Localizado na zona oeste de São Paulo (SP), o Centro Municipal de Ensino Supletivo (CIEJA) Aluna Jessica Nunes Herculano não conta com muito espaço. Por estar instalado em uma casa adaptada, o CIEJA tem salas pequenas, o que reduz o número de estudantes por turma. Além disso, não há quadra esportiva nem pátio. Trabalho como professora de educação física na escola desde 2013 e a realização de atividades corporais sempre foi um desafio.
Outra particularidade do CIEJA Butantã, como também é conhecido, é o período de aulas menor, com seis turnos de 2h15min cada. Esse diferencial leva em conta a realidade dos alunos. A ideia é dar àqueles que não podem frequentar a educação de jovens e adultos (EJA) no horário convencional (4h à noite) a possibilidade de estudar durante o dia. Os componentes curriculares são organizados por meio das seguintes etapas, como prevê a legislação: alfabetização, básica, complementar e final. Na unidade, essas etapas recebem os nomes de módulos 1, 2, 3 e 4.
Nos últimos anos, o perfil dos nossos educandos vem se modificando. Um número maior de jovens tem recorrido a essa modalidade de ensino. Em alguns casos, eles procuram especificamente pelos CIEJAs porque estão cumprindo medidas socioeducativas, porque estão em liberdade assistida ou porque são os “alunos-problema” expulsos das escolas regulares.
Assim, para conhecermos melhor nossos estudantes, aplicamos um questionário no início de cada ano letivo. Por meio dele, ficamos sabendo que, em 2015, 55% dos educandos eram mulheres; 48%, oriundos da região nordeste do país; 67%, autodeclarados negros ou pardos; 27%, jovens com idade até 17 anos; 23%, com idade entre 36 e 45 anos e 4% com mais de 60 anos. Também notamos que a unidade atende um grande número de pessoas com deficiência: 10% dos estudantes eram do público-alvo da educação especial. O atendimento educacional especializado (AEE) oferecido a esses alunos ocorre no contraturno das aulas na chamada regionalmente Sala de apoio e acompanhamento à inclusão (SAAI).
Educação física na EJA
Por estarem inseridos na educação de jovens e adultos, nossos estudantes estavam acostumados ao que prevê a legislação: a dispensa de aulas de educação física ou o oferecimento da disciplina no contraturno. Apesar dessa última alternativa, eles alegavam dificuldades em participar por terem que ir direto para o trabalho após as aulas. Contudo, ao mesmo tempo, em uma das assembleias de alunos, a ausência da prática de esportes foi questionada.
Diante disso, consideramos a possibilidade de os estudantes terem garantido o seu direito a aulas de educação física. Para tanto, pensamos em ofertar a disciplina dentro do turno dos alunos do módulo 3. A ideia era estimular jovens, adultos e idosos a exercitarem o corpo, melhorando a gestualidade e propiciando momentos de diversão em grupo. Tudo por meio de aulas de vôlei para idosos oferecidas na rua em frente à escola.
Foi necessária uma reunião com todos os professores para estabelecer o formato das aulas e quando elas iriam acontecer. Depois, fizemos uma conversa com os educandos para saber quais práticas corporais conheciam e quais gostariam de realizar. A partir daí, as aulas passaram a ser feitas uma vez por semana. Junto à professora do AEE, a grade horária foi alterada para evitar que os atendimentos na SAAI coincidissem com o momento das aulas.
Vôlei para idosos e para todos
O vôlei para idosos foi escolhido por ser uma atividade que permite a participação de todos no espaço que tínhamos disponível: a rua. A modalidade contempla as formas de movimentação de alunos com idade avançada, de pessoas com deficiência ou com poucas habilidades. Além disso, atendia aos anseios levantados pelos alunos: praticar uma atividade competitiva, com interação colaborativa em grupo e desafiadora.
Primeiro, a turma assistiu a vídeos para entender a dinâmica e as regras de rodízio e pontuação. Depois, agendei uma partida oficial no Sesc Pinheiros, que serviu de estímulo para o cumprimento das normas e para os estudantes participarem de um torneio específico da modalidade.
Já na rua da escola, improvisamos uma quadra de vôlei com uma rede pendurada em altura baixa e marcações no chão indicando a área e os movimentos do rodízio. A bola foi feita de espuma para facilitar seu manuseio, deixar mais tranquilos aqueles que tinham medo de serem atingidos e evitar danos caso fosse arremessada na direção dos carros.
Nesse tipo de vôlei, em vez de saque, toque e manchete, a bola deve ser segurada com as duas mãos e jogada para um colega de equipe ou lançada por cima da rede. No nosso caso, estabelecemos que os estudantes com deficiência podiam sacar do meio da quadra.
A cada ponto marcado, a equipe realizava o rodízio, seguindo a indicação de setas no chão. Como forma de treinar movimentações feitas durante as partidas, os estudantes também praticavam arremessos de bola em círculo e em dupla. A atividade terminava com um alongamento feito a partir de uma sequência de movimentos que se repetia semanalmente.
Ganhos e continuidade das aulas
Foi admirável perceber a empolgação com o vôlei para idosos entre os estudantes mais jovens. Quando as aulas terminavam, os alunos com deficiência perguntavam se a atividade continuaria depois. Vale destacar a vontade que tinham de participar, de ir atrás da bola, de pedir para receber os passes e de vibrar com os pontos de sua equipe. Eles não apenas reproduziram movimentos, mas entenderam como escolher as pessoas de seus times, mostraram seus desejos e tiveram a oportunidade de expressar seus sentimentos.
A atividade melhorou também a relação com a comunidade do entorno. Uma vizinha da escola passou a nos perguntar se era preciso tirar o seu carro da rua para liberar espaço. O vendedor de pastel da região passou a nos ajudar na montagem da quadra. Alguns pedestres que passavam pela rua durante as aulas paravam um instante para fazer o alongamento conosco.
O vôlei para idosos tornou nossas aulas mais interessantes. Por isso, decidimos que elas deveriam continuar a ser parte do currículo. Queremos oferecer a atividade para mais alunos da instituição, talvez em um espaço mais adequado, como o parque da região. A ideia é garantir que todos tenham a oportunidade de participar de atividades corporais na escola.
Projeto participante do curso Portas abertas para a inclusão. Esta experiência faz parte da Coletânea de práticas 2016.