Projeto gera reflexões sobre a modernidade líquida de Bauman

Por meio de metodologia de estações de aprendizagem, estudantes exploram dilemas do século XXI a partir de conceitos do sociólogo polonês

Sou professor de sociologia de turmas do 3ª ano do ensino médio do Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) 493 – Profª Antonieta Salinas de Castro, localizado no município de Barra Mansa, no Rio de Janeiro. A escola é de tempo integral e conta com cursos técnicos articulados ao ensino médio.

Como professor, entendo que o processo de ensino-aprendizagem deve colocar os estudantes como autores e protagonistas, bem como auxiliá-los na edificação de suas competências socioemocionais.

Já a sociologia é um importante caminho para a construção de uma sociedade autônoma e cidadã, para além do desenvolvimento das habilidades do referido componente curricular.

Passeio pelos Tempos Líquidos

Dessa forma, eu tenho o desejo de que os estudantes saiam do ensino básico com uma capacidade ampliada de visão de mundo e se tornem sujeitos autônomos. Por conta disso, em 2018, decidi desenvolver o projeto “Um Passeio pelos Tempos Líquidos: metodologia de estações como fonte de aprendizagem sobre a sociedade do século XXI“.

A ideia era contribuir para a construção de uma nova maneira de analisar o mundo, sob a luz da compreensão dos “Tempos Líquidos“, alcunha criada pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman.

A chegada do século XXI apresentou novos dilemas e desafios para a modernidade, acarretando em uma atual maneira de se viver e se colocar enquanto indivíduo e sociedade. Assim, os conceitos de Bauman são um importante instrumento de reflexão sobre a complexidade que permeia a “Modernidade Líquida”.

O objetivo era desenvolver uma metodologia híbrida de ensino por meio da “Rotação por Estações de Aprendizagem” e estimular nos estudantes autonomia, raciocínio e capacidade de reflexão sobre os acontecimentos a sua volta e sobre suas próprias atitudes.

Mulher de pé em frente a um quadro de madeira. No quadro, está colada a palavra "tempos" em amarelo e há uma seta preta com a ponta vermelha apontando para baixo, onde está um relógio preto redondo com os números de 1 a 10 em vermelho deitados. Duas alunas sentadas e de costas olham o relógio. Fim da descrição.

Objetivos de aprendizagem

Sob essa ótica e em articulação com a Base nacional comum curricular (BNCC), o projeto foi desenvolvido com 68 estudantes do 3ª ano do ensino médio articulado com o curso de eletrotécnica. Em parceria com a disciplina de língua portuguesa, teve os seguintes objetivos de aprendizagem:

• Refletir, à luz de Zygmunt Bauman, a fragilidade dos relacionamentos humanos, correlacionando as aprendizagens desenvolvidas ao longo do processo de ensino-aprendizagem e aliando o conhecimento cognitivo ao não-cognitivo;

• Atribuir significado à aprendizagem por meio de produções de manifestos verbais e não-verbais que discutam aspectos políticos e sociais abordados na essência da sociologia humanista contemporânea.

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Organização das aulas

• 1ª etapa: motivação sobre a temática

Utilizando o episódio “White Bear”, da série britânica Black Mirror, refletimos sobre os novos modelos de relacionamento, baseados na superficialidade e objetificação do outro. Para isso, realizamos um debate em uma roda de conversa para explorar as percepções dos estudantes sobre o episódio, focando a “sociedade do espetáculo”.

Em seguida, começamos a debater sobre a teoria de Bauman, refletindo sobre as relações humanas. Durante essa atividade, observei que uma turma apresentou argumentos sólidos e complexos, o que gerou um bom debate de ideias. Os estudantes conseguiram chegar ao ponto de analisar os limites entre justiça e vingança. Já outra turma apresentou uma argumentação rasa, defendendo ideias mais simples e maniqueístas, como “fez mal, então tem que sofrer”. Por conta disso, achei importante aprofundar as discussões.

• 2ª etapa: aprofundamento da reflexão

A partir da metodologia de sala de aula invertida, sugeri materiais pedagógicos para que os estudantes pudessem aprofundar a compreensão do pensamento de Zygmunt Bauman sobre o mundo pós-moderno. 

Com a formação de times liderados pelos próprios educandos, eles associaram suas experiências pessoais ao conceito de “Tempos Líquidos”, culminando, assim, em uma troca de experiência entre os times, tendo o professor como dinamizador/facilitador deste processo.

Nesta etapa, chamou muito a atenção dos estudantes o subtema amores líquidos. Eles conseguiram associar o tipo de relacionamento “ficar”, tão comum a eles, ao conceito discutido.

• 3ª etapa: criação de estações de aprendizagem

Por conta da dificuldade de aprendizagem de alguns estudantes, decidi propor uma metodologia baseada em “Rotação por estações de aprendizagem”, que consiste na construção de conhecimento de forma coletiva, a partir da divisão de temáticas por grupos de estudo. Dessa forma, nenhum estudante ficaria para trás e todos teriam acesso aos conteúdos curriculares.

Em quadra escolar, seis alunos estão à frente da imagem, sentados e observando materiais que estão fora do quadro. Atrás, diversos estudantes em pé interagem com outra amostra do projeto. Fim da descrição.

• 4ª etapa: divisão por temáticas

Os estudantes foram divididos em 10 grupos de subtemas, de modo que cada uma das estações promoveria uma atividade diferente e independente entre si, mas todas deveriam se conectar ao tema gerador: “Modernidade Líquida”. Imaginei as estações de aprendizagem a partir de quatro estágios: o da interação entre alunos e professor; o de trabalho colaborativo; o da interação entre estudantes e alunos/comunidade, e o uso de tecnologias. Os subtemas foram:

A) Vivendo em Tempos Líquidos;

B) Amores Líquidos;

C) A Educação em Tempos Líquidos;

D) As Redes Sociais;

E) Seres Humanos Objetificados;

F) O Consumismo em nossos tempos;

G) A Fé em Tempos Líquidos;

H) Quem foi Zygmunt Bauman?

I) Citando Bauman nas Produções Textuais;

J) Manifesto.

• 5ª etapa: orientação de trabalhos

Houve acompanhamento pedagógico e didático dos professores de sociologia e língua portuguesa para orientar as produções, corrigir possíveis falhas e sugerir novos caminhos.

• 6ª etapa: culminância do projeto

Com participação de todos os estudantes do horário Integral da unidade escolar e da comunidade, realizamos a exposição dos trabalhos. Em cada estação, os times utilizaram mecanismos próprios para fazer com que o visitante conseguisse associar o subtema ao tema gerador do projeto.

As estações de aprendizagem ofereciam diversificadas maneiras de expor suas temáticas, utilizando, inclusive, materiais concretos e flexíveis, oportunizando a todos os visitantes interagir com a atividade, bem como compreender o tema proposto.

Cada time optou por uma estratégia interativa, surpreendendo-nos com excelentes ideias, como mapa mental interativo da educação; roleta de perguntas sobre a fé; quiz para medir o nível de egoísmo; coração de gesso e de gelatina; amontoado de objetos para retratar o consumismo etc. Também foram expostos manifestos verbais e não-verbais (charges, memes, tirinhas, remodelação).

• 7ª etapa: autoavaliação dos estudantes

Por fim, os estudantes realizaram uma autoavaliação sobre todo o processo, com a finalidade de consolidar o protagonismo de todas e todos ao longo do projeto e aguçar autonomia e visão crítica. Além disso, a atividade também foi importante para promover o autoconhecimento e aprimorar suas habilidades e fragilidades.

Evidências das aprendizagens alcançadas com o trabalho

Indiretamente, o projeto envolveu mais de 400 alunas e alunos da unidade escolar, que visitaram as exposições por meio da rotação por estações de aprendizagem. Também participaram da culminância ex-estudantes, familiares e outros membros da comunidade escolar, que foram convidados por meio de divulgações nas redes sociais.

Com o desenvolvimento do projeto, foi perceptível o aprofundamento do tema pelos discentes, demonstrando conhecimento sobre o conteúdo e despertando uma nova visão sobre a sociedade atual, bem como compartilhando conhecimentos. A comunidade ficou maravilhada de ver o discurso sólido dos estudantes, assim como a criatividade e o envolvimento.

Os alunos filmaram as atividades para registrar todo o processo. Os vídeos estão disponíveis no Youtube, assim como curta-metragens produzidos pelos estudantes sobre a experiência.

Aluno, vestindo camiseta listrada em vermelho e azul, escreve de canetão em cartaz com várias frases de outros estudantes. Fim da descrição.

Por que estou aqui?

Por meio do desenvolvimento do protagonismo juvenil, o projeto estimulou autonomia em cada um, mobilizando diferentes recursos didáticos em diferentes linguagens (textuais, não textuais, artísticas, digitais, tecnológicas, gráficas, dinâmicas etc.).

Também foi possível perceber que os alunos fortaleceram seu processo de autoconhecimento, refletindo melhor as filosóficas indagações: “Quem sou eu?”, “Por que estou aqui?”, “Por que faço isto?”.

O projeto pode ter proporcionado, inclusive, um exitoso resultado entre os educandos na redação do ENEM 2018, em que 27 (de um total de 58 estudantes) obtiveram notas superiores a 800 pontos, sendo 11 acima de 900. Em todas as redações, uma ocorrência em comum: citação de sociólogos, como Bauman.

 


Rodrigo Seixas é um dos 10 vencedores do Prêmio Educador Nota 10 de 2019 com o projeto “Um Passeio pelos Tempos Líquidos: metodologia de estações como fonte de aprendizagem sobre a sociedade do século XXI”.

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