Ressignificar saberes para valorizar eficiências no processo de alfabetização

A Escola Municipal de Educação Básica Professora Maria Therezinha Besana está localizada no Jardim Petroni, em São Bernardo do Campo (SP). Conta com 26 salas de aula, distribuídas em dois períodos, e atende 740 estudantes de 6 a 11 anos no ensino fundamental I. O atendimento educacional especializado (AEE) é oferecido no contraturno e por meio de ação colaborativa, de forma articulada à nossa proposta política pedagógica.

Gustavo estudava na escola há três anos. Ele havia sido transferido de uma unidade de educação infantil da rede municipal localizada no mesmo bairro. Desde então, o estudante estava matriculado em nossa unidade, frequentando sempre a mesma turma. Seus colegas eram acolhedores e respeitavam as diferenças, postura que colaborou com o trabalho desenvolvido dentro e fora da sala de aula. Havia uma auxiliar de educação que prestava apoio ao aluno.

Identificando barreiras

Quando Gustavo ingressou em nossa escola, tinha dificuldades para se relacionar com colegas, professores e funcionários. O estudante se escondia, se enrolava em um pano e ficava na mesma posição por horas. Passou uma semana no 1º ano no fundo da sala, escondido debaixo de mesas e cadeiras e demorou cerca de seis meses para interagir com algum colega. Além disso, parecia não atribuir sentido ao que falava e escrevia, isto é, sua fala mostra-se diferente de sua intenção de escrita. Tinha hipótese diagnóstica de transtorno do espectro autista (TEA), que era questionada pela família.

Ao longo dos três anos, o garoto continuou a resistir à socialização com o grupo. Em ambientes fora do espaço escolar e de sua rotina – como no cinema, no teatro, na feira de livros, entre outros – ficava longe da turma, preferindo se isolar. De tempos em tempos, desenvolvia uma nova rotina escolar, substituindo a antiga. Por algum tempo, por exemplo, Gustavo dedicou-se a escrever créditos de filmes em inglês, tanto na lousa quanto no caderno ou no alfabeto móvel. Em outros momentos, esculpia em massinha de modelar os personagens do jogo Angry Birds e desenhava em diferentes perspectivas o logo dos estúdios de cinema 20th Century Fox.

O estudante relutava frente ao processo de alfabetização, mas apresentava vasto repertório. Escrevia somente palavras conhecidas e memorizadas e demonstrava muita angústia e inquietude quando era solicitado a escrever termos que não conhecia. Com o passar do tempo, ao longo das tentativas de aproximação, começou a interagir com funcionários da escola e amigos de turma. No 3º ano, passou a ser atendido pela professora do AEE na sala de recursos multifuncionais (SRM).

Mesmo com todo investimento em ações voltadas para alfabetizar Gustavo, só alcançamos êxitos em sua socialização. Apesar de sabermos que estas eram conquistas importantes, quando pensávamos que o garoto já estava conosco há três anos e sequer sabíamos sua hipótese de escrita, éramos tomadas por um sentimento de angústia que nos tornava impotentes diante daquela situação.

Contribuições do DIVERSA presencial

Quando a escola foi chamada para participar do DIVERSA presencial para estudar o caso do estudante a partir da perspectiva da educação inclusiva juntamente com outros quatro municípios, ficamos bastante empolgadas, pois enxergamos no convite uma oportunidade para compartilhar nossas aflições e acolher sugestões. Consideramos muito positivo o fato de que o grupo era formado por membros de diferentes segmentos: a professora de sala, a docente do atendimento educacional especializado (AEE), a coordenadora do ciclo, a diretora da escola e as representantes da Secretaria de Educação. Isso certamente resultaria em discussões amplas e ações compartilhadas.

Com o passar dos encontros, fomos ressignificando nossos saberes e estabilizando nosso estado emocional e psicológico. A ansiedade de não conseguir identificar possibilidades de ação foi baixando. A partir dos apontamentos realizados pelo grupo e do clima de parceria que se estabeleceu entre os diferentes atores envolvidos, identificamos novas estratégias que mudaram nossa percepção sobre Gustavo e os avanços começaram a aparecer no dia a dia. Outras propostas, outras respostas.

Novo processo de alfabetização

Definimos duas estratégias para serem aplicadas com o estudante: introduzir o uso do notebook na sala de aula e contextualizar o processo de alfabetização de acordo com o que fizesse sentido para ele. Foram ações simples, que diminuíram a resistência de Gustavo, pois permitiram que ele escrevesse sem ficar angustiado por não saber alguma palavra. Assim, aquele estudante com memória excelente, predileção pelos Angry Birds e que dizia não saber escrever “patinete”, sentiu-se valorizado em suas eficiências e não em suas deficiências. Nesse processo, a tensão, de ambos os lados, baixou. Descobrimos que a hipótese de escrita de Gustavo era silábica com valor. Não estávamos mais tão angustiadas.

Outras propostas foram surgindo, sempre com o objetivo de estimular a oralidade do estudante partindo de assuntos que tinham sentido para ele. Nesse processo, a equipe gestora passou a garantir momentos de troca e de planejamento entre professoras da sala regular e do AEE durante o horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC), visando com isso a elaboração de atividades que seriam realizadas com Gustavo e sua turma. Percebemos que a reflexão coletiva foi benéfica não apenas para o estudante, mas para todas nós!

Projeto participante do DIVERSA presencial.

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