Entenda de que forma o sistema braile pode ser utilizado em sala para incentivar o trabalho colaborativo e conscientizar sobre a deficiência visual
Neste mês, em 08 de abril, é comemorado o Dia Nacional do Sistema Braile, uma das formas de comunicação mais conhecidas mundialmente por possibilitar a leitura e a escrita a pessoas cegas. Enquanto o sistema leva o nome do seu inventor francês, Louis Braille, a data comemorativa remete ao nascimento de José Alvares de Azevedo, primeiro professor cego do Brasil, que trouxe esse sistema da França.
Não apenas uma homenagem ao educador, o dia propõe uma reflexão sobre os desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência visual e a importância da acessibilidade e da eliminação de barreiras para a oferta de oportunidades equitativas no dia a dia dessa população.
A participação plena de pessoas com deficiência visual em sala de aula também precisa ser garantida. O ensino do braile para pessoas com e sem deficiência pode ser utilizado como estratégia pedagógica para praticar o trabalho colaborativo e outras habilidades socioemocionais, além de conscientizar a comunidade escolar acerca da realidade das pessoas com deficiência e de seus direitos.
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Para trazer um panorama real dessa perspectiva, o DIVERSA entrevistou um estudante de ensino superior e uma educadora que participaram de projetos de ensino do braile para videntes e não videntes a fim de saber como as experiências impactaram positivamente os envolvidos. Inspire-se para levar as práticas à sua escola, considerando as especificidades e a realidade de seus estudantes:
Ensino de braile para toda a classe
Em 2019, parte da equipe da Escola Estadual Professora Inah de Mello, em Santo André (SP), participou da formação Ensino Médio Inclusivo, do Instituto Rodrigo Mendes (IRM). Na época, os educadores notaram barreiras à convivência entre os estudantes com deficiência visual e os demais colegas em sala de aula.
Dentre as barreiras identificadas, havia o preconceito em relação à adaptação curricular e aos materiais pedagógicos utilizados pelos alunos com deficiência, uma vez que aquele lhes era um território desconhecido.
Com reflexões sobre pertencimento e diversidade, a escola elaborou uma estratégia pedagógica interdisciplinar para valorizar o sistema de leitura e escrita braile, desmistificando essa forma de comunicação e realizando etapas de conscientização, oficina sobre o funcionamento do código e desenvolvimento de trabalhos expositivos em braile.
Katia Cristina, professora de educação básica que participou do desenvolvimento e da implementação do projeto, afirma que o braile desperta o interesse de todos os estudantes:
“A aula torna-se interessante. Eles querem saber como o colega cego consegue ler e escrever daquela maneira. Além disso, o aluno cego passa o seu conhecimento para os demais, aumentando sua interação e confiança.”
Ainda hoje, Katia se lembra da efetividade das atividades e destaca o que foi aprendido para além do braile:
- Identificar outras formas de comunicação;
- Solucionar problemas diante das dificuldades, inclusive sensoriais;
- Identificar momentos de silenciar quando o professor está explicando e temos alunos cegos na sala de aula;
- Estabelecer novas relações e maneiras de socializar, oferecendo ajuda, por exemplo;
- Compreender a necessidade do outro diante uma deficiência sensorial;
- Expressar apoio ao outro e isso acontece das duas partes;
- Humanizar as relações com compreensão, afeto, solidariedade e amizade.
A educadora declara que, sendo a comunicação uma atividade humana fundamental nas interações sociais, conhecer o braile tem esse papel de humanizar as relações e apoiar situações de ensino:
“Acredito que o ensino vai além das disciplinas como matemática, português ou biologia, sendo, portanto, uma atividade socialmente construída, que humaniza e estabelece relações sociais, ampliando horizontes.”
No vídeo de apresentação do projeto, o estudante cego Marcos Filipe de Carvalho alega: “A gente viu a mudança, viu que o projeto deu certo. Fez com que todo mundo se conscientizasse”.
Braile básico na comunidade escolar
No Rio Grande do Sul, por sua vez, foram os próprios estudantes que criaram e colocaram em prática uma iniciativa inclusiva envolvendo a comunidade escolar no ensino do braile.
Cursando o ensino médio no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) em 2018, os amigos Victor Lucena e Jean Gustavo elaboraram, organizaram e implementaram o projeto de ensino “Braille básico” em dois meses.
As inscrições no curso tiveram adesão de 100% de alunas e alunos da IFRS, para a capacitação no sistema braile e seus recursos pedagógicos, bem como as práticas de orientação e mobilidade, desenvolvidas para proporcionar uma convivência mais harmoniosa e um atendimento qualificado aos estudantes com deficiência visual, garantindo-lhes acessibilidade de locomoção e desenvolvimento de sua formação didático-pedagógica.
No ano seguinte, o projeto foi ampliado para o município e cidades vizinhas, capacitando professoras e estudantes da rede estadual e municipal, profissionais liberais e servidores do campus.
Victor, que atualmente é estudante do ensino superior, afirma que o projeto fez sucesso com pessoas sem deficiência:
“A grande maioria dos participantes era de pessoas videntes. Foi uma iniciativa na qual exploramos vários aspectos da inclusão da pessoa com deficiência visual, então trouxe mais do que só o ensino do braile em si, o que para pessoas que enxergam também pode agregar bastante na experiência de cada uma.”
Para o estudante, a falta de conhecimento sobre as deficiências acaba se tornando uma barreira, e projetos inclusivos diminuem esse impacto.
“Eu, como pessoa com deficiência, vejo no meu cotidiano que muitas pessoas não têm esse conhecimento e percebo que ele é importante e faz falta, principalmente para quem trabalha com o público, atendendo pessoas, para quem dá aula, em todos esses casos. O braile serviu, no caso do nosso curso, como uma porta de entrada para que as pessoas começassem a perceber a realidade que as pessoas com deficiência vivem.”
Estudantes com deficiência visual na escola comum
De acordo com os indicadores educacionais disponibilizados no Painel de Indicadores da Educação Especial do IRM, dos mais de um milhão de estudantes público-alvo da educação especial, mais de 236 mil têm cegueira ou baixa visão. Os dados são do Ministério da Educação (MEC) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e apontam que esse público fica respectivamente em 4º e 6º lugar em matrícula por tipo de deficiência na escola comum.
Em adição ao apoio de profissionais do Atendimento Educacional Especializado (AEE), cursos de formação continuada sobre inclusão escolar são imprescindíveis para educadores e redes que desejam aprimorar seu sistema de ensino para oferecer uma educação de qualidade a todos, independentemente de suas especificidades.
Assim como os demais estudantes, cada criança, jovem e adulto com deficiência visual possui potencialidades e conhecimentos que devem ser considerados, tanto para possibilitar um ambiente escolar inclusivo, quanto para garantir a participação plena e autonomia dessas pessoas em todos os espaços da sociedade. Essa prática é tão importante quanto a eliminação de barreiras arquitetônicas, atitudinais e comunicacionais, como é o caso do braile.
“A importância de se trabalhar com a diversidade na escola existe e é inegável. A gente percebe que muitas pessoas vêm de uma formação em que não tiveram qualquer contato com pessoas com deficiência, e o braile tem essa capacidade de chamar atenção para uma realidade que as pessoas não têm conhecimento a respeito, que é a realidade da pessoa com deficiência visual.”
Victor de Lucena
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