No início de 2018, nós – uma equipe de educadores da Secretaria de Educação do município de Caieiras (SP) – levamos o caso de Sophia para ser discutido no DIVERSA Presencial, uma formação em serviço oferecida pelo Instituto Rodrigo Mendes (IRM). O projeto tem como objetivo articular a teoria da educação inclusiva com a realidade de escolas de diferentes cidades a partir da discussão de situações reais.
Sophia estava matriculada no último ano da educação infantil da escola Vereador Luiz Gonzaga Dártora e aos seis anos tinha quatro laudos médicos sendo investigados. Em sala de aula, ela chorava muito, apresentava dificuldades em oralizar e se comunicava, na maior parte do tempo, apontando para os objetos. Como no ano seguinte a estudante entraria no ensino fundamental, uma transição importante no que diz respeito aos métodos de ensino, nos preocupávamos com o fato dela não permanecer interessada nas aulas.
Mudança de perspectiva
Com o início da formação, percebemos que estávamos, sem querer, reforçando as dificuldades que a aluna apresentava ao invés de procurar perceber suas potencialidades e capacidades. Isso ficou claro em nossa primeira apresentação, quando nos preocupamos em mostrar tudo aquilo que, para nós, impossibilitava o aprendizado da menina. Mas quando mudamos nosso olhar, percebemos que, na verdade, ela tinha as mesmas dificuldades e habilidades que as demais crianças.
A partir da nossa mudança de perspectiva, nossas ações começaram a fazer efeito. Olhando diretamente para Sophia e para o entorno, percebemos que havia outras pessoas envolvidas em sua educação e que não a conheciam tão bem. Os funcionários da escola, por exemplo, tratavam-na de um jeito diferente, mimando, porque, afinal, ela era “especial”. Com isso, ela acabava comendo quando queria, conseguia liberação para sair de sala de aula quando quisesse, não colocava a própria comida no prato, como as demais crianças faziam, porque “precisava” que alguém fizesse por ela…
Reunimos todos os funcionários da escola para uma conversa sobre a estudante. Falamos da importância de agir sabendo que a garota era capaz de fazer tudo o que as outras crianças faziam e que ela também deveria ser igualmente cobrada. Nosso intuito era aproximar os funcionários de nossa percepção de educação inclusiva, que só pode funcionar se existir a colaboração de todos.
Eles compreenderam que Sophia não era diferente dos demais e que era só mais uma aluna com suas especificidades. A partir desse encontro, começamos a desenvolver ações que contribuíram, de fato, para sua autonomia e independência. Era nossa postura anterior que acabava prejudicando sua permanência.
Ações de autonomia
Desde então, o repertório de palavras da aluna aumentou e ela aprendeu outras formas de comunicação. Passamos, também, a incentivá-la a:
• Tomar decisões (conseguir, sem chorar, demonstrar e participar das ações solicitadas);
• Posicionar-se sobre o que quer ou não fazer (fazer escolhas), facilitando assim a participação nas atividades;
• Socializar-se com o grupo, aceitando melhor o toque das outras crianças;
• Demonstrar maior interesse nas atividades com nome próprio, relacionando o rabisco à sua identidade, evoluindo de Sosô (como era chamada) para Sophia.
Com esse intenso trabalho, a aluna conquistou muitos avanços no sentido de saber escolher sua alimentação, de identificar suas necessidades fisiológicas e de socializar nos momentos de arte e brincadeira. Além disso, percebemos que a aluna passou a se concentrar mais, principalmente nos momentos de rodas de histórias e conversa.
A equipe escolar agora compreende bem melhor a importância de todos nesse processo. Hoje podemos falar que enxergamos não só a Sophia, mas todas as crianças que estão em nossas mãos.
Este relato de experiência é fruto da participação dos autores na edição 2018 do DIVERSA Presencial – formação para profissionais envolvidos com o processo de escolarização de estudantes público-alvo da educação especial em escolas comuns. Por meio de parcerias com secretarias municipais de educação, o projeto tem como objetivo contribuir com a ampliação de conhecimentos sobre a educação inclusiva a partir de situações reais e desafiadoras escolhidas pelos participantes.
3 Comentários
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toda escola no processo inclusivo!
Todos são importantes.
Lindo trabalho! Muito motivador.