No próximo dia 25 de junho, o Plano nacional de educação (PNE) celebrará seu terceiro ano de existência. Sob o ponto de vista do atendimento de estudantes com deficiência nas escolas comuns, dispomos de motivos suficientes para celebrar esse aniversário?
Em 2014, quando da promulgação do PNE, as estatísticas sobre as matrículas dos estudantes com deficiência na educação básica traduziam duas importantes conquistas. Em primeiro lugar, o número total dessas matrículas apresentava um crescimento de 56% ao longo de um período de dez anos. Traduzindo em miúdos, demos um significativo salto de 566.753, em 2004, para 886.815 em 2014. Em segundo lugar, o percentual de matrículas em ambientes inclusivos atingia a expressiva marca de 78%, contrapondo um contexto oposto, ou seja, de predominância das matrículas em ambientes segregados ao longo da história. O gráfico 1 ilustra tais conquistas e explicita o ano de 2008 como momento de uma grande “virada”, quando o atendimento em espaços inclusivos passa a superar o modelo da segregação.
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Essas duas relevantes conquistas, no entanto, conviviam com um importante desafio. O número de matrículas do público-alvo da educação especial, mesmo em constante crescimento, não passava de 1,78% do total de matrículas da educação básica. Embora não seja possível precisar quantas crianças e adolescentes desse segmento temos hoje no Brasil e, principalmente, quantas ainda estão fora da escola, estima-se que 15% da população tenha alguma deficiência, de acordo com o Relatório mundial sobre a deficiência da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2011). Ou seja, mesmo que haja variações dessa estatística por faixa etária, tudo indica que uma parcela considerável das crianças e adolescentes com deficiência estava fora da escola.
A educação inclusiva no Plano nacional de educação (PNE)
De acordo com a meta 4 do PNE, o Brasil deve universalizar o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado (AEE), preferencialmente na rede regular de ensino, a crianças e adolescentes de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades até 2024. Passados três anos da aprovação do plano, podemos afirmar que avançamos?
Os dados do Censo Escolar de 2015 e 2016 revelam que as conquistas citadas anteriormente foram preservadas, ou seja, não houve retrocessos. O total de matrículas desse público específico aumentou cerca de 4% por ano (de 886.815, em 2014, para 971.372 em 2016). Da mesma forma, o percentual de matrículas em ambientes inclusivos continuou crescendo (de 698.768, em 2014, para 796.486 em 2016).
Por fim, embora ainda muito baixa, a representatividade das pessoas com deficiência em relação ao total de estudantes na educação básica também progrediu, saindo de 1,78%, em 2014, para 1,99% em 2016.
Tais dados demonstram que houve tímidos avanços, ainda muito distantes do patamar traçado pela meta 4.
Um levantamento produzido pelo Todos Pela Educação para o Observatório do PNE, com base no Censo Escolar 2016 e divulgado neste ano, também aponta um afunilamento das matrículas desse público em relação ao total de alunos desde o primeiro ciclo do ensino fundamental até o ensino médio. Nos anos inicias do fundamental, esse percentual é de 3%, enquanto nos anos finais da etapa a proporção cai para 2%, e no ensino médio chega a apenas 0,9%.
Consequentemente, nos deparamos com uma grande probabilidade de o Brasil não atingir a meta 4 do Plano nacional de educação, a menos que haja uma grande mobilização do governo em todas suas esferas e da sociedade civil em geral.
Caminhos para a meta 4
Um primeiro passo para solucionar a questão acima seria o investimento em instrumentos que viabilizem um monitoramento preciso da meta. Como citado anteriormente, carecemos hoje de dados e ferramentas que permitam análises e comparações. Além disso, seria imprescindível que o Ministério da Educação (MEC) divulgasse de forma clara e transparente as ações que estão sendo desenvolvidas para acelerar a matrícula desses estudantes. A criação de novos mecanismos de busca ativa que não estejam vinculados estritamente ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) pode ser um exemplo.
Em que pese o acerto na utilização desse mecanismo, vide artigo “Educação, trabalho e inclusão: a importância das políticas públicas intersetoriais”, é necessário inovar para buscar quem está fora da escola. Dentro desse espírito, é importante que o MEC reorganize suas ações e programas e apresente um plano para a área com dados relativos às pessoas com deficiência ocupando um lugar de destaque, conforme defendido no artigo “A educação inclusiva no Plano nacional de educação (PNE)”.
Em relação às estratégias, a situação é ainda mais preocupante, visto que a maioria versa de forma genérica sobre o tema, impossibilitando acompanhamentos objetivos, quantitativos e parciais da evolução. Dois significativos exemplos de estratégias muito abrangentes são: a 4.11, sobre promover o desenvolvimento de pesquisas interdisciplinares para subsidiar a formulação de políticas públicas intersetoriais que atendam as especificidades educacionais de estudantes público-alvo da educação especial; e a 4.19, promover parcerias com instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com o poder público, a fim de favorecer a participação das famílias e da sociedade na construção do sistema educacional inclusivo. Como ocorre em outras metas do Plano nacional de educação, julga-se essencial um instrumento complementar que defina aspectos mais tangíveis de cada estratégia e estabeleça dados quantificáveis e prazos intermediários, de forma a favorecer a gestão do processo de implementação do plano, assim como o controle social.
A única estratégia da meta 4 que possui prazo é a 4.14, que trata da criação de indicadores de qualidade e da política de avaliação das instituições (públicas e privadas) que prestam atendimento educacional, que no presente artigo interpreta-se como a oferta do atendimento educacional especializado aos estudantes público-alvo da educação especial. Infelizmente, este prazo terminou em 2016 e não foi cumprido. O descumprimento não se trata apenas de uma questão de falta de vontade política, mas principalmente de um sintoma para um problema maior, qual seja, como já foi dito, a falta de dados fidedignos e de avaliação dos serviços prestados a esse segmento.
Por fim, é indispensável pontuar a necessidade da articulação entre as diferentes metas do Plano nacional de educação que possuem estratégias relacionadas. A estratégia 2 da meta 4, por exemplo, trata da universalização do atendimento escolar à demanda de famílias de crianças de 0 a 3 anos público-alvo da educação especial, o que precisa estar contemplado no cumprimento da meta 1, que pede pela ampliação da oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o final da vigência do PNE. Isso significa dizer que 100% das crianças com deficiência de 0 a 3 anos citadas na meta 4 precisam estar amparadas nestes 50% mínimos preconizados na meta 1 para a população em geral.
Não há dúvida de que o aniversário do Plano nacional de educação merece ser celebrado. Trata-se de uma emblemática conquista, construída a partir de uma democrática discussão orientada pela necessidade de alcançarmos novos patamares na universalização e na qualidade da educação brasileira. Essa constatação, no entanto, não deve conviver com nossa eventual acomodação. Pelo contrário. São muitos os desafios para garantir o direito inquestionável, inalienável e fundamental das pessoas com deficiência à educação e o PNE tem papel importante nesta luta. Precisamos estar atentos para que as estratégias definidas pelo plano tenham indicadores mais precisos e quantificáveis, passíveis de um monitoramento contínuo. A celebração maior virá somente quando todas as metas forem cumpridas e o direito à educação de qualidade assegurado para todos e cada um.
Lailla Micas é jornalista pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e está há nove anos no terceiro setor, atuando em gestão de projetos de educação. Faz parte da área de consultoria do Instituto Rodrigo Mendes.
Luiz Henrique de Paula Conceição é mestre e graduado em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Atua como pesquisador e coordenador do programa de formação em educação inclusiva no Instituto Rodrigo Mendes.
Rodrigo Hübner Mendes é fundador do Instituto Rodrigo Mendes, organização que desenvolve programas de educação inclusiva. É mestre em administração pela Fundação Getúlio Vargas (EAESP), membro do Young Global Leaders (Fórum Econômico Mundial) e Empreendedor Social Ashoka.
Artigo originalmente publicado no blog “De olho na Educação” do Estadão em 07/06/2017.
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2 Comentários
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O artigo está muito bem elaborado. Ele toca em questões fundamentais no atual momento do Plano Nacional de Educação e que, de alguma forma, se traduzem como objetivo principal da CONAE 2018 – o monitoramento do cumprimento das metas até 2024. Como a questão da educação especial na perspectiva inclusiva é transversal ao sistema nacional de educação, o entrelaçamento com as demais metas é fundamental, como foi citado exemplarmente em relação à meta 1. Desta forma, entendo que agora é o momento de fazermos gestões junto aos órgãos responsáveis pela apresentação de indicadores e resultados, não só de acesso como também da qualidade dos serviços de atendimento educacional especializado que estão sendo executados enquanto política pública há aproximadamente 10 anos, quando da elaboração da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, após o estabelecido na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Parabéns pela iniciativa e conteúdo!
Muito bom!