Plano de AEE, PEI ou PDI? Entenda a diferença entre eles

Desafios na compreensão e na implementação de planos de AEE nas escolas abriram espaço para outras propostas, não previstas no ordenamento jurídico nacional de educação

Professora apontando para a tela de um computador. Ao seu lado, grupo de estudantes observa atentamente. Uma das alunas está sentada em cadeira de rodas.
O professor do AEE, em diálogo com os demais docentes, deve elaborar o plano de AEE para garantir a identificação e eliminação das barreiras e permitir que os estudantes público-alvo da educação especial possam ter acesso ao mesmo currículo que os demais na sala comum. Crédito: iStock

Plano de AEE, PEI, PDI, PAI e tantos outros termos vêm sendo utilizados para definir os instrumentos que orientam o trabalho realizado com estudantes público-alvo da educação especial. Na legislação brasileira, porém, apenas o plano de atendimento educacional especializado é previsto, não havendo qualquer instrumento jurídico, em termos nacionais, que descreva os demais. 

Enquanto o plano de AEE visa eliminar barreiras para que estudantes com deficiência, com transtorno do espectro do autismo (TEA) e com altas habilidades ou superdotação possam ter acesso ao currículo proposto para a turma, os demais instrumentos têm como objetivo propor um currículo adaptado para essas crianças, adolescentes e adultos. 

Nathalia Meneghine, especialista em educação e professora do AEE em Juiz de Fora (MG), afirma que existe uma incompatibilidade teórica entre esses instrumentos de planejamento. “Na minha análise, enquanto o plano de AEE analisa como eliminar barreiras para inserir o estudante no todo, o PEI, o PDI e outros seguem a lógica de um percurso individualista para esse aluno e, portanto, suprimem da cena educativa algo muito valioso para a aprendizagem, que é o relacional, o fazer com o outro. A escola oferece essa experiência de conciliar o coletivo com a singularidade de cada um. A ideia de uma educação inclusiva é desenvolver laços na diferença”, avalia. 

Mas como esses instrumentos de planejamento surgiram? O que diz a legislação? Quais as diferenças entre eles? Quem é responsável por produzi-los? Entenda a seguir. 

O plano de AEE 

Na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), de 2008, o atendimento educacional especializado (AEE) é apresentado como um serviço essencial para a garantia de “acesso, participação e aprendizagem” dos estudantes público-alvo da educação especial.  

Nessa primeira regulamentação, porém, a política não explicava como o AEE deveria ser operacionalizado. No ano seguinte, a Resolução nº 4/2009 do Conselho Nacional de Educação (CNE) indicou, pela primeira vez no âmbito normativo da educação nacional, as diretrizes para o trabalho do profissional do AEE. 

No artigo 2º, a Resolução diz que “o AEE tem como função complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem”.  

O texto diz também que “consideram-se recursos de acessibilidade na educação aqueles que asseguram condições de acesso ao currículo dos alunos com deficiência ou mobilidade reduzida, promovendo a utilização dos materiais didáticos e pedagógicos, dos espaços, dos mobiliários e equipamentos, dos sistemas de comunicação e informação, dos transportes e dos demais serviços”. 

No artigo 9º, aparece pela primeira vez o plano de AEE, cuja elaboração e a execução “são de competência dos professores que atuam na sala de recursos multifuncionais ou centros de AEE, em articulação com os demais professores do ensino regular, com a participação das famílias e em interface com os demais serviços setoriais da saúde, da assistência social, entre outros necessários ao atendimento”. Em 2015, quando a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), também chamada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, foi sancionada, instituída pela Lei nº 13.146/2015, seu texto absorveu todas essas normativas anteriores. 

LBI – Lei nº 13.146/2015 

Artigo 28 – Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar: 

VII – planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado, de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva. 

“O plano de AEE se encontra legalmente instituído na LBI como um documento fundamental para estabelecer quais são as barreiras enfrentadas pelos estudantes com deficiência e, principalmente, quais serão os mecanismos de eliminação dessas barreiras”, afirma Martinha Dutra, doutora em educação e membro da Rede Ibero-americana para o Desenvolvimento de Sistemas Educacionais Inclusivos e do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República. 

Essas barreiras podem ser, segundo a LBI, arquitetônicas, comunicacionais, linguísticas, atitudinais, urbanísticas e nos transportes. “Essa lei não define ‘dificuldades de aprendizagem’, por exemplo, como uma barreira. Portanto, o plano de AEE não tem a ver com o ensino de um conteúdo curricular diretamente, mas com recursos de acessibilidade pelos quais um estudante terá acesso à informação e, em decorrência, poderá ou não aprender”, pontua o professor José Eduardo Lanuti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Presidente Prudente e pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Afinal, o que é o plano de AEE? 

Diante desse histórico normativo, é possível definir que o plano de AEE é o documento que apresenta o planejamento realizado pelo professor do AEE para garantir que as barreiras identificadas no acesso de determinada criança, adolescente ou adulto à educação sejam derrubadas, permitindo que os estudantes público-alvo da educação especial possam ter acesso ao mesmo currículo que os demais na sala comum.  

Para isso, o primeiro passo é a realização de um estudo de caso. Esse instrumento exige que o professor do AEE dialogue com o estudante, a família, os professores da sala de aula comum, os demais membros da comunidade escolar e, quando necessário, com os profissionais das redes de saúde e da assistência social. O objetivo desse trabalho investigativo é conhecer a fundo a criança, o adolescente ou o adulto, seu percurso escolar e as barreiras que ele enfrenta no cotidiano, inclusive na vida fora da escola. 

Esse estudo de caso irá, então, dar subsídio para que o professor do AEE produza o plano de AEE. “Nele, nós vamos ter os objetivos, a justificativa, a descrição dos recursos que serão implementados para quebrar as barreiras e a descrição das ações a serem realizadas. Por exemplo: se precisarei ensinar esse estudante a usar um aplicativo de acessibilidade, vou registrar um cronograma de quantas vezes por semana terei de encontrá-lo na sala de recursos multifuncionais”, explica Martinha. Vale lembrar que o professor do AEE, quando julgar necessário, deve acompanhar o estudante atendido por ele na sala de aula comum e nos demais espaços da escola, a fim de verificar como está ocorrendo o uso dos recursos de acessibilidade indicados. “A sala de recursos multifuncionais é o principal espaço de trabalho do professor do AEE, mas isso não quer dizer que o AEE se restrinja a esse espaço físico”, afirma Lanuti.  

Se um estudante precisa de uma tecnologia assistiva, como um material tátil com caracteres ampliados para utilizar na sala de aula, por exemplo, isso deve constar no plano de AEE. Se o aluno tem dificuldade de lidar com quebra da rotina, um combinado com os demais estudantes e com os professores da sala de aula comum pode ser uma maneira de eliminar essa barreira sem necessariamente precisar de uma tecnologia específica. Mais uma vez, isso deve constar no plano. “O plano de AEE não se baseia no diagnóstico médico, porque eu posso ter estudantes com o mesmo diagnóstico que não precisam dos mesmos recursos. O plano é personalizado”, afirma Nathalia. 

O plano de AEE é, portanto, uma forma de trazer acessibilidade ao currículo, resume a professora. “Não se faz um currículo para cada um. O que se faz é atender as necessidades específicas de acessibilidade de cada um para que todos possam compartilhar do mesmo currículo. Este é o sentido da escola: a gente se encontrar para estudar o mesmo objeto de conhecimento”, afirma. 

Depois de pronto, o plano de AEE é usualmente compartilhado com as famílias e com os professores da sala de aula comum. Isso porque os recursos de acessibilidade elencados no instrumento devem ser utilizados em outros espaços da vida escolar do estudante, sempre garantindo acessos. Também por isso, é papel do profissional do AEE ser um interlocutor entre os diversos atores da comunidade escolar, sempre reavaliando os recursos utilizados junto às crianças, adolescentes ou adultos e fazendo atualizações constantes no plano. 

“Se nesse plano está elencada a barreira comunicativa e, como recurso, a indicação é utilizar a comunicação alternativa e aumentativa, isso vai para sala de aula comum”, exemplifica Nathalia. “O professor do AEE precisa visitar essa sala e ver se o recurso está funcionando ou não. Deve também checar com a família e receber o estudante na sala de recursos multifuncionais para experimentar e, se for necessário, fazer ajustes no recurso utilizado”, completa. 

Além de garantir a aplicabilidade do plano de AEE na prática, esse diálogo também assegura que cada profissional atue na área que lhe compete: de um lado, o professor do AEE busca identificar e quebrar barreiras de acesso ao currículo; do outro, o docente da sala de aula comum se incumbe de ensinar. “Não cabe ao professor do AEE o reforço escolar ou o ensino dos conteúdos, porque isso é próprio da sala de aula. Quem é responsável pelo desenvolvimento do currículo é o professor regente”, afirma Martinha. 

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+ Saiba como elaborar o plano de AEE 

PEI, PDI e outras nomenclaturas 

No cotidiano das escolas brasileiras, o plano de AEE, institucionalizado pelo Ministério da Educação (MEC), concorre com diversos outros instrumentos que não aparecem no ordenamento jurídico nacional. O mais conhecido deles é o Plano Educacional Individualizado ou Plano de Ensino Individualizado (PEI), mas outras siglas também circulam em diversas redes de ensino, como o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) e o Plano de Atendimento Individualizado (PAI). 

Apesar de apresentarem diferenças pontuais, todas essas siglas se referem a instrumentos equivalentes que, como os próprios nomes indicam, prezam por atendimento individualizado para os estudantes, com foco, na maioria das vezes, em diferenciação no conteúdo do ensino. 

De acordo com a literatura científica, o PEI foi introduzido em sistemas de ensino mundo afora na década de 1970. Até hoje, o instrumento é utilizado oficialmente em países como Espanha, Estados Unidos, França, Itália e Portugal. 

Alguns autores defendem que, inicialmente, não era objetivo do PEI realizar alterações curriculares para estudantes com deficiência. Foi ao longo do tempo que o instrumento passou a ser utilizado para esse fim. 

No Brasil, não há qualquer legislação ou normativa federal publicada que institua a utilização do PEI (ou qualquer outro instrumento equivalente) na educação. Esse fator, porém, não tem sido um impeditivo para que diversas redes de ensino venham instituindo o instrumento ao longo dos últimos anos. 

Olhando apenas para as redes estaduais e do Distrito Federal, ao menos 20 das 27 fazem menções formais a pelo menos um desses instrumentos, de acordo com levantamento realizado pela reportagem. Nas redes municipais, o cenário não é muito diferente, sendo bastante comum encontrar esse tipo de abordagem. 

Nathalia argumenta que essa “importação” de modelos estrangeiros não faz sentido diante da legislação brasileira sobre educação inclusiva, considerada mais avançada que a internacional que, geralmente, não aplica o conceito de inclusão, mas sim o de integração.  

“O modo como a nossa política de educação especial está organizada não existe mundo afora. Eu não conheço outro exemplo de país que tenha um serviço de AEE. Não existe plano de AEE em outros países. Então, para esses outros contextos, o PEI se justifica”, afirma. “Esses modelos importados não têm a ver com a organização do nosso sistema educacional, da nossa legislação e das próprias escolhas sociais e culturais que o Brasil foi fazendo”, completa. 

Apesar disso, a disseminação do PEI tem sido tão forte no Brasil que, desde 2020, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) utiliza o instrumento como um dos possíveis documentos comprobatórios para a declaração dos alunos com deficiência, TEA e altas habilidades ou superdotação no Censo Escolar. 

Até 2019, os documentos comprobatórios listados eram: plano de AEE, avaliação biopsicossocial, avaliação psicopedagógica e laudo médico. A partir de 2020, a avaliação psicopedagógica deixou de ser um dos possíveis documentos, abrindo espaço para o PEI. 

Em nota enviada à reportagem, o Inep afirma que a troca “foi realizada a partir de discussões técnicas com a Comissão Assessora em Educação Especial e Atendimento Especializado em Exames e Avaliações da Educação Básica, instituída no âmbito do Inep”. 

“A equipe técnica entendeu que a indicação do PEI seria mais adequada, visto que ele se configura como um planejamento de ações específicas para um determinado aluno. Esse documento permite individualizar os processos de ensino, pois registra todas as ações necessárias para que o aluno aprenda e se desenvolva”, justifica o órgão. 

Como o PEI é usado no Brasil? 

Como o instrumento não possui normativa nacional própria, é possível encontrar aplicações diversas nas redes de ensino. Segundo Lanuti, “as redes de ensino adotam diferentes termos (PDI, PEI etc.) para desenvolver a mesma prática: ensinar individualmente os estudantes que são considerados incapazes de aprender ‘como os demais’. Como se todos os alunos de uma turma que não são considerados com deficiência aprendessem as mesmas coisas, do mesmo modo, no mesmo tempo”. 

Nas redes estaduais, é possível encontrar diversas abordagens relacionadas ao PEI ou a instrumentos equivalentes. No geral, aparecem termos como “adaptação de atividades” ou “adequação curricular”. 

Diferentemente do plano de AEE, portanto, o PEI não visa eliminar barreiras para que um estudante, enquanto indivíduo, tenha acesso a um currículo coletivo. Ao contrário, esse instrumento busca oferecer um currículo específico, geralmente reduzido em relação ao oferecido aos demais, com atividades simplificadas e menor número de conteúdos. 

“Adaptação curricular é diferente de recursos de acessibilidade”, afirma Deigles Amaro, membro da equipe de Gestão Educacional do Instituto Rodrigo Mendes (IRM). “A escola está padronizada. Quando chega um estudante que não está dentro do padrão, logo se pensa em um conteúdo adaptado para ele. Isso não é um princípio inclusivo. O princípio inclusivo, já como ponto de partida, prevê que não tem aula padrão, não tem estudante padrão; cada um é de um jeito, e a proposta vai chegar para todos de maneiras diversas”, defende. 

Lanuti segue o mesmo raciocínio. “Quando o professor adapta uma atividade, significa que ele preparou a aula considerando um modelo idealizado de estudante e a ajusta para outros. O que pretendemos em uma aula para todos é que, na concepção da aula ou de uma atividade qualquer, todos os estudantes sejam considerados”, afirma o pesquisador. “Para isso, é necessário reinventar o ensino para todos, oferecendo diversas oportunidades para que cada um participe segundo suas capacidades individuais. Se um professor elabora um único tipo de atividade, será grande a chance de muitos alunos realmente não participarem da aula e acabarmos pensando que a saída é adaptar. O problema, no caso, não é de aprendizagem, é de ensino.” 

Outro aspecto que varia de acordo com a rede de ensino é a responsabilidade sobre a produção do PEI, do PDI ou do PAI. Enquanto o plano de AEE é de responsabilidade do professor do AEE embora sua elaboração exija, necessariamente, diálogo com outros profissionais , instrumentos similares ao PEI surgem em propostas variadas: ele é elaborado por professores regentes, ou, em modelos mais livres, a responsabilidade é da escola como um todo. De acordo com Lanuti, em muitas unidades, o PEI é elaborado por estagiários, pessoas ainda em formação um sinal da precarização do ensino. 

Há outro fator variante: há redes que usam apenas um instrumento, enquanto outras misturam seja utilizando plano de AEE e PEI ou PEI e PDI, por exemplo. 

“De todo modo, a existência desse tipo de plano desidrata o plano de AEE”, afirma Nathalia. “Esses instrumentos só são implementados, no geral, quando não está acontecendo o plano de AEE. Se eu tenho um plano de AEE funcional na escola, não faz nenhum sentido precisar de outra ferramenta”, continua. 

Segundo Lanuti, é bastante comum encontrar redes de ensino que utilizam a sigla PEI, mas, na prática, têm o plano de AEE instituído, seguindo todas as diretrizes nacionais. “Eu já fui a escolas que diziam fazer o PEI e, quando cheguei lá, constatei que usavam o roteiro do plano de AEE que a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva sugere. Quer dizer, usavam o instrumento correto, mas chamavam de PEI justamente por essa difusão tão grande do termo, o que gera grande confusão”, relata. O pesquisador afirma também que, ao entrevistar famílias que se diziam defensoras do PEI, em uma pesquisa que realizou no estado de Mato Grosso do Sul, verificou que a maior parte delas não sabia exatamente do que se tratava esse documento. O que elas desejavam era um atendimento voltado justamente à acessibilidade o que a PNEEPEI já defende. 

O PEI do Parecer 50 

A confusão de termos fica mais evidente quando se tem em perspectiva o Parecer nº 50/2023 do CNE, que se tornou material de diversas discussões. O documento, que ainda não foi homologado, seria o primeiro a instituir o PEI oficialmente no arcabouço jurídico nacional da educação. 

O PEI que aparece no parecer, porém, não é exatamente o mesmo aplicado Brasil afora. A primeira grande diferença é que o documento trata especificamente de estudantes com TEA. “Essa segmentação das deficiências é um problema que já foi vivido no Brasil lá na década de 1970”, afirma Lanuti. Para o pesquisador, “quanto mais criamos grupos distintos, separando as pessoas, mais excluímos, isolamos uns dos outros”. 

O Parecer 50 institui a forte presença dos saberes médicos no âmbito escolar, pautado pelo modelo médico, que compreende a deficiência como um fenômeno biológico. Essa concepção, centrada na característica da pessoa e que previa que ela deveria se adaptar à escola, foi superada pela Convenção Internacional sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, de 2006, que é pautada pelo modelo social, no qual a deficiência é compreendida como resultado da “interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. Nesse modelo, é a escola quem precisa se adaptar. Além dos planos individualizados, o parecer traz a presença de atendentes terapêuticos. 

“A parceria entre profissionais da saúde e da educação pode existir, e a política de 2008 prevê essa articulação. No entanto, os papeis desses profissionais não podem ser confundidos. Um psicólogo, por exemplo, ou um terapeuta, não deve ir à escola se responsabilizar por questões pedagógicas, como defende o Parecer 50, assim como um professor não deve ir a uma clínica dizer o que o psicólogo ou terapeuta tem de fazer”, argumenta Lanuti. 

Segundo Martinha, o que existe hoje em relação ao PEI é uma “ameaça permanente de retrocesso”. “Essas estratégias buscam resgatar a educação especial na perspectiva integracionista ou segregacionista, ou seja, ressuscitar estratégias do modelo superado”, afirma. 

Desafios na implementação do plano de AEE 

De acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, instrumentos equivalentes ao PEI começaram a ser difundidos, sobretudo, por conta de uma interrupção no processo de implementação da PNEEPEI. Embora ela seja uma política bastante avançada e robusta, o Brasil ainda não conseguiu colocá-la completamente em prática. Com essa lacuna, abre-se espaço para modelos considerados ultrapassados. 

De acordo com o Painel de Indicadores da Educação Especial, uma iniciativa do Instituto Rodrigo Mendes (IRM) em parceria com o Instituto Unibanco e com apoio do Centro Lemann, o Brasil tem 59.737 professores do AEE, menos da metade do número de escolas com matrículas da educação especial (140.104). 

Além da falta de profissionais, as escolas e redes de ensino enfrentam outros desafios. Um deles é a falta de tempo hábil para o professor realizar as articulações com outros atores, tão essenciais para a aplicação do plano de AEE dentro e fora de sala de aula. 

“Às vezes, as pessoas confundem e acham que o AEE é um atendedor”, afirma Nathalia. “O atendimento na sala de recursos multifuncionais é um dos trabalhos do AEE realizado para experienciar recursos e conhecer os estudantes , mas o fim do trabalho do AEE não é o atendimento. Essa é uma lógica clínica, e o AEE não é um atendimento clínico, é um atendimento educacional”, completa. 

Em alguns casos, o professor do AEE tem carga horária reduzida, tornando-se inviável o encontro com docentes que trabalham em outros turnos. Outro desafio é que, por vezes, o serviço do AEE é deturpado, e todo o tempo do profissional é ocupado com atendimentos na sala de recursos. 

Na prática, Deigles afirma que é comum os professores do AEE e os regentes apenas compartilharem seus documentos plano de AEE e planejamento curricular , sem terem tempo para, de fato, conversarem sobre eles. “É necessário garantir tempo e espaço para que os diferentes atores dialoguem. Esse é um dos maiores desafios da educação inclusiva”, defende a especialista. 

Outra questão é a necessidade de mudança de mentalidade. Para que o plano de AEE funcione, os professores regentes precisam planejar suas aulas tendo em vista a diversidade de estudantes. Para isso, falta formação e tempo de planejamento. 

“Uma aula inclusiva não se faz apenas com um único tipo de atividade para todos. São várias atividades acontecendo sobre um determinado assunto”, afirma Lanuti. Por exemplo: a proposta é que os alunos pesquisem sobre determinado assunto com a orientação do professor. “Eles podem pesquisar a partir do que já conhecem e, depois, responder a perguntas, criar outras, desenhar, fazer esquemas mentais e cartazes, apresentar seminários e escrever a respeito do que estão pensando. É essa diversificação, essa riqueza de possibilidades que faz com que um professor perceba que não é adaptando que se inclui”, ressalta o pesquisador.  

“Pode não ser a tarefa mais simples, mesmo porque estamos submetidos a uma lógica educacional totalmente embrutecedora do pensamento, que preza pela homogeneização. Mas, embora difícil, ensinar para todos não é impossível. Falo como alguém que atuou por mais de uma década como professor de matemática nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, com salas nas quais cheguei a ter 40 alunos”, continua Lanuti. “O nosso papel como educadores e pesquisadores é justamente transformar a realidade escolar para melhor. A escola e, sobretudo, o ensino, precisa mudar para todos. Não dá para acreditar que uma prática inclusiva depende de uma mera adaptação de atividade para determinado estudante. Isso não é suficiente nem inclusivo.” 

 

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