A necessidade de fortalecer a cultura inclusiva no Centro Municipal de Educação Infantil (Cmei) Argentina Barros, localizado em Manaus (AM), surgiu após nossa participação no curso Portas abertas para a inclusão, do Instituto Rodrigo Mendes, em 2016. Para cumprir o desafio proposto pela formação, desenvolvemos atividades de movimento inspiradas na cantiga “Dona Aranha”, nas quais crianças com e sem deficiência participaram juntas. Depois dessa iniciativa, que contou com apoio da gestão e mobilizou familiares e demais professores da escola, abrimos os olhos para a importância de considerar as singularidades e potencialidades dos estudantes no planejamento e prática de nossas ações.
As atividades inspiradas na cantiga popular, bem como as ações de sensibilização da comunidade escolar, foram planejadas por Rosalina Araújo (docente regente) e Adilai Cunha (professora de educação física) em conjunto com Carla Ferreira (diretora), Ely Lima (pedagoga) e a equipe do centro. A docente Adilai Cunha participa da Caravana de Educação Física – uma iniciativa da Secretaria Municipal de Educação em que educadores físicos realizam visitas quinzenais ou mensais às unidades de educação infantil da cidade. Como a disciplina não faz parte do currículo dos pequenos, esses profissionais mostram aos professores regulares como trabalhar o movimento em prol do desenvolvimento das crianças.
Formação com a comunidade escolar
Nossa primeira ação foi criar espaços de formação e sensibilização sobre inclusão para docentes e familiares. Com autorização da gestão foi realizado um encontro com os educadores do centro, onde apresentamos nossa proposta. Além disso, realizamos uma conversa sobre o que eles entendiam por educação inclusiva, quais eram suas dificuldades em sala de aula e o que eles buscavam de conhecimento sobre o assunto.
Durante essa reunião, os professores identificaram o preconceito de algumas famílias como uma barreira à inclusão. Quando um de nossos alunos com deficiência mordia ou batia um colega, o que é comum nessa faixa etária, muitos pais questionavam por que eles estavam na mesma sala de aula de seus filhos. Decidimos, então, reunir os responsáveis para um diálogo. Contamos com a ajuda e participação do nosso facilitador Sergio Nogueira, que mostrou o trabalho realizado pelo IRM. Cerca de 25 pais estiveram presentes no encontro e um deles contou como se sente ao ver seu filho sendo excluído por conta da deficiência. Sua fala causou impacto entre os presentes.
Atividades inspiradas na cantiga “Dona aranha”
Em seguida, partirmos para a realização dos exercícios de movimento e ludicidade inspirados na brincadeira da “Dona aranha”. A cantiga foi escolhida como base para as ações do projeto por ser muito querida por todas as crianças. Partindo dela, criamos atividades com o objetivo de desenvolver as habilidades físicas, motoras e emocionais por meio da ludicidade. O desafio era não deixar ninguém de fora.
Primeiro, os estudantes aprenderam a “cantar” a música em Língua Brasileira de Sinais (Libras). Desse modo, além de estimular o contato com outras formas de comunicação, trabalhamos a coordenação motora fina dos pequenos. Inicialmente, Vinícius e Caio, que têm autismo, evitaram participar por sentirem-se incomodados com o volume alto e com a presença de muitas pessoas. Por isso, substituímos o aparelho de som pelo canto à capela, o que diminuiu a agitação dos alunos durante a atividade. Assim, aos poucos, os dois garotos sentiram-se mais à vontade para interagir. Paralelamente, as turmas estudaram a vida dos aracnídeos por meio de exercícios de pintura, desenho, montagem e colagem.
Na sequência, para instigar a imaginação, realizamos um teatro de fantoches. A história contada foi a de uma joaninha sem pintinhas, que por ser diferente das demais, era excluída. No decorrer da narrativa, seus colegas mudam de atitude e passam a valorizá-la por suas diferenças. Ao fim da apresentação, os personagens interagiram com as crianças, fazendo perguntas sobre o que elas acharam da história.
Por fim, os alunos participaram de um circuito psicomotor. Com barbantes e cones de segurança, criamos uma trama de fios, simulando uma teia de aranha. A proposta da atividade era que cada criança encontrasse a melhor maneira para atravessar o emaranhado sem derrubar a estrutura. O objetivo do exercício era trabalhar conceitos como direção e espaço, lateralidade e coordenação motora global. A princípio, achamos que os pequenos enjoariam rapidamente das repetições. Porém, incentivados pela aventura e pela ludicidade da iniciativa, quanto mais eles participavam, mais se interessavam.
Resultados e continuidade
Desde sua chegada à escola, no ano anterior, Caio não participava de atividades coletivas. Após procurarmos amenizar o incômodo que sentia por estar no meio da agitação dos colegas, sua socialização e envolvimento aumentaram consideravelmente. O estudante começou a brincar com os demais alunos na hora do intervalo e, em sala de aula, passou a ter a iniciativa de pedir seu caderno para fazer garatujas, demonstrando autonomia.
Vinícius, que apresentava um comportamento semelhante, levou mais tempo, mas também passou a se envolver mais nas atividades, ficando menos tempo sozinho. Aos poucos, sentimos que as famílias mudaram seu olhar com relação às crianças com deficiência, antes “culpadas” por “tirarem” tempo de cuidado dos demais.
O projeto fortaleceu a visão inclusiva do Cmei Argentina Barros. Essa perspectiva foi incorporada ao nosso PPP, onde prevemos a realização constante de encontros com os pais e de oficinas com os estudantes. Nosso objetivo de sensibilizar os docentes quanto à necessidade de desenvolver práticas pedagógicas que potencializem o desenvolvimento de todos os alunos, sem exceção, vem sendo alcançado por meio do comprometimento e empenho de nossa equipe gestora.
Projeto participante do curso Portas abertas para a inclusão. Esta experiência faz parte da Coletânea de práticas 2016.