Lecionava na EMEF Elizabeth Coelho Micheletto, em Monteiro Lobato, uma pequena cidade do interior de São Paulo. Minha turma de 3º ano era pequena (15 estudantes), mas muito diversificada pedagogicamente e com relação à faixa etária. Em fevereiro, ao saber que receberia duas crianças com deficiência auditiva em fase inicial de alfabetização, resolvi planejar um projeto de Língua brasileira de sinais (Libras). Assim, desenvolvi uma sequência didática que foi trabalhada com todos, iniciando um processo de educação bilíngue que pudesse garantir uma comunicação eficaz entre toda a classe.
A comunicação é um fator de extrema relevância no processo de aprendizagem. Sem ela, as dificuldades na alfabetização se tornam muito mais complexas. A presença de um intérprete na sala seria inútil, porque as duas crianças, apesar de frequentarem uma escola especializada para pessoas com deficiência auditiva no contraturno, não dominavam o alfabeto manual. Apesar da minha pouca experiência com a língua de sinais (fiz um curso básico e dei aulas durante um ano para turmas regulares), percebi que era possível introduzir noções básicas da Libras. Eu não era especialista em nenhuma das disciplinas que lecionava, mas o tempo e algumas importantes experiências pedagógicas me tornaram experiente em apresentar caminhos, impulsionar voos e semear ideias.
A importância da comunicação efetiva
No bilinguismo, existe a presença da Libras e da língua portuguesa como vias de expressão verbal e não-verbal. Alguns surdos conseguem desenvolver a oralidade, dependendo do resíduo auditivo, do uso precoce de bons aparelhos e da estimulação para a fala. Mas ainda assim, a língua de sinais é extremamente importante, garantindo a comunicação entre aqueles que não conseguem falar ou ouvir. Se pessoas sem nenhuma deficiência auditiva aprenderem Libras estarão dando oportunidade de estudo, de trabalho e de relação social para os surdos, pois será possível conversar nos bancos, mercados, eventos públicos, lojas etc. A ausência de acessibilidade comunicacional alimenta a segregação.
A criança não aceita se expressar o tempo inteiro por meio da interferência constante de um adulto e nessa idade está na escola não apenas para aprender conteúdos, mas para se desenvolver a partir da socialização com as outras pessoas. Garantir a comunicação entre todos é garantir o desenvolvimento emocional, psicológico e também social. Alguns surdos desenvolvem dialetos específicos com a família ou com a comunidade na qual estão inseridos, mas isso também restringe as pessoas com as quais podem interagir. O ideal é utilizar uma linguagem universal, como a Libras, que amplie suas possibilidades. Nesse projeto, fui mediadora de um processo de encantamento pelas linguagens e pela necessidade comum do ser humano de se socializar e se sentir parte do grupo.
Atividades bilíngues
No começo foram muitos os desafios. O primeiro e mais difícil foi convencer as pessoas da importância social da educação bilíngue para todos os estudantes e da relevância pedagógica para as crianças com deficiência auditiva. A coordenação e a direção apoiaram. O atendimento educacional especializado (AEE) promoveu atividades de Libras durante os atendimentos individuais das crianças com deficiência auditiva e também atividades lúdicas que os desenvolveram para a aprendizagem da língua portuguesa. Com relação às atividades na sala de aula regular, elaborei as atividades e jogos junto com a professora auxiliar, buscando imagens na internet para fazer a associação com a escrita, plastifiquei alfabetos manuais móveis e usei material de apoio como os dicionários para planejar as aulas com eficiência.
Outro grande desafio foi me tornar apta a ensinar Libras, uma vez que não sou uma especialista pós-graduada no assunto. Contudo, não foi difícil buscar orientações profissionais por meio de recursos pessoais e didáticos. Abusei do lúdico, da interatividade, da criatividade e dos aspectos visuais. Meus maiores trunfos? Estudo e planejamento. Eu também ganhei asas e sei que não há limites para o professor que acata a sua missão de abrir caminhos para todos.
A educação é sem dúvida uma prática misteriosa, onde muitas vezes planejamos uma trajetória e em meio a ela vemos nossos caminhos se bifurcando frente às diversas necessidades de aprendizagem de cada criança. E por mais que nos autonomeemos condutores, são elas que nos mostram verdadeiramente como devemos ir e aonde precisamos chegar.
Projeto participante do Prêmio Educador Nota 10 de 2012.