O que fazer quando a barreira para a inclusão é atitudinal?

Para formadoras, diálogo e construção de parceria são as opções para quando a professora regente se sente só ou quando a professora do AEE é vista como a única responsável pelos estudantes com deficiência

O estabelecimento de parceria entre as professoras regentes e do atendimento educacional especializado (AEE) é um desafio e ao mesmo tempo elemento fundamental para que ambas as partes, na busca por conhecer seu estudante, identifiquem as barreiras que estejam impossibilitando o pleno desenvolvimento dele em sala comum, assim como para que possam articular e viabilizar a participação da criança, adolescente ou adulto em todos os espaços educativos da unidade escolar, com todos os sujeitos que pertencem à escola. 

A partir da proposta apresentada pela política do AEE (regulamentada em 2008), o primeiro desafio que se apresenta diante de nós, profissionais da educação, é o de considerar o exercício dialógico como necessário. Mas não basta concordar com isso. É preciso ter disponibilidade para dialogar, pesquisar e buscar, coletivamente, modos de promover o ensino e a aprendizagem do estudante com deficiência, mesmo que não tenhamos garantido a possibilidade do encontro em um mesmo período de trabalho, já que, em geral, o estudante está matriculado na sala comum e na sala de recursos em horários distintos. Qual a possibilidade de diálogo considerando que, nesse modelo, há limites em relação aos tempos e espaços que ocupamos e nos quais atuamos como professoras de um mesmo estudante? 

Outro desafio que se apresenta nesse cenário é o de superar a expectativa de que a profissional do AEE seja a única responsável pelo processo de ensino do estudante público-alvo da educação especial.  

Aqui cabe colocar que não se trata de julgamentos, mas sim de considerarmos que, sendo sujeitos históricos, podemos estar reproduzindo a própria experiência humana quando forjaram em nós a ideia de que cada um tem seu lugar no espaço educativo e que, sendo assim, cada um realiza uma parte e não se envolve com o todo. O objetivo é provocar uma reflexão acerca da potencialidade de todos e de cada um no coletivo educativo quando entendemos que, ao nos deparar com o desafio de ensinar de outro jeito, com outros recursos e outras metodologias, todos somos capazes, pois podemos, em parceria dialógica e reflexiva, ampliar nossos saberes sobre os processos de ensino e de aprendizagem.  

Nessa direção, é fundamental que a equipe pedagógica esteja envolvida no processo educativo de todos os estudantes, sejam eles com ou sem deficiência. E no que se refere àqueles com deficiência, entendemos e destacamos a importância de articulação entre as equipes de gestão (a coordenação pedagógica pode ser uma ponte entre as professoras regentes e a da sala de recursos multifuncionais), os agentes de apoio à inclusão educacional e todo o corpo docente, para que juntos possam garantir o desenvolvimento e a aprendizagem do estudante com deficiência a partir de proposições pedagógicas que considerem suas necessidades e potencialidades.    

Na condução dessa reflexão, quando estamos diante de equipes que de fato se percebem e atuam enquanto coletivo, constatam-se maiores possibilidades na qualidade e nos resultados do trabalho desenvolvido junto a todos os estudantes, tanto na sala de aula comum como nas atividades que acontecem nos diferentes espaços da escola. 

A aposta efetiva na aprendizagem 

Aqui podemos apresentar um outro desafio encontrado no cotidiano das nossas relações educativas: o mito de que o estudante com deficiência não aprende. Considerando que essa afirmação pode nos levar a desistir dos processos de investigação pedagógica acerca do mapeamento das necessidades, habilidades e potências dessas crianças, adolescentes e adultos, vale pensar nas reuniões do conselho de classe, quando nos reunimos para analisar os processos educativos. Momento em que culturalmente fomos conduzidos e ainda podemos estar conduzindo nossas reflexões apenas direcionando perguntas acerca do estudante que, segundo os próprios professores, não aprende.  

Mas e quanto aos processos de ensino? Quais perguntas estamos nos permitindo fazer? Quais nossas dúvidas e incertezas quanto às práticas pedagógicas utilizadas? Quanto ao uso de diferentes recursos, estratégias, parcerias e metodologias? Diferentes tempos e espaços para o ensino? Diferentes processos e recursos de avaliação? Estamos anunciando nossas dúvidas e buscando coletivamente partilhar reflexões a partir da atividade de estudos? 

Vale destacar que a crença na incapacidade de aprender do estudante com deficiência pode estar minimizando nossa capacidade de olhar e analisar para além da aparência do que se apresenta a nós. Pode estar imbricada em nós mesmos uma vez que podemos estar sendo tomados pelo fenômeno do esvaziamento da função social de quem ensina, como afirma Marilda Facci, em livro sobre o tema, ao nos perguntar se estamos vivendo tempos de valorização e ou de esvaziamento do papel do professor. 

O caminho para a corresponsabilização 

Voltando para o desafio da construção da relação entre professoras regentes e professoras do AEE, podemos encontrar entraves. Embora possamos anunciar que mesmo tendo se dedicado aos estudos, profissionais da sala comum vêm sendo submetidas a uma formação aligeirada, e essa insuficiência de conhecimento traz como consequência de sua trajetória formativa o sentimento de desobrigação com a aprendizagem dos seus estudantes com deficiência. Afinal de contas, para essa docente, fica a mensagem de que outras professoras se dedicaram a pesquisar sobre as áreas de deficiência e a estas cabe a responsabilidade pelo processo de ensino, como se a matrícula “lá” na sala de recursos bastasse para garantir ao estudante seu direito de ser incluído, com qualidade, na perspectiva da aprendizagem.  

Por outro lado, a professora do AEE pode apresentar exíguo conhecimento tanto do desenvolvimento humano quanto de práticas pedagógicas que possam proporcionar experiências e atividades estimuladoras, que gerem aprendizagem, autonomia e otimizem a remoção de barreiras e convivência plena no ensino regular e na sociedade.  

A atuação isolada, ainda que especializada de ambas as partes, não garante que o estudante seja incluído, uma vez que, para se sentir parte do todo, para ser pertencente ao processo coletivo, essa criança, adolescente ou adulto precisa experienciar atividades educativas junto aos seus colegas de classe e esse exercício para o pertencimento é mediado pela professora que está na sala de aula comum. 

Então, não se trata apenas de eliminar as barreiras arquitetônicas, tecnológicas ou comunicacionais, mas sim nossas barreiras atitudinais, que desconsideram o estudante com deficiência como sendo sujeito de capacidades. As atitudes capacitistas desrespeitam e obstruem os caminhos que precisam ser viabilizados como garantia de direito não só ao acesso, mas à plena participação e à aprendizagem dos estudantes com deficiência na escola.  

Precisamos nos atentar para o fato de que somos sínteses de nossas relações sociais e que, portanto, podemos estar atuando de forma a sermos nossas próprias barreiras nesse percurso acadêmico. Podemos, sem consciência, estar reproduzindo nossa própria experiência humana, que foi forjada pelos processos de exclusão.  

E é justamente por sermos sujeitos históricos que precisamos repensar quem somos e o que pretendemos vir a ser enquanto coletivos. Coletivos estes que podem seguir reproduzindo a história ou que, consciente da própria história, podem transformá-la. 

Nós, professoras, e demais profissionais da escola, assim como as famílias, podemos nos perguntar se estamos considerando que inclusão não se prescreve, mas é um processo construído a muitas mãos. Afinal, sabemos que, no processo inclusivo de pessoas com deficiência, a busca por tratar educativamente as diferenças, valorizando-as, é o reconhecimento da diversidade humana como fator de individualidade pertinente a todos os seres tanto do ponto de vista físico, como cognitivo, sensorial, social e cultural.  

Diálogo e trabalho colaborativo 

Sabemos que a barreira atitudinal ocorre quando, por vezes, a professora regente se recusa a conversar com profissionais do AEE sobre o desenvolvimento desse estudante que ambas acompanham. Ou quando essa docente é impedida de realizar observações em sala de aula, uma vez que, de maneira não consciente, a professora regente não se percebe como importante parceira nesse processo de ensino articulado entre ambas. A falta de colaboração pode impactar todo o processo, pois sem diálogo muitas vezes há a deslegitimação das pistas sobre os modos como a criança, o adolescente ou o adulto aprende. 

Por outro lado, essa mesma professora regente pode se sentir ilhada, afinal, durante a atuação em sala de aula comum, muitas inquietações se manifestavam quando estamos diante da diversidade dos nossos estudantes.  

Nessas ocasiões, podemos nos perguntar: como ensinar a todos, sendo que as diferenças dos tempos e ritmos de aprendizagem saltam aos olhos? Como organizar o ensino para que os estudantes com deficiência ou com dificuldade de aprendizagem e todos os demais possam se apropriar do conhecimento? Como planejar as ações pedagógicas, de forma a incluir todos os estudantes na dinâmica da aula?  

Se essas questões surgem diante da professora regente, por que não buscar por respostas em exercício dialógico? Em planejamento de aula articulado. Partilhado. Experenciado coletivamente. Quando surgirem questões que envolvam um estudante com deficiência matriculado no contraturno na sala recursos em que atua sua colega do AEE, assuma o direito à dúvida frente aos modos de ensino, busque pontes para o efetivo exercício da comunicação entre você, profissional da sala comum, e a profissional do AEE.  

A coordenação pedagógica, no exercício da sua função social, é um caminho possível e necessário a ser acessado para fazer a articulação entre as docentes. Afinal, todos nós, da equipe escolar, temos a responsabilidade compartilhada de garantir o direito de aprendizagem desse nosso estudante com deficiência e sua plena participação junto ao coletivo de colegas para que, juntos, sigam em atividades de estudo e de descoberta.  

De acordo com o dicionário Aurélio (2004), inclusão significa “pertencimento; fazer parte; configurar e pertencer junto ao outro”. E se inclusão significa pertencimento, há muitos desafios a serem primeiramente enfrentados e analisados em nós, professoras e professores de sala comum e do AEE. É somente a partir do exercício de escuta atenciosa e problematizadora que poderemos eliminar as barreiras atitudinais que limitam nossa possibilidade de coletivizar e de nos responsabilizar pelos processos de ensino e aprendizagem. 

Sobre as autoras

Mulher parda, de cabelos cacheados na altura dos ombros. Está com óculos, batom vermelho e blusa de fundo azul e flores coloridas. fim da descrição

Sandra Batistão é mestre em ciências pela Universidade de São Paulo (USP). Tem especialização em formação continuada de professores do atendimento educacional especializado (AEE) e pós-graduação em educação especial, AEE, psicopedagogia e deficiência intelectual. Pedagoga, faz assessoria e formação na área da educação especial na perspectiva inclusiva. Integrante do @ Coletivxs e do Grupo de Estudos e Pesquisas: Educação, Sociedade e Políticas Públicas (Geppesp/USP). 

 

 

Mulher branca, com cabelos loiros na altura dos ombros. Está usando uma blusa preta com gola alta e sem mangas. Fim da descrição

 

Viviane Ferrareto é professora e formadora de professores. Cursou magistério e pedagogia. Fez pós-graduação lato sensu em deficiência mental, inclusão e psicopedagogia e stricto sensu em educação, com mestrado e doutorado no Programa de História, Política e Sociedade da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).  

 

 


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