Professoras relatam impactos positivos das aulas remotas

Desafios proporcionados pela pandemia da covid-19 impulsionaram práticas inclusivas e benéficas à atuação de educadores

O fechamento de escolas em decorrência da pandemia da covid-19 apresentou uma série de consequências para a educação brasileira. Para não interromper o processo de aprendizado e o vínculo com os estudantes, as escolas e as unidades educacionais tiveram que inovar.

Apesar dos novos desafios, as transformações na realidade das redes de ensino também impulsionaram inúmeros impactos benéficos à profissão do professor. Além da valorização de seu trabalho e da apreensão de novas ferramentas tecnológicas, educadores elaboraram estratégias para garantir acessibilidade e inclusão de estudantes com deficiência.

Como alfabetizar à distância?

Um exemplo de prática pedagógica acessível nascida dentro do contexto da pandemia vem da Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade, localizada no município de Duque de Caxias (RJ).

A rede de educação municipal não ofereceu plataforma de aulas on-line por vídeo e coube aos educadores disponibilizar os conteúdos das atividades em imagem, via rede social. Por conta disso, a educadora dos anos inicias do ciclo de alfabetização Vilma Soares decidiu elaborar uma estratégia pedagógica para impedir que um estudante com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ficasse para trás.

 

Em sala de aula, educadora Vilma Soares posa para foto ao lado de jogo de trilha de objetos espaciais.
Professora Vilma Soares desenvolveu estratégia pedagógica para impedir que um estudante com (TEA) ficasse para trás durante ensino remoto. (Foto: arquivo pessoal)

Recém-chegado à escola, o aluno do terceiro ano do ensino fundamental tinha dificuldades de aprendizagem e ainda não estava alfabetizado. Assim, Vilma desenvolveu, em parceria com a professora de Atendimento Educacional Especializado (AEE), um material pedagógico acessível para proporcionar o acesso às atividades.

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Caixa Multissensorial: promovendo a alfabetização na pandemia

A Caixa multissensorial, nome que ela deu ao material, foi elaborada com materiais domésticos, como materiais recicláveis, canetinhas e tubos de cola. A professora percorreu em torno de 70 km para entregar pessoalmente o material aos familiares do aluno.

A intenção de Vilma era desenvolver a motricidade e iniciar o processo de alfabetização. As atividades são reutilizáveis e focam no pareamento de letras, números, composição de nome próprio, além de estimular a percepção visual.

 

O recurso tem possibilitado o desenvolvimento do estudante, e Vilma tem a intenção de continuar utilizando o material quando as aulas presenciais retornarem, com a participação de todos os estudantes.

“O aluno adquiriu novas habilidades que ele não possuía e readquiriu habilidades que tinha perdido pelo período de afastamento das aulas presenciais.”

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Para Vilma, o ensino remoto está sendo importante para aflorar o engajamento das famílias e proporcionar aos educadores conhecer melhor cada um de seus alunos:

Eu não imagino fazer esse projeto sem a participação da família. Conhecer o contexto social do aluno, que até então eu não conhecia, foi algo fundamental neste período.

Acesso às atividades remotas a estudantes com deficiência auditiva

Outro projeto impulsionado pela realidade das aulas remotas veio da rede estadual de São Paulo. A professora de AEE Gislaine Alvez Kamer Bento se deparou com o seguinte desafio: como possibilitar acesso à educação a estudantes com deficiência auditiva e que utilizam somente a Língua Brasileira de Sinais (Libras) durante a suspensão das aulas presenciais?

Ao identificar que os estudantes da Escola Estadual Professor Cid Boucault, localizada em Mogi das Cruzes (SP), possuíam dificuldade de participar das aulas remotas e ter acesso às atividades, a educadora decidiu criar um canal no Youtube com conteúdos em Libras.

 

Em sala de aula e em frente à lousa, nove estudantes posam para fotos ao lado de educadores. Na lousa está escrito om giz "Turma 2018". Fim da descrição.
Gislaine com seus estudantes em sala de aula antes do ensino remoto. (Foto: arquivo pessoal)

A proposta era utilizar a plataforma para proporcionar acesso às explicações das aulas para os estudantes. Tudo foi feito em diálogo com outros educadores e com a coordenação pedagógica da escola.

Libras no Youtube

A educadora empregou alguns recursos presentes em sua casa, como mesa, TV e computador. Além disso, também iniciou um curso de teatro para aprender a se expressar melhor em suas interpretações em Libras.

 

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De acordo com a educadora, o desenvolvimento do projeto facilitou a rotina de estudos dos estudantes. Muitos alunos não possuem aparelho móvel e só realizam as atividades no período noturno, quando um familiar com celular chega em casa.

Com o vídeo gravado, eles podem ver e rever o conteúdo a hora em que quiserem. Isso também proporcionou o acompanhamento das aulas por parte de alguns familiares e muitos estão aprendendo Libras com as aulas da educadora.

Para Gislaine, o início de apreensão de novas ferramentas e tecnologias foi difícil, mas as formações disponibilizadas pela escola a auxiliaram.

“Tivemos que nos reinventar para que nossos alunos continuassem com interesse e acesso aos conteúdos. Está sendo um período de crescimento: estou realizando cursos e me aprimorando na Língua de sinais por meio dos meus vídeos”.

Novas tecnologias e formação continuada

A apreensão de novas tecnologias e o investimento em formação continuada não é um caso específico de Gislaine. Uma pesquisa do Instituto Península realizada durante a pandemia aponta que os professores estão dedicando mais tempo aos estudos.

O levantamento Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do coronavírus no Brasil já ouviu cerca de 10 mil educadores de todo o país e destaca também que os profissionais estão mais receptivos a novas ferramentas tecnológicas em suas aulas.

Lia Glaz, gerente de projetos do Instituto Península, explica que houve um aumento do uso da tecnologia no processo de ensino-aprendizagem no ensino remoto:

Algo que antes era rejeitado, agora é parte do cotidiano. Hoje os professores reconhecem a importância da tecnologia como um legado da pandemia.

Valorização dos professores

Outro ponto destacado pelo estudo, que procurou entender os desdobramentos deste novo cenário para os educadores do Brasil, é o respeito e a valorização da atuação do professor no distanciamento social.

Os educadores sentem que estão tendo o seu trabalho mais valorizado durante a quarentena, principalmente pelos familiares dos estudantes. Essa é uma percepção compartilhada também por Vilma e Gislaine.

Educação se faz com vivências e encontro

Contudo, além da importância da tecnologia e da valorização dos docentes como legados, o período de reinvenção da prática docente trouxe outros fatores importantes, que serão levados também para o retorno das aulas presenciais.

Para Vilma, o ensino remoto mostrou que não se faz educação sem vivências e sem a escola, em seu espaço físico e concreto:

A quarentena veio para aflorar o valor da afetividade do encontro com o outro, de como a gente aprende com o outro e com o contato.

“Somos professores melhores depois da pandemia”

Tendo em vista o contexto de mudanças impostas pela quarentena, Juliana Rohsner, vencedora do Prêmio Educador Nota 10 de 2019, explica que pela primeira vez houve oportunidade de enxergar a escola de fora para dentro.

 

Em laboratório multimídia, a gestora Juliana se senta em volta de uma mesa com diversos alunos. Fim da descrição.
Juliana foi umas das dez vencedoras do Prêmio Educador Nota 10 de 2019 (Foto: Edson Chagas. Fonte: Nova Escola)

Diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Jones José do Nascimento, localizada no município de Serra (ES), ela entende que cada estudante foi visto em sua individualidade e especificidade. As atividades, assim, foram pensadas com objetivo e metodologia centrados no estudante e em sua singularidade.

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Para a educadora, os desafios colocados pelo fechamento das escolas proporcionaram um período de transformações nos próprios educadores, contribuindo para o desenvolvimento da prática docente.

Isso ninguém tira da gente: somos professores melhores depois da pandemia, somos pessoas mais inclusivas, conseguimos neste processo enxergar as diversidades dos estudantes e de todos os atores educacionais.


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