A Unidade de Educação Básica Dra. Maria Alice Coutinho era conhecida em São Luís (MA) por sua sala bilíngue, na qual alfabetizava em Língua Brasileira de Sinais (Libras) e em língua portuguesa (na modalidade escrita) boa parte dos estudantes com deficiência auditiva da cidade. Mas, apesar da referência no atendimento a essas crianças, nunca havíamos desenvolvido uma iniciativa que fosse apresentada à comunidade. Esse desafio veio com a participação da escola no curso Portas abertas para a inclusão 2015. Com os conhecimentos adquiridos na formação oferecida pelo Instituto Rodrigo Mendes (IRM), criamos uma companhia de danças, que envolveu meninas e meninos com e sem deficiência em atividades de resgate dos ritmos tradicionais da cultura maranhense.
O vídeo está disponível com recursos de acessibilidade em Libras e audiodescrição.
Localizada no bairro do Turu, a escola oferecia ensino fundamental e educação de jovens e adultos (EJA) para cerca de 1.400 alunos na época do projeto. O atendimento educacional especializado (AEE) e a sala bilíngue eram frequentados por 46 estudantes com diagnósticos de deficiências intelectual, auditiva, física, visual e transtorno do espectro autista (TEA). Ao planejarmos a iniciativa, tínhamos como objetivo diminuir as barreiras para a plena participação desse público nas aulas de educação física. A dança foi escolhida como meio para atingir essa meta por ser uma atividade que estimula corpo e mente, contribuindo para o desenvolvimento das potencialidades de todos.
Envolvimento da comunidade escolar
Antes de partirmos para a prática das danças tradicionais maranhenses com as crianças, realizamos uma série de ações preparatórias. A primeira delas foi agendar encontros com as famílias e os funcionários da unidade, a fim de apresentar nossa proposta e sensibilizá-los sobre a inclusão. Em seguida ocorreu o planejamento do projeto junto aos professores do ensino regular, que venceram a resistência inicial após participarem dessas reuniões. Eles selecionaram os alunos que demonstraram mais interesse em participar e, por fim, formamos um grupo de cerca de 50 meninas e meninos, dos quais metade tinha alguma deficiência (surdez e deficiências intelectual e física eram as especificidades presentes na companhia).
Os materiais e vestimentas foram adquiridos por meio de parcerias com o comércio local. Foto: Pat Albuquerque.Os materiais e vestimentas foram adquiridos por meio de parcerias com o comércio local. Foto: Pat Albuquerque.Para conseguir o vestuário e os materiais necessários para concretizar o projeto foi necessário estabelecer parcerias para o financiamento. Para isso, os próprios estudantes percorreram o comércio local e convenceram um shopping e uma rede de supermercados a patrocinar a iniciativa. Um concurso foi realizado para dar nome ao grupo. E após recebermos sugestões de alunos, familiares, docentes e funcionários, por votação, nasceu a “Companhia de danças no ritmo da inclusão”.
Interdisciplinaridade e flexibilizações
A valorização da cultura popular maranhense aconteceu de modo interdisciplinar. Além da educação física, planejamos atividades nas áreas de arte, história e língua portuguesa, envolvendo também as demais crianças das turmas de 3º e 4º ano. Nessas aulas, elas pesquisaram sobre a história e cultura e os diferentes professores contribuíram com seus conhecimentos sobre os ritmos regionais. Uma visita à Casa do Maranhão, um museu de história do estado, encantou os alunos e os enriqueceu ainda mais com referências sobre danças como o bumba-meu-boi, o cacuriá e o tambor de crioula.
Metade da companhia era composta por estudantes com deficiência auditiva, que aprenderam os ritmos sentindo a vibração sonora dos instrumentos e observando os colegas. Visando melhorar a comunicação entre todas as crianças foi realizada uma pesquisa do nome das danças em Língua Brasileira de Sinais (Libras). Como muitos ritmos não possuem um sinal específico, foi preciso inventá-los, em conjunto. Para isso, todos assistiram a vídeos de performances, observaram os movimentos e criaram os gestos. Nessa etapa do projeto foi fundamental a participação do intérprete de Libras da escola.
Já os alunos com deficiência, que a princípio julgaram não serem capazes de dançar, receberam estímulos para aumentar sua autonomia e aqueles com deficiência física aprenderam a forma mais correta de fazer alongamento.
Apresentação das danças e resultados do projeto
Por fim, a companhia de danças realizou uma apresentação dos ritmos estudados para toda comunidade escolar. Diante de funcionários, professores e familiares, muitos estudantes tiveram receio de não conseguir, mas logo que vestiram o figurino, ganharam confiança. Todos se divertiram juntos.
Ao longo do processo enfrentamos algumas barreiras. Muitos familiares tinham pouco conhecimento sobre as deficiências de seus filhos e não acreditavam que eles seriam capazes. Outros, por questões religiosas, questionaram nossa proposta de estudar o tambor de crioula, dança tombada pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. A gestão escolar equacionou essas situações por meio de conversas particulares com as famílias.
Os impactos positivos da iniciativa não demoraram a serem observados em toda a escola. João Vitor, aluno com paralisia cerebral, transtorno do espectro autista (TEA) e baixa visão, ficou mais ativo e independente nas aulas. Seu envolvimento com o projeto foi tamanho que ele passou a fazer um curso de Libras para poder conversar melhor com seus amigos surdos. Outros estudantes ouvintes também demonstraram esse interesse. Já Larissa, garota com deficiência intelectual, venceu sua timidez e parou de evitar trabalhos em grupo em outras disciplinas.
Para beneficiar outros alunos, com e sem deficiência, a Companhia de danças no ritmo da inclusão da UEB Dra. Maria Alice Coutinho continuará ativa nos próximos anos.
Projeto participante do curso Portas abertas para a inclusão 2015. Esta experiência faz parte da Coletânea de práticas 2015.