Fui procurada pela direção do Pré-Medico, um colégio particular localizado no bairro da Lapa em São Paulo (SP), para assessorar o processo de inclusão de seus estudantes com deficiência. Sou fisioterapeuta, pedagoga e mãe. Da paixão pela educação e experiência no trabalho com crianças com deficiência, criei o Inclusão na escola, com objetivo de auxiliar o processo de inclusão. O grupo era composto por três alunos com Síndrome de Down, um com transtorno do espectro autista (TEA) e um com deficiência intelectual. Eles frequentavam turmas do 1º, 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental I. Além dessa etapa, a unidade também oferecia o fundamental II e o ensino médio. Até aquele momento, a escola não havia desenvolvido um trabalho para orientar os professores para olhar e acolher a diversidade e as singularidades de suas crianças e adolescentes.
Os recursos eram limitados, por isso, tive o desafio de auxiliá-los durante dois meses, indo ao colégio somente uma vez por semana. Os casos eram complexos e eu precisava apresentar algo factível e que abrangesse docentes e estudantes. Nesse sentido, o foco do trabalho foi o atendimento aos educadores, pois quando eles aderem à causa, o processo flui e os alunos são acolhidos e estimulados a partir de suas potencialidades.
O desenvolvimento do trabalho
Primeiro, realizei uma entrevista para conhecer os estudantes com deficiência a partir do olhar dos docentes. Foi interessante a constatação de que eles pouco percebiam ou conheciam as habilidades e potencialidades das crianças, mas sabiam com detalhes quais eram suas limitações. A comunicação entre esses alunos, seus educadores e o grupo era limitada. O relacionamento entre eles estava mais para um cuidado assistencialista do que para um relacionamento de troca. Por mais que existisse a boa vontade, essa barreira limitava a evolução de um trabalho de qualidade.
Elaboramos juntos objetivos possíveis de serem alcançados em um curto prazo e traçamos estratégias para alcançá-los. O caso do Daniel*, garoto de seis anos com Síndrome de Down, foi marcante pela quebra de paradigma, evolução, retrocesso e retomada. O estudante não oralizava, fugia da sala constantemente, batia nos colegas e não realizava as atividades propostas. A professora já havia trabalhado com crianças com esse tipo de deficiência, mas estava assustada com aquele comportamento.
Os objetivos estabelecidos para esse caso foram:
• Promover a comunicação do aluno com os colegas e com a docente;
• Introduzir rotinas, onde ele pudesse se organizar e cumprir etapas.
Combinamos que as estratégias seriam revistas semanalmente. Para acolher Daniel plenamente, também concordamos que seria necessário compreender suas necessidades e olhá-lo com empatia. A partir disso, o relacionamento educador/estudante/turma seria construído.
Melhorando a comunicação em sala de aula
Como estratégia para o objetivo de comunicação, a professora pediu para a mãe de Daniel enviar um breve relato sobre o final de semana da família, com fotos das atividades feitas. No início da aula de segunda-feira, a turma fez uma roda de conversa, onde cada um contou brevemente o que havia feito no sábado e no domingo. A experiência foi fantástica. Daniel participou ativamente da narração, mostrou as pessoas envolvidas no passeio, beijava as fotos e mostrava aos colegas. Com isso, a docente e as crianças perceberam que ele se comunicava e entendia muita coisa. Esse foi o início de uma trajetória de sucesso.
O estudante conseguia cumprir os combinados sobre a rotina, pegava os materiais tal qual os outros alunos, adquiriu autonomia na hora do lanche e permanecia mais em sala. A professora estabeleceu uma nova forma de conversar com ele, usando frases curtas e assertivas, com foco nas possibilidades, respeitando suas limitações. As crianças gostaram tanto dessa atividade que ela virou uma rotina prazerosa de início de semana. Esse foi o primeiro benefício que atingiu o grupo todo, o que é um dos objetivos da verdadeira inclusão.
O semestre foi concluído com sucesso! A docente estava mais leve e empoderada. Daniel mostrou muitas habilidades cognitivas e melhora na comunicação.
Contexto familiar e retrocesso
A interação com a família é de fundamental importância no processo de inclusão. E muitas vezes, essa relação pode ser bastante difícil. O conhecimento de uma realidade familiar conturbada pode levar os professores a pensar que seu trabalho ali não surtirá efeito. Não foram poucas as vezes que escutei desabafos sobre tudo que poderia melhorar no ambiente familiar de seus alunos com deficiência e como isso se traduziria em sala de aula.
Apesar da família do estudante ter-se envolvido em um primeiro momento, trabalhar essa relação foi um desafio. Os pais de Daniel passavam por duras questões pessoais e não davam continuidade à tarefa de passar situações do dia a dia para serem trabalhadas em sala de aula.
No segundo semestre, o serviço de assessoria precisou ser interrompido pela escola, mas retomei o trabalho nos meses seguintes de forma voluntária. Ao retornar, deparei-me com um cenário caótico! A criança estava muito agressiva, batia nos colegas e na professora, fugia da sala e pouco se interessava em qualquer atividade. A docente estava muito frustrada e desconfortável com a situação.
Voltar atrás para seguir adiante
Ouvi atentamente as queixas e fatos, acolhendo tudo com empatia e sem julgamento. Observei o estudante em sala e constatei as dificuldades e embates do dia a dia. Elaborei estratégias de ação com a professora, resgatando o que ela já havia realizado anteriormente e retomando as ações implementadas no primeiro semestre. Foi interessante percebê-la se tranquilizando e entendendo que não podemos controlar todos os alunos o tempo todo. Quando necessário, é preciso voltar atrás e retomar o processo novamente.
Foi o que aconteceu com Daniel. Quando a docente retomou o controle da situação e lidou com a própria frustração, ela teve empatia com a criança, que por sua vez começou a ficar mais tempo em sala de aula, a participar de mais atividades e a interagir de forma positiva com os colegas. Houve também uma melhora significativa na sua relação com os demais estudantes.
Outra conquista importante foi a melhora no relacionamento família/professora. Graças às mudanças na postura da educadora, essa relação se tornou mais harmoniosa, e para isso não foi preciso ocorrer à “tão sonhada” mudança no ambiente familiar. Isso trouxe para a docente uma ideia clara da separação de responsabilidades, fazendo com que ela se focasse no que era de fato função sua e da escola.
Empatia para acolher
Muito falamos sobre intervenções com as crianças e pouco sobre as necessidades do professor. Uma formação continuada de qualidade é algo mínimo que todo educador deveria receber, como é previsto na lei. Entretanto, não é o bastante. Na prática, temos salas de aula cada vez mais desafiadoras.
A empatia e o acolhimento são peças-chave para um processo de inclusão bem-sucedido. Essas habilidades dificilmente são aprendidas de forma teórica. Por isso, é de fundamental importância um trabalho de acompanhamento ao docente, que o ajude a ir da teoria à prática. Esse acompanhamento individualizado deve ser transitório, como o pai que segura a mão do filho nos primeiros passos, até que ele consiga andar por si de forma segura e independente. Com isso concluído, ele está pronto para executar o ofício mais nobre dentre as profissões: o de educar e mediar o aprendizado de nossas próximas gerações.
* Nome fictício.