Mãe de criança com TEA ressalta importância das redes de apoio
Para Waldilaine Melo, avanço na trajetória escolar do filho é fruto da parceria com a escola, do suporte de familiares e amigos e das trocas com outras mães e pais
Construir uma boa relação com a equipe da escola dos nossos filhos é um dos caminhos para nos sentirmos seguros ao deixá-los nesse espaço. Acredito que, quando conseguimos realizar uma boa troca, aprendemos e ensinamos muitas coisas. Isso ajuda a conhecer mais a criança e entender seus potenciais. Mas chegar a esse patamar não é fácil e leva tempo.
Na minha experiência como mãe do Dilan, uma criança de seis anos com transtorno do espectro do autismo (TEA), não verbal, vejo a importância da escola na trajetória dele e sei que essa vivência é melhor quando consigo manter uma relação saudável com os profissionais de educação.
A história do meu filho no ambiente escolar começa na creche, ainda aos seis meses de idade, na cidade de Suzano (SP), local onde sempre morei. A difícil tarefa de ter de ficar longe do meu bebê se deu pela necessidade do meu marido e eu trabalharmos. O acolhimento das professoras e da direção foi um alívio ao meu coração de mãe, que sempre fica inseguro distante dele. Fazíamos trocas diárias, pessoalmente ou por recados na agenda, e isso me deixava segura, porque eu conseguia acompanhar tudo: se o Dilan tinha comido, o que tinha comido, se havia brincado e participado de todas as propostas e se interagia com os colegas e com os adultos.
Durante os primeiros seis meses dele na creche, não havia diagnóstico ou suspeita de alguma deficiência. Entretanto, quando o Dilan completou um ano na creche, meu marido e eu já tínhamos alguma desconfiança, pois ele demostrava muita impaciência e nervosismo, não atendia pelo nome e não havia começado a desenvolver a fala. No mesmo período, as professoras, de maneira muito responsável e cuidadosa, conversaram comigo. Elas levantaram a possibilidade de haver alguma deficiência e de ser necessário um acompanhamento médico.
O aprender a seguir em frente
Com a suspeita de todas as partes, fomos em busca de um especialista para que pudéssemos obter respostas o quanto antes. Após algumas investigações médicas, foi confirmado que meu filho tem TEA. Os primeiros sentimentos que tive, e sei que outras mães e pais de filhos com deficiência também tiveram, foram de tristeza, dor e fragilidade. Nos primeiros dias, vivi uma espécie de luto por ter de me desfazer da idealização da maternidade e por medo do futuro.
Essa sensação de perda de controle e a angústia ao pensar nisso é fruto de um senso comum e do nosso histórico de vida. Nos meus mais de 30 anos, nunca tinha convivido com uma pessoa com deficiência, na família ou entre amigos e colegas. Era algo pouco conhecido e distante. E as notícias que chegavam a nós ressaltavam os desafios e as dificuldades vividas por essas pessoas e seus responsáveis.
A maneira que encontramos para enfrentar isso foi ir atrás de informação. E aos poucos fui entendendo que as barreiras estão no mundo, e não no meu filho.
A creche que tinha nos ajudado a identificar a possível deficiência também teve um papel importante nesse processo de compreender nossa nova realidade. Fomos mais uma vez bem-acolhidos e não recebemos olhares e falas negativas. Pelo contrário, a equipe continuou a prestar um bom atendimento e a relação de diálogo permaneceu.
Assim que ficou sabendo da confirmação do diagnóstico, a diretora da creche nos apresentou à psicopedagoga. Realizamos muitas reuniões com ela, o que nos ajudou a entender como apoiar nosso filho. O que nos deu mais segurança em deixá-lo na escola foi saber que as professoras também receberam orientações da psicopedagoga sobre como receber o Dilan. E, claro, a nossa comunicação continuou aberta para sabermos tudo o que acontecia durante o dia.
Redes de apoio em casa e fora dela
Outro fator fundamental para conseguir enfrentar os desafios impostos pela sociedade a uma pessoa com deficiência é contar com outras pessoas. Em nosso círculo familiar, o apoio vem da minha mãe e da minha sogra, que ficam com o Dilan quando, por algum motivo, não podemos levá-lo à creche, como em caso de doença ou de a unidade estar fechada. Quando necessário, elas também o acompanham em outras atividades. Para nós que ficamos o dia todo fora por conta do trabalho, é um alento nas horas de necessidades.
Mas essa rede não se limita à família. Como é natural do ser humano, fomos em busca de outras famílias que têm crianças ou jovens com autismo. Saber que alguém divide os mesmos problemas, medos, angústias e desafios é ter a certeza de que não estamos sozinhos. É também um dos caminhos para encontrar respostas e sugestões de solução, e para conhecer outras perspectivas que ajudem a continuar a lutar.
Entre as redes de apoio, encontramos o União Família Azul Suzano, um grupo composto por mães, pais e familiares de pessoas com TEA na região em que moramos. O objetivo do grupo é compartilhar informações, dicas e orientações a respeito de direitos das pessoas com deficiência, além de promover atividades de lazer, cultura e esporte.
Foi por meio dessas pessoas que aprendemos mais sobre os direitos do Dilan, principalmente no que diz respeito à educação e saúde. Na educação, por exemplo, foi fundamental saber que ele tem o direito a estudar em qualquer escola. Eu também não imaginava que, caso necessário, ele pode ter uma pessoa ao lado dele para ajudá-lo no cotidiano escolar. Por enquanto, ele precisa de auxílio para alimentação e higiene, então solicitei à gestão o profissional de apoio escolar, com o qual ele conta há algum tempo.
A gratuidade no transporte público e o direito à meia-entrada em eventos culturais e esportivos, como cinema e teatro, foram algumas das outras importantes informações que descobrimos por meio do grupo.
+Leia mais: Ter ou não um profissional de apoio escolar? Avaliação cabe à equipe da escola
A ida para a pré-escola
O medo que sempre rondou a nossa família era a troca da creche para a pré-escola. A saída da zona de conforto para um lugar desconhecido nos atormentava. Nossa busca se concentrou em encontrar o espaço ideal entre as escolas públicas da rede municipal que já recebiam estudantes com autismo.
A pesquisa nos levou a uma escola no centro da cidade, e foi lá que o matriculamos. Ele frequenta a unidade desde o ano passado, em meio período, das 13h às 17h. É o pai que o leva, e eu o busco todos os dias, pois moramos perto. Pela manhã, o Dilan fica com a avó materna para que possamos trabalhar.
O cenário atual é positivo, mas no começo não foi assim. No primeiro ano, por exemplo, o comportamento agitado do Dilan fez com que a professora constantemente nos pedisse para ir buscá-lo antes do horário de saída. Várias vezes cheguei a pensar em ir pegá-lo, para não o deixar desamparado, mas percebi que era a escola que precisava atuar da melhor forma para garantir que ele se sentisse bem naquele espaço. Então recorri à diretora e à coordenadora pedagógica, que prontamente entenderam e confirmaram serem responsáveis pelas crianças durante todo o turno.
A psicopedagoga da escola também participou desse processo, ao orientar os gestores e a professora regente sobre como lidar com algumas das situações do dia a dia. A professora foi aberta ao diálogo e recebeu bem o apoio oferecido pelas gestoras. Depois dessas conversas, não fomos mais chamados.
Quebrando qualquer barreira atitudinal, a equipe escolar demonstrou querer o Dilan como parte do seu público. Apesar dos desafios a serem enfrentados no dia a dia, meu filho claramente tem vontade de estar naquele espaço, de interagir à sua maneira com seus pares e de aprender mais e mais. Pelo bom trabalho desempenhado pela escola, hoje ele é mais sociável e consegue ter mais autonomia para fazer as suas coisas.
A expectativa de uma nova escola
Com mais um ciclo terminando, o receio por uma nova troca de escola volta a permear nossos pensamentos. Em 2025, o Dilan irá para o 1º ano do ensino fundamental, ou seja, ele precisará se ambientar a um novo local, e a equipe da escola precisará de tempo para conhecê-lo. É difícil não ter pensamentos negativos, mas, ao mesmo tempo, nossa experiência até aqui nos mostrou que, com nossa participação e com diálogo e empenho por parte da equipe escolar, as coisas fluem para um resultado positivo.
Estamos mais uma vez avaliando muito a opinião e a experiência concreta de outras famílias de crianças com autismo ou outras deficiências para a escolha da escola. O que temos praticamente definido é que iremos mantê-lo na rede municipal, o que geralmente facilita o acesso aos serviços da educação especial, sem precisar recorrer a instâncias judiciais, como já vi em outros casos.
Já sabemos que, a cada avanço do nosso filho nas etapas escolares, a dificuldade aumentará, tendo em vista que são mais professores lidando com o Dilan e mais estudantes na sala que precisam de atenção, independentemente de terem ou não alguma deficiência. Há também o desafio de conseguir que ele participe de aulas com conteúdos mais complexos. Mas vamos continuar acreditando e lutando para que a educação inclusiva aconteça de fato e que ele participe e aprenda, como toda criança merece e tem direito.
+Leia mais: Trajetória de luta: grupo de mães atua há 21 anos para garantir direito à educação
5 Comentários
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Lindo relato!
A inclusão de autistas na rotina escolar traz diversos benefícios. Dentre eles, a melhora na socialização, o desenvolvimento da autoestima, da autonomia entre outras coisas.
Lendo o texto notamos o quão importante não só para as crianças mas para suas famílias o apoio
Lindo relato! Como é importante as redes de apoio, na educação.
Como é importante o convívio das crianças autistas com outras crianças! Isso faz com que eles desenvolvam sua autoestima e sua autonomia e traz tantos outros benefícios para todo grupo.