos reunimos com os educadores da escola para pensar em possíveis saídas. Em conjunto com o Professor de Apoio e Acompanhamento à Inclusão (PAAI), identificamos barreiras comunicacionais e motoras ao pleno acesso de Bia ao currículo e propusemos à escola um projeto educacional para proporcionar aprendizado a toda a turma.

Idealizando o material

Levando em conta conteúdos de língua portuguesa e arte, idealizamos um material pedagógico acessível que permitisse aos estudantes a elaboração coletiva de contos de fadas. A proposta era criar com os estudantes um jogo em formato de RPG para contar histórias ambientadas por cenários interativos. Nasceu assim o “Tabuleiro de RPG”.

Em sala de aula, crianças sentadas em carteira escolar interagem com Tabuleiro do RPG. Uma delas segura uma carta do jogo. Em primeiro plano, imagem destacada do jogo. Fim da descrição.
Foto: Paulo Fehlauer. Fonte: Instituto Rodrigo Mendes.

Os estudantes teriam contato com diferentes linguagens na montagem das histórias; construiriam o cenário e sua constituição a partir das peças e personagens; desenvolveriam a linguagem escrita — por meio da elaboração de livretos e cartões — e a linguagem oral e musical.

Articulação com o currículo e aplicação do material

Usamos como base o currículo de língua portuguesa nos seguintes eixos propostos: práticas de leitura, produção e escuta de textos escritos, dentro do gênero textual contos de fadas. Em arte, trabalhamos o processo de conhecer e explorar possibilidades de criação artísticas, além de fazer conexões entre produções históricas e contemporâneas.

+ Saiba como o Tabuleiro de RPG se articula com a BNCC 

Propusemos aos professores e à coordenação pedagógica a aplicação do projeto em três aulas. Em um primeiro momento, a professora de sala de aula trabalharia o gênero textual conto de fadas. Depois, apresentaria a ideia do jogo e explicaria que a turma iria confeccionar o material. Posteriormente, os estudantes criariam o nome e o logo do jogo e realizariam uma votação para escolher os contos trabalhados.

Biarela: o jogo dos amigos

Após a aceitação do modelo proposto por parte dos educadores da unidade e a aplicação em sala, a turma escolheu o conto de fadas da Cinderela para trabalhar durante as aulas e criou a adaptação “Biarela”, história inspirada na estudante Bia. O conto adaptado foi elaborado colaborativamente pelos estudantes e levou em consideração a trajetória da aluna. Após a construção da história, os estudantes gravaram os áudios correspondentes a cada um dos contos

+ Aprenda a construir o Tabuleiro de RPG.

Após a definição dos contos pela turma, a professora de sala de aula nos enviou um rascunho do projeto e montamos no CEFAI os caminhos do tabuleiro para a confecção do material. Para a escolha do percurso das histórias, criamos charadas para tornar o jogo mais interativo; confeccionamos livretos com as duas histórias para acompanhar o áudio; e personalizamos cada trajeto do tabuleiro de acordo com as histórias de Cinderela e Biarela. Por fim, também elaboramos as regras do jogo.

 

Trabalho colaborativo e estudantes protagonistas

Com o material construído, o apresentamos aos estudantes em conjunto com os educadores da escola. Separamos a turma em grupos para que toda a sala pudesse participar. Pensamos em usar um plano inclinado para facilitar a ativação dos botões pela Bia. Percebemos também dificuldade para o andamento do jogo em função do número de regras, mas na prática funcionou.

Em sala de aula, estudantes olham atentos para um dos lados da sala. Fim da descrição.
Foto: Paulo Fehlauer. Fonte: Instituto Rodrigo Mendes.

Os estudantes estavam muito empolgados com a atividade e demonstraram grande autonomia e trabalho em equipe ao longo de todo o processo de idealização e montagem do material.

Bia ficou muito motivada e surpresa quando os colegas a escolheram para ser a inspiração do conto. Ela demonstrou grande interesse e engajamento ao participar do jogo.

O projeto foi além de nossas expectativas e proporcionou aprendizado de qualidade para todas e todos, motivando os educadores da escola. Todos os setores da unidade se mobilizaram para a realização do projeto pedagógico. O sucesso da proposta estimulou a ideia de expandir a utilização de materiais pedagógicos acessíveis para outras salas e programas da escola.

Em sala de aula, estudantes observam Tabuleiro de RPG depositado em cima de mesa. Fim da descrição.
Foto: Paulo Fehlauer. Fonte: Instituto Rodrigo Mendes.

Este relato de experiência é fruto da participação dos autores na edição 2019 do Materiais pedagógicos acessíveis – formação em serviço para educadores envolvidos no processo de escolarização de estudantes público-alvo da educação especial em escolas comuns, desenvolvida pelo Instituto Rodrigo Mendes em parceria com a Fundação Lemann. O objetivo é contribuir na construção de materiais pedagógicos acessíveis que auxiliem o processo de ensino-aprendizagem de estudantes com e sem deficiência. 

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