Relatos iniciais do DIVERSA

Manaciais: conhecer para preservar

Considerando a escola como espaço de educação integral, a construção de relações mais humanas, o respeito às diferenças e a solidariedade devem fazer parte do cotidiano escolar. A atividade de educador é permeada de desafios. Dentre esses está o de trabalhar com a diversidade de estudantes e com as diferenças de ritmos e de aprendizagem. Vivemos em uma constante busca por caminhos para trabalhar com essas diversidades e, como muitos educadores, sinto-me angustiada diante de muitas situações.

Como experiência vou relatar um projeto desenvolvido em 2008, com alunos de 5ª série, envolvendo um aluno de inclusão. As estratégias foram buscadas na experimentação, nas conversas com a coordenação e com a família da criança.

O projeto Mananciais, conhecer para preservar envolveu diferentes etapas e situações de aprendizagens, dentre elas estudos do meio.

Diante das questões ambientais que nos são apresentadas cotidianamente e do fato de que escola não pode ignorar tal realidade, pensou-se num projeto que contemplasse uma leitura e re-leitura do espaço vivido pelos alunos, mais especificamente, o entorno da escola e da represa do Guarapiranga, uma das importantes fontes de abastecimento de água para São Paulo. 

A periferia de São Paulo expandiu-se com o crescimento da cidade. Muitos bairros foram surgindo a partir de loteamentos clandestinos, nas áreas de mananciais, sem qualquer controle e infraestrutura urbana, o que contribuiu para degradação de áreas que deveriam ser protegidas. Com base no pressuposto de que é necessário partir do espaço vivido e apreendido para compreender a construção do espaço geográfico e tendo em vista que nossos alunos, em grande parte, residem em bairros que tiveram essa origem, pensou-se na análise do processo de formação dessa região, buscando uma reflexão crítica sobre esse processo. 

O trabalho desenvolveu-se a partir de leituras de textos, letras de canções, pesquisas, estudos de campo, análise de amostras de água, confecção de mapas, produção de um livro por grupos de alunos e distribuição de sementes de pau-brasil. As pesquisas realizadas pelos alunos foram solicitadas com o objetivo de que eles se aprofundassem no tema e fossem protagonistas da produção de conhecimento. Os dados levantados por eles foram discutidos em sala e, posteriormente, foram feitos registros sistematizados. As atividades foram realizadas individualmente e discutidas em grupo, na sala de aula, para sistematização conclusiva.

No grupo com o qual o projeto foi desenvolvido, havia um estudante com Síndrome do X Frágil que apresentava dificuldades na fala, na coordenação motora e grafia quase incompreensível. Uma das alternativas propostas foi a de que ele escrevesse suas produções textuais e depois as digitasse em casa, visto que ele possuia computador e tem muita facilidade com informática. Também era solicitado que ele lesse seus textos para o professor e/ou para um colega, que as reescrevia. É importante esclarecer que esse aluno consegue produzir textos bem construídos, com começo, meio e fim. Apesar de dificuldades na fala, ele conseguia fazer leituras com certa fluência. Por isso, reservávamos momentos para leitura em voz alta, nos quais todos eram chamados a participar. As crianças auxiliavam os colegas com dificuldades, portanto não tivemos problemas de brincadeiras, mas atitudes de cooperação. Claro que isso foi construído ao longo do tempo.

Para possibilitar a participação do aluno nas atividades em grupo, o monitor era orientado a distribuir as tarefas de acordo com as habilidades de cada um. O grupo sempre acolheu o colega com muito carinho e respeito. Nos estudos do meio, o aluno demonstrou interesse em fotografar, assim foi-lhe designada a tarefa de fotógrafo. Em nenhum momento, deixou de participar das tarefas. O desenvolvimento do projeto possibilitou um protagonismo no processo de aprendizagem dos estudantes, visto que envolveu diversas etapas como produção de textos, mapas, relatórios e imagens e a confecção de um livro.

Outro importante aspecto foi a aproximação com o lugar em que vivem. A visita ao “outro lado” da represa, o qual não conheciam, possibilitou perceber a dimensão da área, bem como sua importância em vários aspectos, em especial como fonte de vida. Os estudos do meio e a produção de mapas os levaram a questionar as diferenças econômicas visíveis na ocupação do espaço.

A aprendizagem dos alunos foi percebida em suas falas, suas produções e o entusiasmo pelo desenvolvimento dos trabalhos. Nem tudo foi perfeito, pois não trabalhamos com seres iguais, mas as dificuldades foram superadas com o trabalho ora em grupo, ora individual. Assim todos caminharam.

MARIA DA CONCEIÇÃO DOS SANTOS, PROFESSORA DE PORTUGUÊS 

Participante do Prêmio Educador Nota 10 da Fundação Victor Civita

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