Tornar a vida das pessoas mais simples. Esse foi o objetivo que inspirou um grupo de arquitetos dos anos 1970 a criar um conceito chamado Desenho universal. Essa abordagem se baseia na visão de que o design dos ambientes e dos produtos pode ser previamente pensado de forma a permitir o uso por parte do maior número possível de pessoas, sem que haja a necessidade de adaptações posteriores.
É interessante frisar que a origem de tal concepção não decorre somente da busca de respostas para demandas sociais de setores que reivindicavam a plena participação de todos. Havia também uma percepção de que adaptações não planejadas voltadas à acessibilidade de prédios ou residências, às vezes chamadas de “puxadinhos”, eram caras, esteticamente feias e reforçavam o rótulo de “incapacidade” das pessoas com deficiência. Por outro lado, ficava evidente que tais ajustes acabavam beneficiando uma ampla gama de pessoas, dos mais variados perfis e idades.
Anos mais tarde, esse movimento influenciou professores provocados pelo desafio de lecionar para turmas cada vez mais heterogêneas e num ambiente pautado por altas expectativas de aprendizagem. Como garantir acesso aos conteúdos curriculares para estudantes que se diferenciavam em termos de habilidades motoras, intelectuais e sensoriais? Como as novas tecnologias poderiam contribuir para o endereçamento desse desafio? Surgia, então, o Desenho universal para aprendizagem (DUA), creditado a um grupo de professores da Universidade de Harvard, liderado por David Rose.
O Desenho universal para a aprendizagem
Resumindo, o DUA se trata de um modelo prático que visa ampliar as oportunidades de desenvolvimento de cada estudante por meio de planejamento pedagógico contínuo, somado ao uso de mídias digitais. Seus autores apoiaram-se em extensivas pesquisas sobre o cérebro humano para estruturar o modelo.
Tais investigações revelavam duas importantes constatações. Em primeiro lugar, a noção de que é fantasiosa a ideia do “estudante regular”. Nossas categorizações são, na verdade, uma grossa simplificação que não reflete a realidade e nos cega diante de uma gigantesca variedade de particularidades observadas em cada aluno.
Em segundo lugar, o fato de que a aprendizagem do ser humano ocorre por meio de um complexo processo, sistematizado por esses estudos a partir de três redes cerebrais: uma rede de reconhecimento, especializada em receber e analisar informações, ideias e conceitos; outra rede, chamada de estratégica, responsável por planejar, executar e monitorar ações e uma terceira rede, denominada afetiva, que desempenha o papel de avaliar padrões, designar significância emocional a eles e estabelecer prioridades.
Influência de Vygotsky e eliminação de barreiras
Curioso notar que as atividades dessas redes estão em consonância com os três pré-requisitos para a aprendizagem descritos pelo psicólogo russo Lev Vygotsky, grande influenciador da educação contemporânea. Esses pressupostos são: o reconhecimento da informação a ser aprendida, a aplicação de estratégias para processar essa informação e o engajamento com a tarefa de aprendizagem.
Considerando que as três redes cerebrais estão simultaneamente envolvidas na aprendizagem, seria uma ilusão querer tratá-las isoladamente. No entanto, elas podem nos ajudar a organizar o planejamento das aulas e sistematizar a prática docente, tendo como premissa a busca pela eliminação das barreiras.
E onde estão essas barreiras? Podem estar em todas as atividades relacionadas ao ensino. Na escolha do material didático, na definição das estratégias pedagógicas, na eventual falta de conexão entre os conteúdos curriculares e o cotidiano dos estudantes, na construção dos instrumentos de avaliação etc.
Os meios tradicionais explorados pelos educadores, por exemplo, estão tão cristalizados no modelo educacional tradicional que raramente paramos para avaliá-los. Será que a fala, a lousa e o livro impresso são acessíveis para todos os estudantes? Nem sempre. Isso fica mais óbvio para pessoas com impedimentos visuais, auditivos e intelectuais. No entanto, vários outros perfis de alunos sentem dificuldade em se relacionar com essas mídias. Mas então qual seria o caminho para uma pedagogia mais flexível?
Flexibilidade e mídias digitais
Com a intenção de contemplar as redes cerebrais citadas anteriormente e propiciar aos estudantes uma ampla variedade de opções, os autores do Desenho universal para a aprendizagem sugerem que os educadores trabalhem com múltiplos métodos de apresentação dos conteúdos curriculares, mediação da aprendizagem e envolvimento dos alunos. Traduzindo em miúdos, eles propõem que os professores diversifiquem: os formatos dos materiais didáticos, as estratégias pedagógicas e as inter-relações entre o conteúdo e a vida real do aluno. Essas recomendações traduzem, respectivamente, os três princípios do DUA.
As mídias digitais desempenham um papel muito significativo para quem pretende trabalhar a partir do Desenho universal para a aprendizagem. Sua flexibilidade abre portas para diversos percursos de aprendizagem, na medida em que viabilizam inúmeras combinações entre texto, fala, imagem e uma ressignificação do erro, que pode passar a ser tratado como parte natural do processo de aprendizagem.
Isso gera uma paleta mais diversificada para a comunicação, capaz de acomodar as especificidades de cada estudante. Os smartphones, os tablets, os notebooks e os livros digitais ilustram esse tipo de tecnologia, capaz de ampliar substancialmente os horizontes de desenvolvimento de cada estudante.
Cabe citar que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), juntamente com um grupo de organizações de vários países, como o Brasil, está investindo esforços para a criação de um protocolo internacional sobre como se produzir livros didáticos acessíveis. Essa iniciativa orientará os editais de compra de livros de muitos ministérios de educação e irá gerar um enorme impacto nas regras que ditam a indústria das editoras desse segmento.
Modelo imperfeito e inclusivo
Resumindo, o Desenho universal para aprendizagem é um exemplo de uma abordagem educacional mais condizente com nossa convicção de que toda pessoa tem o direito de estudar e buscar o seu melhor como ser humano.
Ao mesmo tempo, dialoga com a proposta de ressignificação do papel do professor, enxergando-o como um mediador do processo de aprendizagem. Ou seja, favorece a ruptura do formato tradicional de sala de aula, caracterizado por fileiras de estudantes sentados diante de um professor a quem é delegada a missão de transmitir o conteúdo e, posteriormente, verificar se o mesmo foi absorvido por meio de provas.
Como todo modelo, o Desenho universal para a aprendizagem é imperfeito por definição. No entanto, representa uma interessante ferramenta para que as equipes pedagógicas planejem suas aulas de forma mais criteriosa, almejando o acesso de todos ao conhecimento, e deem conta da crescente diversidade presente nas escolas.
Acredito que esse modelo pode colaborar muito para uma educação mais plural, mais atraente e que torne factível nosso compromisso de não deixar ninguém para trás.
Rodrigo Hübner Mendes é fundador do Instituto Rodrigo Mendes, organização que desenvolve programas de educação inclusiva. É mestre em administração pela Fundação Getúlio Vargas (EAESP), membro do Young Global Leaders (Fórum Econômico Mundial) e Empreendedor Social Ashoka.
Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 24/11/2017.
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