Conheça o projeto “Escola fechada, Educação em movimento!”

Premiado projeto de escola em Leopoldina (MG) trabalhou a realidade de estudantes para garantir acesso à educação durante a pandemia

A E.E. Dr. Pompílio Guimarães está localizada no distrito de Piacatuba, em Leopoldina (MG). A escola oferece o ensino fundamental I e II e ensino médio – regular e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Os três turnos em que a escola funciona são preenchidos por um público que varia na média de 170 estudantes, em uma faixa etária entre 6 e 79 anos.

São alunos que moram na área rural (aproximadamente 38%) e que também habitam a periferia do distrito. A comunidade onde a escola está inserida é pequena, porém marcada por todos os problemas sociais consequentes da desigualdade que aflige o nosso país.

Grande parte das mães e dos pais são analfabetos funcionais ou apenas concluíram os primeiros anos da escola. O sustento da família vem da atuação como trabalhadores rurais, artesãos ou em atividades do lar. O comércio no distrito é restrito: há uma padaria, um mercado, uma loja de produtos agrícolas e alguns bares e restaurantes.

Recentemente se instalou na comunidade uma indústria de produção de destilados, que vem aumentando a oferta de emprego e elevando a economia. A escola já percebe os efeitos desse crescimento na oferta de emprego por meio do aumento do número de alunas e alunos (no fim de 2018 haviam apenas 80 matriculados).

Em frente à uma casa de tijolos, educador e família de estudantes posam para a foto. À frente da família, kits com comida. Todos usam máscara. Fim da descrição.
Fonte: Arquivo pessoal.

Escola Fechada, Educação em Movimento!

Ofertar educação pública e de qualidade no Brasil sempre foi um desafio. Na pandemia, esse desafio se tornou ainda maior e mais complexo, principalmente pela dificuldade de acesso às tecnologias. Foi essa situação que nos motivou a criar o projeto “Escola Fechada, Educação em Movimento!”.

O objetivo principal era garantir que todos os nossos educandos tivessem acesso à educação, mesmo diante da pandemia. A equipe da escola se baseou no trabalho que já vinha sendo realizado antes do período de isolamento social e buscou soluções para questões de acesso, que pudessem, ao mesmo tempo, diminuir os efeitos do fechamento das escolas e reforçar nossos princípios de ofertar uma educação integral e inclusiva.

Mergulhamos no entendimento das necessidades e possibilidades da comunidade escolar e organizamos uma série de estratégias para continuar a ofertar uma educação que dialogasse com o território. Tendo como estratégia principal a entrega do material físico para os alunos em suas casas, nossa equipe transformou o desafio de garantir educação na pandemia em uma oportunidade para estreitar ainda mais os laços com a comunidade, acolher as famílias e estudantes e aprofundar nossa vivência sobre a região.

Para desenhar as estratégias utilizadas, nossa escola se orientou por questões como a valorização dos saberes que são possíveis de serem construídos no território; a minimização dos efeitos da pandemia no trabalho dos professores, na aprendizagem dos estudantes e na rotina das famílias; e a manutenção de vínculo com a comunidade.

No entanto, temos ciência de que assegurar que o aluno tenha acesso ao material de ensino remoto não significa garantir que ele terá uma experiência de aprendizagem que irá colaborar com sua formação social, acadêmica e cidadã. Antes de qualquer coisa, nos questionamos sobre quais aprendizagens eram possíveis de construir, respeitando as limitações e potencializando as vivências do território naquele momento.

Além de realizar a entrega para nossos alunos, buscamos oferecer um material que oportunizasse uma experiência de aprendizagem; que dialogasse com a realidade das famílias e com o momento de pandemia; que respeitasse as limitações impostas; e que potencializasse as vivências naquele contexto. Nosso time se dedicou a analisar e adaptar o material da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) de acordo com os níveis de aprendizagem e a realidade de cada aluno. Tendo como base as dez competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), criamos algumas práticas, sejam relacionadas ao meio ambiente, ou por meio de ações ligadas à cultura e a história.

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Trabalhando os territórios

Todas as ações desenvolvidas desde o início do projeto tinham como pilar a escuta e o olhar para o território. Seja por meio do trabalho que realizamos desde que assumimos a gestão escolar, em 2019, seja pelos formulários de pesquisa e conversas diretas que realizamos com cada família, nossa escola buscou explorar possibilidades.

Quando construímos ações com base na escuta e no respeito ao território, conseguimos fazer com que elas façam sentido para estudantes, suas famílias e toda a comunidade. Assim, esses atores conseguem ver na escola uma fonte de apoio.

Quando a escola se dispôs a ir até o aluno e sua família, nos colocamos disponíveis para viver os desafios da pandemia junto com eles e, dessa forma, o vínculo entre escola, família e comunidade se torna tão forte que um momento favorável ao distanciamento se transforma em uma oportunidade para o fortalecimento do grupo.

Quando se fala em educação, é fundamental pensar de forma colaborativa. Nenhuma grande transformação foi empreendida a partir do esforço de um único indivíduo, principalmente no chão da escola. O aprendizado por si só não acontece de forma isolada, mas em constante diálogo e, dessa maneira, a escola é a materialização da construção coletiva que a educação nos permite praticar.

No contexto de uma pandemia, a busca por parcerias se tornou ainda mais importante. É nesse sentido que nossa escola buscou estreitar os laços com a comunidade escolar e fortalecer as parcerias com os agentes responsáveis pela garantia da educação.

Fixado em pilastra, desenho de criança que representa a escola e os estudantes. Acima do desenho, texto “Saudades da escola”. Fim da descrição.
Foto: Arquivo pessoal.

A gestão da escola esteve presente no processo de liderar o desenvolvimento das ações e ser o elo entre as famílias, a escola e os professores. O diretor levava o material pessoalmente na casa de cada família, acompanhado de professores voluntários, membros da comunidade e da equipe do transporte escolar cedido pela Secretaria Municipal de Educação. Todo o material que era entregue na residência de cada aluno era fruto de um trabalho coletivo e cuidadoso da equipe docente e gestora da escola.

Instituições de preservação do meio ambiente e o comércio local foram parceiros da escola em diversos momentos. As famílias foram peças fundamentais para que a escola pudesse construir um trabalho alinhado às possibilidades do território, e a comunidade como um todo esteve presente de diversas maneiras nas mais variadas ações desenvolvidas pela escola.

Em relação aos estudantes com deficiências físicas e intelectuais, a falta de internet potencializou a dificuldade de acesso a educação, mesmo estes contando com professores de apoio. Porém, em nossa escola, olhamos para cada aluno como um indivíduo que carece de atendimento único. Assim, produzimos materiais adaptados para cada realidade, grau de deficiência física e/ou intelectual, nível de desenvolvimento cognitivo e condições de apoio remoto para a realização das atividades.

Tomamos como referência o nosso Projeto Político-Pedagógico (PPP). Os formulários de pesquisa eram aplicados mensalmente aos alunos e seus responsáveis. Além disso, buscamos fazer de nossas reuniões pedagógicas um momento para a escuta dos professores, que também foram consultados periodicamente por meio de formulários de pesquisa.

As atividades eram elaboradas levando em consideração as informações que eram colhidas nos formulários, assim como também o material que era devolvido e analisado. Como a equipe gestora visitava cada residência para entrega do material, ela era também que transmitia à equipe docente as angústias, alegrias e um pouco da realidade de cada família.

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Comunidade escolar

Em uma comunidade onde o acesso à internet e às tecnologias é muito limitado, não adotar um ensino remoto mediado pela tecnologia e realizar a entrega do material impresso não foi exatamente uma escolha, mas sim uma necessidade diante do objetivo proposto de garantir que todos pudessem ter o seu direito à educação.

Realizamos diversas ações e as mesmas eram adaptadas para a realidade de cada estudante ou grupo: disponibilizamos diversos materiais, como mudas de árvores, sementes, materiais recicláveis, tecidos, tintas, madeiras, entre outros, que auxiliaram em nossa proposta de oferecer uma experiência de aprendizagem que transcendia o ensino conteudista.

Além da garantia da entrega do material físico, criamos grupos em um aplicativo de mensagem para realizar contato com os alunos e seus responsáveis. Onde esse contato não era possível de se estabelecer por meio do WhatsApp, utilizamos o telefone e, em alguns casos, até a bicicleta para poder alcançar os estudantes e suas famílias.

Não adotamos o aplicativo disponibilizado pela SEE/MG para o ensino remoto devido às dificuldades de acesso da comunidade. Nossas redes sociais (Facebook e Instagram) também foram utilizadas para divulgar o trabalho que estava sendo desenvolvido para toda a comunidade.

Proporcionar uma educação que busca formar o cidadão em sua integralidade é outro ponto de nosso PPP que não podia ser deixado de lado diante dos desafios impostos pela pandemia.

Carteiras escolares estão juntas no centro de sala de aula. Em cima das mesas, alimentos embalados. Educadora os recolhe para montar kits dentro de sacolas transparentes. Atrás dela, no chão, dezenas de kits de alimentos prontos. Fim da descrição.
Fonte: Arquivo pessoal.

Desde que assumimos a direção da escola, o PPP saiu da gaveta e se tornou nosso maior instrumento de trabalho. Inclusive foi a partir da imersão na sua revisão contínua que tivemos noção de quais eram as possibilidades da comunidade para o acesso à educação em tempos de pandemia. Foi o nosso PPP que nos disse que não adiantaria adotar plataformas digitais para o acesso à educação na pandemia, nos alertou que era preciso garantir uma educação que possibilitasse o diálogo com o território e fosse além da oferta de conteúdos curriculares.

A iniciativa da escola de garantir, mesmo em uma pandemia, o acesso à uma educação que dialogava com necessidades, possibilidades e realidades proporcionou uma oportunidade de fortalecer a ideia que o território educa. Para além dos avanços cognitivos, eles aprenderam o verdadeiro sentido da educação: formar cidadãos que conseguem dialogar com a realidade a que estão submetidos.

Enquanto escola, o projeto nos ajudou a manter o vínculo com os educandos, as famílias e a comunidade. A entrega do material na casa de cada aluna e aluno nos aproximou ainda mais do território em que a escola está inserida e, dessa maneira, foi possível compreender de uma maneira mais profunda qual é a realidade de nossos discentes. Vivemos dificuldades, erramos e aprendemos juntos.

Ao pensarmos na oferta da educação durante a pandemia, chegamos à conclusão de que esse momento não poderia ser recortado da história da escola, da comunidade, das crianças e dos professores, do que havia sido construído até então e do que ainda estava por vir.

Pelo contrário, ela deveria ser a base para uma reflexão sobre os motivos que nos levaram a viver esse momento, os desafios que tivemos que enfrentar e a construção das nossas ações no pós-pandemia.

Quando escutamos que é preciso esquecer o que aconteceu na pandemia, nossa escola quer seguir um caminho contrário: queremos lembrar, queremos aprender com tudo o que foi vivido. Todas as ações que desenvolvemos antes da pandemia nos ofereceu suporte para continuar a oferecê-las dentro de um contexto totalmente diferente. E foi nesse contexto que produzimos novos saberes que irão nos ajudar a entender melhor de que maneira podemos aprender nesse momento de reabertura das escolas.


O projeto “Escola fechada, Educação em movimento!” foi um dos dez vencedores do Prêmio Territórios 2021 e do Prêmio Educador Nota 10 2021.

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