Psicomotricidade como recurso para a educação na deficiência visual

A psicomotricidade é valiosa para a educação em uma perspectiva global, atualmente existe a ênfase dos benefícios dessa ciência para a educação infantil, fase em que as crianças estão aprendendo a ter domínio do seu corpo através dos movimentos, da coordenação motora grossa, fina, tonicidade, equilíbrio etc.

Possuindo uma perspectiva voltada para o entrelace do motor, cognitivo e afetivo, a psicomotricidade se torna importante em uma atuação com indivíduos de qualquer idade e para diversos objetivos, e é essencial no caso de educação inclusiva.

No livro “Guia de Psicomotricidade – Elos psicomotores que promovem vínculos afetivos entre as pessoas”, publicado pela Wak Editora, há uma discussão detalhada do prisma da psicomotricidade diante da deficiência visual.

O desafio da educação para todos requer adaptação técnica e estrutural do profissional ou instituição atuante, com manejo assertivo diante do processo de ensino e aprendizagem, uma vez que, na educação inclusiva, os diversos canais de acesso ao cérebro, como os sistemas tátil, auditivo, gustativo, visual, vestibular e proprioceptivo, necessitam continuar sendo desenvolvidas com tamanha importância ao longo da vida acadêmica, pois há uma necessidade de desenvolver bem todos os sentidos por meio do estímulo desses canais sensoriais.

A “pedagogia do corpo” (Alves, 2016) é fundamental para o desenvolvimento do indivíduo com deficiência visual. O educador pode propor práticas que utilizem o movimento e a adaptação do espaço escolar, garantindo acessibilidade e segurança ao estudante. Esse processo deve se dar de forma acolhedora, com profissionais e ambiente escolar adaptados, além de um trabalho de compreensão e respeito à diversidade.

Movimento no ambiente escolar

O equilíbrio é a base para o movimento e o equilíbrio postural permite a segurança necessária para direcionar a atenção à determinados objetivos. Ele pode ser trabalhado com atividades que proponham estímulos em solo estável e, posteriormente, em solo instável, em segurança e com a ajuda do professor, visando a tríade psicomotora no corpo.

Quando trabalhada, a consciência corporal permite que a pessoa organize e planeje um movimento sem necessariamente utilizar a visão. Por esse motivo, há o estímulo de movimentos amplos, específicos e refinados, com o conhecimento das partes do corpo.

A aquisição da lateralidade acarreta a percepção corporal e do mundo ao redor, com o entendimento de que tem dois lados, direta e esquerda. Essa assimilação é norteadora para o desenvolvimento global e para o meio escolar.

Além dos fatores psicomotores citados, é importante estimular e desenvolver a todo momento as percepções auditiva, tátil e olfativa. A percepção auditiva identifica diferentes pessoas, transportes, animais, percebe distâncias e o tamanho de um local, dentre outros; por meio da percepção tátil, é possível materializar tudo que existe no mundo, o acesso a miniaturas de estruturas que não for possível ser tocado de forma plena com as mãos é um recurso facilitador; a percepção olfativa contribui para que a criança compreenda o mundo, descobrindo o cheiro que as pessoas e os objetos podem ter.

A utilização de jogos para o desenvolvimento integral

No ambiente escolar, o educador tem a oportunidade de oferecer ao estudante experiências psicomotoras que irão facilitar o conhecimento do seu corpo, apoiar o relacionamento com o meio interno e externo com maior segurança, desencadear autonomia e acompanhar os estímulos apresentados.

Para isso, algumas orientações se destacam para trabalhar o corpo de maneira que integre os outros sentidos:

A brincadeira pode ser um dos pontos principais nesse processo, uma vez que a ludicidade facilita um ambiente descontraído e com menos resistência, bem como a música e a dança, sendo a construção da liberdade o maior objetivo para se sentir à vontade, se arriscar e buscar soluções próprias.

Amaral e Hohy (2018) afirmam que “ao permitir a ação intencional (afetiva), a construção de representações mentais (cognição), a manipulação de objetos e o desempenho de ações sensório-motoras (físico) e as trocas nas interações (social)”, os jogos lúdicos contemplam várias áreas formas de representação da criança ou suas múltiplas inteligências, contribuindo para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil.

Recursos lúdicos

Além do aprendizado formal, os recursos lúdicos devem ser priorizados, como em atividades musicais, que contemplam muitas habilidades úteis para bases matemáticas, noção espacial, temporal, interpretação, compreensão, regularidades e padrões, desenvolvem o afetivo e relacional.

A criança cega que não brinca perde a oportunidade de receber os estímulos do meio em que está inserida e chega à segunda infância sem adquirir esquemas básicos de ação, podendo apresentar atrasos significativos no seu desenvolvimento psicomotor e, consequentemente, em sua autonomia nas atividades de vida diária (AVDs).

Portanto, estimular essa autonomia também é um fato a ser considerado, pois esses indivíduos necessitam do máximo de autonomia possível para se inserir na sociedade e no cotidiano fora do ambiente escolar.

Conforme o estudante adquire confiança de que pode aprender, participar ativamente de seu processo de ensino-aprendizagem e conquistar seus desejos, o cognitivo se desenvolve em conjunto com o afetivo, atuando no mundo e sendo reforçado à medida que adquire êxito.

O desenvolvimento da personalidade de cada estudante, com ou sem deficiência, se dá graças a uma progressiva tomada de consciência de seu ser, de suas possibilidades de agir e transformar o mundo à sua volta (BORGES, L., 2017). Portanto, a educação inclusiva tem o objetivo de estimular todas as crianças a se tornarem cidadãs, capazes de protagonizar sua própria história.


Referências

AMARAL, A. (ORG), OHY, J. (org). Jogos cognitivos: um olhar multidisciplinar. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2018

ALVES. A infância e a Psicomotricidade: A pedagogia do corpo e do movimento. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2016


Caroline Lago é psicóloga, psicopedagoga e especialista em Psicomotricidade. Atua na área clínica direcionada para todas as idades, incluindo atendimento de crianças com questões emocionais, transtornos do neurodesenvolvimento e deficiências.

Cristiana Crespo é terapeuta ocupacional, psicopedagoga, brinquedista e pós-graduanda em Psicomotricidade. Atua na área clínica e institucional, no atendimento a crianças e adultos com TEA e outros transtornos do neurodesenvolvimento, incluindo Transtorno do Processamento Sensorial, estimulação cognitiva e na reabilitação de idosos com Alzheimer.

Lucas Bragança é professor de Educação Física e especialista em Psicomotricidade. Atua na área clínica direcionada para crianças com transtornos do neurodesenvolvimento e deficiências.


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