Com jogo sobre cadeia alimentar, professoras visam eliminar barreiras à aprendizagem e à participação de estudantes do ensino fundamental
Desde o convite do departamento de educação inclusiva do município de Peruíbe para participarmos de uma formação, sentimos que era a nossa oportunidade de trabalhar uma questão muito importante: a inclusão. Mas, não uma inclusão que atinge apenas as crianças público-alvo da educação especial, e sim, algo que envolve a todos, além de estudantes, também professores, gestores e demais funcionários.
Antes de falar do material pedagógico acessível (MPA), gostaríamos de apresentar nossa escola. Somos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Carmen Cleuser Fraga Pimentel, que nasceu em 2004, no bairro Caraguava, em Peruíbe (SP).
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O bairro tem como principal atividade pontos de coleta de reciclagem, o que nos fez conhecidos como “escola do lixão”. A região é de mangue, causando enchentes no verão, o que, por vezes, impede os estudantes de chegarem à escola.
Atendemos aproximadamente 460 alunos, divididos em 18 salas do 1º ao 5º ano do ensino fundamental. Os educadores são tratados com muito carinho e os moradores os veem como referências.
A construção da unidade escolar atraiu moradores para as proximidades, mas ainda é um lugar que carece de outros serviços essenciais, como saúde e saneamento básico. A população está em situação de vulnerabilidade social. Por isso, é maravilhoso quando surgem oportunidades da nossa escola participar de projetos que visam melhorias na criação de ambientes escolares para todas e todos.
Criação do material
A equipe gestora, em reunião com a professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE), fez um levantamento de um caso desafiador. Nessa história, entra a nossa aluna Kerolyn, juntamente com a professora da sala, Nany.
A estudante demonstra dificuldade de aprendizagem, por exemplo na assimilação dos nomes de algumas cores, letras ou números. Possui também a dificuldade em saber o nome de professores e amigos.
A sala de Kerolyn contava, em 2020, com 34 alunos, que em sua maioria já se conheciam de anos anteriores. Uma das principais características da turma é a parceria e o acolhimento que acontece entre os colegas. Além dela, havia outras crianças que ainda não eram alfabéticas e um adolescente que havia ficado fora da escola.
Assim, definimos o que faríamos: um jogo sobre a cadeia alimentar. Ele facilitaria a abordagem de temas necessários para toda a turma. Pensando nisso, elencamos como prioridades os conceitos de cores, sequência numérica, nomeação e tamanhos. Por meio da situação do jogo, usaríamos um conteúdo de sala para abordar assuntos específicos para o aprendizado, com o envolvimento de todos.
Objetivos do jogo “A teia”
No início, o jogo seria sobre acertos e erros. Porém, sua construção nos trouxe a reflexão: será que um jogo de competição, onde há ganhador e perdedor, seria o melhor para trabalhar diversidade e inclusão? A resposta foi não. Por isso, surgiu a ideia de um jogo em que todos pudessem ser partes igualmente importantes do percurso.
Definimos como objetivos reconhecer as etapas que compõem a cadeia alimentar e identificar diferentes animais e suas funções, bem como seus possíveis lugares nessa cadeia. A estrutura do jogo é feita com duas placas: uma placa retangular em madeira com o desenho do jogo triangular dentro dela; e outra retangular de metal, para lidar com imãs, com as extremidades arredondadas.
Há também quatro caixas, sendo cada uma para uma etapa do jogo, para guardar os animais; e uma para guardar as fichas que as crianças escolhem. Na primeira placa, há casas para guiar o percurso e um dado eletrônico que orienta todo o andamento do jogo. As casas são em MDF, no formato de círculos, e coladas em três tamanhos e texturas diferentes, definindo três etapas: 1 – pequeno (produtores); 2 – médio (consumidores); e 3 – grande (decompositores).
Elas são enumeradas de 1 a 10 na primeira etapa e do 1 ao 12 nas duas etapas seguintes. O dado eletrônico é acionado via botão, para que as crianças sigam o percurso. Ao passar as casas, a dupla de estudantes muda de nível, passando pelos produtores, seguindo para consumidores e, por fim, decompositores. As crianças podem acender as luzes quando concluírem o jogo, por meio de um acionador no canto inferior esquerdo da placa.
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A sequência do jogo se dá na seguinte dinâmica: as duplas deverão sortear um número no dado, andar as casas na quantidade que aparecerem e escolher a curiosidade que esteja na caixa. Nessa caixa, há várias cartas sobre os animais e a cadeia alimentar. As duplas poderão ler para a turma sobre a curiosidade. Depois disso, vão escolher um ser vivo e colocar na segunda placa, formando a teia alimentar aos poucos e a cada jogada. Isso indica se o ser vivo que ela colocou é produtor, consumidor ou decompositor.
O jogo é concluído quando as crianças finalizam a terceira fase, dos decompositores. Nesse momento, a teia coletiva da segunda placa deverá estar repleta de seres vivos. Assim, é possível demonstrar como há flexibilidade nos seres que compõem a cadeia alimentar, podendo em um momento ser consumidor primário e em outro secundário, por exemplo.
Desenho Universal de Aprendizagem
Percebemos a dificuldade que seria aplicar o jogo remotamente, devido a apropriação do conteúdo ter sido feita de forma lenta, além de dificuldades no retorno das atividades. Devido ao período de quarentena, infelizmente não conseguimos realizar toda a construção do material coletivamente, como gostaríamos.
Contudo, conceitos apresentados na formação nos guiaram desde os passos iniciais até a conclusão do projeto. Passamos a refletir sobre o Desenho Universal de Aprendizagem (DUA), que nos permitiu abranger a participação de todos no jogo. Diferenciamos texturas, explicações, cores, formatos e usamos palavras em letra bastão, para facilitar a leitura.
Trabalho colaborativo
Para a construção efetiva desse material, contamos com as habilidades da diretora, da professora de sala comum e da professora de AEE, e acabamos nos envolvendo em todos os processos de forma muito colaborativa e unida. Tivemos uma equipe maravilhosa para trabalho, com muita abertura, escuta e participação ativa na elaboração de todo o nosso jogo.
Nossa família, incluindo companheiros, namorados e até animais de estimação, nos ajudou com seus conhecimentos específicos e definitivamente trouxeram um diferencial para o nosso MPA.
O namorado de nossa diretora Thaís, José, nos apoiou no passo a passo de exploração com a fita LED. Algo que deu muito certo! Também conseguimos apoio de Flávio, namorado da professora Nany, na construção das placas e na pintura. A Mirella, gata da professora Flávia, deitou em cima das cartolinas após construção das placas com as curiosidades…
As famílias dos estudantes foram consultadas para elaborarmos a ideia do jogo, e os alunos auxiliaram na construção dos itens. Aproveitamos nosso espaço de atividades virtual e inserimos a temática para a turma. Alguns estudantes foram convidados a fazer vegetais que serão utilizados no jogo. Eles receberam um material de apoio e puderam usar a criatividade para sua realização.
Estamos animadas para aplicar esse jogo presencialmente e com toda a segurança necessária. Seguimos com a esperança de que tudo melhore o mais breve possível, da melhor forma para todos nós.
Este relato de experiência é fruto da participação das autoras na edição 2020 do Materiais pedagógicos acessíveis – formação em serviço para educadores envolvidos no processo de escolarização de estudantes público-alvo da educação especial em escolas comuns.
A edição de 2020 do projeto foi realizada pelo Instituto Rodrigo Mendes Site externo e o MudaLab Site externo, com a parceria do Credit Suisse Hedging Griffo Site externo e do Instituto Península Site externo, e apoio da AT&T Site externo e Abadhs com objetivo de contribuir na construção de materiais pedagógicos acessíveis que auxiliem o processo de ensino-aprendizagem de estudantes com e sem deficiência.