Professor cria material pedagógico inclusivo para auxiliar na aprendizagem de matemática e estatística

Recurso possibilita a abordagem de diversos conteúdos curriculares, motiva e contribui para a aprendizagem de estudantes

Eu já havia lecionado para todos os níveis educacionais quando conheci o Rodrigo, em 1998. Ele estava no 1ª ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Eleodoro Ébano Pereira, na cidade paranaense de Cascavel. Eu era professor de matemática do ensino regular em mais de 15 turmas. Já estava acostumado com a prática da docência.

No entanto, Rodrigo me apresentou a uma realidade que até então eu desconhecia: dar aulas de matemática para um aluno com deficiência visual.

Os métodos convencionais não surtiam efeito e causavam em Rodrigo dificuldades de aprendizagem. Decidi que precisava encontrar um caminho para ensinar os conteúdos a ele. A princípio, combinamos aulas domiciliares aos sábados pela manhã.

Na primeira experiência, Rodrigo confessou não ter gostado da aula. Ele me disse:

Você precisa ensinar utilizando as minhas experiências, coisas que eu conheço e que fazem parte do meu cotidiano. Aí eu aprendo.

A partir daí, planejei o conteúdo levando em consideração o repertório de cada estudante. Inicialmente, esse recurso teve um bom resultado para o Rodrigo e também para os demais alunos. Mas não foi suficiente para explicar conteúdos espaciais da matemática, como a geometria e a trigonometria.

Como você vai resolver esse problema, professor?

O desafio aumentou em 2000, quando ministrava a disciplina de Cálculo Diferencial e Integral na União Pan-americana de Ensino – UNIPAN. Entre os meus alunos, Ivã era cego e não conseguia ter acesso a boa parte do conteúdo, principalmente os de complexidade gráfica.

Contou-me que na sua educação básica era dispensado das aulas de matemática porque os professores e a coordenação pedagógica acreditavam que ele não era capaz de aprender. Sem nem ter ideia do que fazer, prometi a ele um recurso didático que possibilitasse o seu aprendizado.

Procurei metodologias e recursos pedagógicos que pudessem me auxiliar, mas não existiam materiais acessíveis na época. Busquei informações em escolas especializadas, bibliotecas públicas e livrarias, mas sem sucesso.

Professor utiliza ferramenta de corte para construir a tela multiplanoTudo mudou quando observei em uma loja de material de construção uma placa perfurada. Ela servia para segurar alicates e fios. Imaginei que pudesse utilizá-la para montar um plano cartesiano e efetuar operações matemáticas simples, representando os eixos x e y do plano, sem saber se daria certo.

Com uma placa perfurada, elásticos e rebites, montei de forma doméstica a aula inaugural. Inicialmente, apresentei o recurso apenas ao Ivã. Em apenas uma aula, ele já construía retas e funções de 1º grau. Assim, sugeri que ele explicasse o que tinha aprendido aos demais alunos da turma.

Foi incrível: ele não só foi capaz de aprender o conteúdo, como ensinar para os outros estudantes.

Ivan, auxiliado pelo professor Rubens, ensina conteúdo matemático utilizando o multilanoConforme o tempo foi passando, percebi que o recurso possibilitava a abordagem de inúmeros temas da matemática, estimulava o envolvimento de todos os alunos e também propiciava desenvolvimento educacional.

Multiplano: desenvolvimento de uma metodologia de ensino

Dessa forma, decidi investir em uma metodologia inclusiva para o ensino de matemática e de estatística com utilização da placa multiplano. Atualmente, o recurso é aplicado para diversos conteúdos de ciências exatas, dos mais simples aos mais complexos, como demonstrações de frações, análise de figuras geométricas e construção de fórmulas matemáticas. Também possibilita a utilização continuada por estudantes de todas as séries.

Com a aplicação do método, os alunos apresentaram notória evolução no desenvolvimento educacional. Tal fato foi comprovado pela experiência da escola Maria Leite Araújo, localizada na zona rural de Brejo Santo, no Ceará.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) dos alunos dos anos iniciais do ensino fundamental subiu de 3,1 para 9,2 após a utilização do multiplano. Os dados foram calculados entre 2009 e 2013. No mesmo período, a nota média municipal foi de 3,5 para 7,4.

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Investimento na formação de professores

Devido aos resultados positivos, a partir de 2010 decidi me dedicar exclusivamente à implementação da metodologia do multiplano na educação básica e investir principalmente na formação de professores e gestores educacionais para a utilização do material pedagógico.

Com o projeto, formulei cerca de 60 videoaulas que abordam mais de 100 temas matemáticos.  Os vídeos são voltados aos professores e agentes educacionais. Possibilitam a visualização do uso prático do recurso em sala de aula e também apresentam os benefícios para o processo de ensino e aprendizagem.

O material atende a todos os alunos, sem exceção, de todos os níveis e modalidades de ensino e pode ser utilizado também por familiares dos estudantes e psicopedagogos para o ensino de conteúdos matemáticos.

Com o recurso, os estudantes se sentem motivados a esclarecer dúvidas, pois têm acesso a novas formas de ensino. Em sua maioria, são eles que me procuram para usar o Kit multiplano, buscando melhor entendimento dos conteúdos curriculares ou querendo indicar o recurso para seus professores. Já com estes, percebo uma certa resistência em utilizar o multiplano.

Como um novo material pedagógico causa estranhamento, procuro mostrar alguns exemplos simples que podem ser explicados com o multiplano. O objetivo é que os professores ganhem confiança e explorem os próprios potenciais ao usar o recurso.

Reconhecimento nacional e internacional

Em 2018, o multiplano foi selecionado para compor o Guia de Tecnologias Educacionais do Ministério da Educação (MEC). O recurso já recebeu também diversos prêmios nacionais e internacionais, como os de Tecnologia Social da Fundação Banco do Brasil e FINEP de inovação em Tecnologia Assistiva, além de menção honrosa no Top Educacional Mário Palmério. A nível internacional, foi finalista do Prêmio VIVA Schmidheiny e ficou no top 50 do Global Teacher Prize 2018.

A educação inclusiva e de qualidade para todas e todos sempre foi um propósito na minha carreira. Sinto que, com o multiplano, construí um caminho para alcançar a efetivação de direitos. Visando a amenização de injustiças e oferecendo oportunidades iguais, sem preconceitos ou discriminações.

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