Desafiado pela dificuldade de aprendizagem dos alunos na matéria, o educador planejou sequência didática inspirada na construção de casas populares
Sou professor de matemática na Escola Municipal Francis Hime, localizada em Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). O ensino da matemática tem destaque no Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola, como consequência de um número significativo de premiações recebidas por nossos estudantes em olimpíadas de matemática nacionais e internacionais.
No entanto, ao longo dos meus 25 anos de magistério, tenho identificado grandes dificuldades no ensino-aprendizagem de geometria. E isso se refere principalmente à capacidade de visualizar, representar ou descrever objetos planos ou espaciais; estimar e comparar distâncias, áreas e volumes, além das técnicas de medição.
Desafiado a corrigir esse problema, planejei uma sequência didática em que o saber matemático dos alunos não se restringisse a procedimentos automáticos de cálculos, sendo dessa forma potencializadora de habilidades que valorizassem o raciocínio lógico.
Sei que cada criança aprende, e aprende do seu jeito. Por isso, o projeto “Geometria e Construção” teve a intenção de propiciar um ambiente de criação para o desenvolvimento de competências necessárias para a boa aprendizagem.
Essa escolha tinha a finalidade de ampliar o horizonte matemático desses alunos, em particular na compreensão das relações entre conceitos e procedimentos da geometria com outras áreas do conhecimento.
Moradia popular
Para desenvolver esse projeto, parti do repertório dos alunos. Notei que eles estavam muito empolgados com a construção de prédios de moradia popular do programa federal “Minha Casa Minha Vida” próximos a escola. A partir daí, apresentei para turmas do 7º ano do ensino fundamental uma planta baixa de um imóvel do programa.
Além de explicar o objetivo desse trabalho, destaquei as informações matemáticas contidas na planta, conceituando: a escala; o cálculo da área de cada cômodo e do imóvel; o significado das marcações de portas e janelas; algumas normas técnicas sobre construções na nossa cidade e sobre a redução de espaços.
Com o entusiasmo e interesse dos estudantes, dividi as turmas em grupos de quatro a seis alunos e propus montarmos um projeto que envolvesse os assuntos a serem trabalhados naquela etapa do planejamento escolar.
A ideia era reproduzirmos os passos de construção de um apartamento da moradia popular, desenvolvendo os conceitos de área e perímetro das principais figuras planas; proporcionalidade; ângulos; unidades de medidas, escalas e elaboração de planilhas.
As atividades desenvolveram: reconhecimento de padrões e regularidades; cálculo de áreas, utilização de escalas e manuseio de instrumentos de medição; identificação do método dedutivo no ensino da geometria etc. Isso para atender as competências e habilidades específicas de matemática, previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), para o planejamento curricular.
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Metodologia
Elaboramos, em conjunto, um cronograma de planejamento e ações a serem desenvolvidas ao longo do projeto. Ao final da execução de cada etapa, fizemos uma análise e reflexão sobre os resultados obtidos, para validá-la ou não, e prosseguir com as outras ações.
As etapas estabelecidas foram:
1) Desenho da planta baixa
A primeira etapa tinha como meta desenhar a planta baixa de uma casa, especificando medidas e posicionamento de cada cômodo, bem como sua área e localização de portas e janelas.
Também estabelecemos a escala utilizada na planta e determinamos a espessura das paredes. Uma das dificuldades observadas, na qual fiz as intervenções, foi o manuseio do material de construção geométrica, como régua e compasso.
Nessa etapa, como caráter exploratório da pesquisa, os estudantes puderam fazer uso de informações contáveis em sites específicos sobre o assunto. E também tiveram a oportunidade de conversar e contar com o auxílio de especialistas como arquitetos, engenheiros e pedreiros.
No que diz respeito à busca de novos conhecimentos, o contato os profissionais residentes no bairro trouxe para os estudantes uma visão sobre a importância da formação acadêmica, dos caminhos a serem trilhados e das dificuldades a serem enfrentadas para alcançá-la.
2) Construção da maquete
Nesta etapa, o objetivo foi construir a maquete da casa, em uma escala reduzida. O recurso da maquete auxilia o estudante a explorar as formas e visões geométricas, além de expandir seus conhecimentos sobre razão, proporção, escala, noção de espaço e a utilização de materiais específicos de medidas.
Também conceituei a noção de escala como uma razão; mostrei o cálculo de área das principais figuras planas, bem como o uso da proporcionalidade na relação entre as medidas reais e as medidas do desenho; e apresentei o programa AutoCAD (muito utilizado por arquitetos, designers e engenheiros), que mostra a casa em uma visão 3D.
3) Planejamento para a colocação de revestimento
Na etapa seguinte, nossa intenção era montar um planejamento para o revestimento de todo o piso da casa. Para isso, estudamos o piso escolhido para cada cômodo, com imagens e valores, o orçamento de um pedreiro e os materiais necessários, como argamassa, espaçadores e rejunte.
Essa etapa colocou os alunos em contato com lojas de materiais de construção da comunidade, possibilitando a ampliação da percepção sobre os custos de um imóvel. Destacou-se também a oportunidade de valorização da profissão do pedreiro, uma vez que os estudantes consultaram um especialista.
Por fim, construímos uma planilha com a quantidade necessária de cada material, com os seus respectivos valores e o custo total da obra.
4) Apresentação dos trabalhos
Na última etapa, apresentamos as maquetes desenvolvidas por cada grupo, bem como vídeos com todas as etapas do projeto e uma parte escrita. Na maquete constavam as medidas e respectivas áreas de cada cômodo e a escala utilizada. O vídeo mostrava imagens da elaboração da planta; confecção da maquete; escolha dos pisos; e a entrevista com um pedreiro.
Na parte escrita, deveria constar a planta baixa da casa; a planilha com todos os custos envolvidos; e uma avaliação individual, apontando as dificuldades e as aprendizagens construídas, além dos conceitos matemáticos observados durante a realização do projeto.
Trabalho colaborativo
O caráter formativo do projeto “Geometria e construção” desenvolve diversos aspectos da formação de um jovem, como a interação de forma cooperativa, o trabalho colaborativo, além da solidariedade e da ética, que são agentes transformadores de uma sociedade.
A organização dos alunos em equipes fortaleceu a busca por soluções consensuais para resolução de situações-problema, decorrentes do projeto. Isso foi um aspecto positivo enaltecido por muitos dos alunos, que passaram a escutar mais as outras pessoas e aprenderam a trabalhar em grupo.
Além do desenvolvimento do espírito de equipe, o projeto procurou respeitar as habilidades individuais de cada um e pontuar a importância de preservar o uso do bem material e do espaço de convívio escolar. Dessa forma, contribuindo para a construção de um mundo sustentável com base em princípios éticos, democráticos e solidários.
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Podemos eliminar barreiras ao aprendizado
Essas iniciativas mostram que é possível motivar estudantes e professores a eliminar grandes dificuldades no processo ensino-aprendizagem, em especial no ensino da geometria, e a dialogar com a vida cotidiana desses alunos.
É possível romper a inércia de ensinar geometria de forma mecânica, ou mesmo sequer ensiná-la. Trazendo, assim, de volta para a sala de aula as ideias dos grandes geômetras gregos em despertar o prazer da descoberta a partir de observações e experimentações, trabalhando de forma consciente, lúdica e motivadora.
Como diria Johannes Kepler, matemático alemão considerado figura-chave da revolução científica do século XVII: “a geometria existe por toda parte. É preciso, porém, olhos para vê-la, inteligência para compreendê-la e alma para admirá-la”.
É preciso rever o processo educativo
Durante o projeto, percebi que para assegurar a aprendizagem é preciso rever cada detalhe do processo educativo: o espaço da sala de aula; a grade curricular; os processos avaliativos; a questão da interdisciplinaridade; e o despertar da inteligência emocional.
Além do mais, ficou clara para mim a importância de um professor disposto a compreender as mudanças já ocorridas e ter a consciência de que habitamos uma sociedade em permanente transformação e podemos aprender a partir das indagações trazidas por nossas crianças.
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O projeto “Geometria e construção” traz significativa contribuição para o professor, pois pode auxiliá-lo no processo ensino-aprendizagem, desvencilhando-o de aulas puramente expositivas, modificando assim sua prática.
Reconhecer a geometria como agente transformador que possibilita, além da construção de conhecimento, uma formação sociocultural e emocional, é gratificante para a profissão de professor e ser humano.
A escola, assim como a matemática, não deve ser espaço de opressão
Pretendo dar continuidade à utilização de atividades como essa, propondo o desenvolvimento de outras sequências e recursos didáticos com a utilização de novos materiais que privilegiem a relação professor-aluno-aprendizagem de forma eficaz.
A escola, assim como a matemática, não deve ser espaço de opressão, de sofrimento, de segregação. Ouvir mais nossos alunos, fazendo com que se sintam acolhidos e valorizados, respeitando suas diferenças e desenvolvendo suas habilidades é fundamental no processo educativo.
É preciso mostrar que toda comunidade escolar é parte de uma sociedade em processo de mudança e adaptação, e que, em conexão com o mundo, exige conhecimentos que dialoguem com experiências de vida, oportunizando transformações.
Luiz Felipe Lins é o Educador do Ano do Prêmio Educador Nota 10 de 2020 Site externo. Seu projeto, “Geometria e Construção”, também foi o mais admirado na votação popular, ganhando o #ESSEPROJETOÉ10!.
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