Após anos trabalhando unindo Língua brasileira de Sinais (Libras) e psicologia, direcionei minha atuação para outro campo. Diante das novas demandas do mercado de trabalho, elaborei uma capacitação na língua de sinais para colaboradores de empresas que possuem o surdo como funcionário ou cliente. E um dos públicos com que trabalhei foram professores, funcionários de uma empresa de educação.
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No primeiro encontro, levantei algumas questões: o que desejavam ao aprender Libras? O que esperavam com a língua? Qual comunicação gostariam de estabelecer? Embora o curso tenha sido oferecido pela empresa, os docentes poderiam escolher ou não o fazer. Diante desses questionamentos, eles começaram a compartilhar suas experiências de terem tido estudantes surdos e intérpretes dentro de suas salas de aula.
Dependência dos intérpretes de Libras em sala de aula
Um dos professores disse que se sentia de mãos atadas em relação à comunicação. Ele relatou que certa vez aplicou uma prova de recuperação para um garoto surdo e que, no mesmo dia, o intérprete faltou. Sentindo-se impotente, o docente conta ter conhecido seu aluno verdadeiramente naquele momento. Ele percebeu o quanto era “dependente” do intérprete e que sua relação era basicamente estabelecida apenas com ele, não com o estudante.
Uma professora disse que ao iniciar suas aulas e perceber que o intérprete ainda não estava lá, costumava rezar para que ele chegasse, pois sem ele, ela não poderia comunicar-se com seu aluno. Outra docente relatou ter dúvidas sobre o que o profissional traduzia, porque eram “muitos sinais para pouca fala”. Ela se questionava se de fato seu estudante surdo estava compreendendo o conteúdo de sua aula.
Ao compartilharem as suas experiências, os professores perceberam entre si posturas e sentimentos semelhantes. Dispostos a lidar com as situações que vivenciavam em sala de aula, eles queriam não só se comunicar, mas sobretudo, de criar vínculos com seus alunos. Gostariam de ser capazes de darem orientações e de os acolherem, independentemente do intérprete.
Juntos, concluímos que aprender a língua de sinais os fortaleceria a ocupar seus reais papéis em sala de aula, afinal, o surdo não é estudante do intérprete, mas do docente. O que eu desejava com essa capacitação era, antes de ensinar a Libras, que pudéssemos refletir sobre as experiências de cada docente frente ao estudante surdo, para que o aprendizado não fosse apenas instrumental ou técnico, mas cheio de sentido e significado.
Uma nova ponte de comunicação
Durante o curso, costumo contextualizar toda a história da surdez para que entendam que a Libras é fruto de uma história de lutas e conquistas. É importante conhecer o contexto cultural. Quem é o surdo usuário da língua de sinais? Quem é o surdo oralizado ou implantado?
A Libras é um caminho dentro da área da surdez. Os professores, agora, estão considerando-a como uma ponte. Uma ferramenta para estabelecer não apenas uma comunicação, mas sim, um elo de vínculo com seus alunos. Para além disso, esse aprendizado está promovendo uma prática reflexiva de pensar a surdez em outros contextos. O docente que aprende língua de sinais não precisa utilizá-la apenas dentro de sala de aula. Eles fazem parte de um contexto social muito maior para exercerem sua cidadania.
Com a desmistificação de alguns conceitos que ainda são enraizados no senso comum, esses professores estão compreendendo toda a dinâmica e brilhante capacidade de funcionamento da Libras. Eles estão dando exemplo ao estudarem, investindo tempo, esforço e disciplina para aprenderem e levarem para a sua formação profissional e pessoal um novo jeito de comunicarem-se. Um novo jeito de pensar.
Gabriela Alvarenga Costa é psicóloga, especialista no atendimento à pessoa surda. Realiza capacitação em Língua brasileira de sinais (Libras) para empresas.
Para saber mais sobre barreiras de comunicação e a importância da expressão, convívio e inclusão de pessoas surdas, leia o artigo “O lugar social das pessoas com surdez na escola”.
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