Escola resgata jogos tradicionais para crianças com e sem deficiência brincarem juntas

O projeto de brincadeiras e jogos tradicionais desenvolvido na Escola Municipal Padre Brandão Lima, em Maceió (AL), teve como objetivo sensibilizar a comunidade escolar a respeito do processo de inclusão dos estudantes com deficiência. A iniciativa foi resultado de nossa participação no Portas Abertas 2015, curso de formação em educação física inclusiva do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), que nos permitiu construir uma escola ainda mais inclusiva de forma didática, orientada e sistemática. A escolha por uma ação lúdica se deu pelo entendimento do brincar enquanto prática social que estimula a interação entre as crianças e valoriza as diferenças.

O vídeo está disponível com recursos de acessibilidade em Libras e audiodescrição.

Com quase 400 alunos matriculados na educação infantil e no ensino fundamental I, a escola Padre Brandão Lima foi inaugurada em 2005 após as reivindicações da comunidade do Bom Parto – bairro da capital alagoana com altos índices de criminalidade e problemas de iluminação, limpeza e infraestrutura. Em maio de 2009, um deslizamento de terra destruiu parte da edificação e a unidade foi transferida de local. Parte dos estudantes foi manejada para outras escolas do entorno. Os que permaneceram passaram a contar com transporte da prefeitura para fazer o deslocamento de cerca de 15 minutos.

Antes de realizar as atividades de jogos tradicionais com as crianças, apresentamos o projeto aos demais educadores, coordenadores e auxiliares de sala. A intenção era sensibilizá-los a enxergar as diversas potencialidades dos alunos e incentivá-los a trabalhar a partir delas, ao invés de limitarem-se às dificuldades. Após essa reflexão com a equipe, demos início ao projeto com uma turma mista de 20 estudantes do 1º ao 5º ano. Oito deles tinham alguma deficiência, entre elas, física, intelectual e transtorno do espectro autista (TEA).

 

Seleção das brincadeiras e confecção do material

Na primeira etapa da iniciativa junto às meninas e aos meninos, fizemos um levantamento de quais eram suas brincadeiras favoritas. Como lição de casa, eles perguntaram a seus pais e avós como eles passavam o tempo quando eram pequenos. De volta à escola, juntamos todas as informações coletadas e selecionamos os jogos tradicionais que iríamos desenvolver ao longo do projeto, considerando a viabilidade de concretizá-los na escola. Todas crianças participaram e opinaram na escolha das atividades.

Em seguida, partimos para a construção dos brinquedos. Em oficinas, usamos materiais recicláveis para confeccionar os objetos que seriam utilizados nas semanas seguintes. Latas de leite em pó, jornais, sacos plásticos, TNTs, fita adesiva, barbantes, garrafas plásticas foram alguns dos materiais que deram origem a brinquedos como pé de lata, peteca, cai-cai, bilboquê etc.

 

As brincadeiras e jogos tradicionais

A etapa seguinte compreendeu a prática das brincadeiras e dos jogos tradicionais selecionados. A cada semana, os educadores apresentaram uma atividade diferente para a turma e repetiram as preferidas dos estudantes. Quem aprendia ensinava àqueles que apresentavam mais dificuldades e as próprias crianças iam sugerindo modificações para facilitar a participação de todos.

• Amarelinha/avião: a estrutura da amarelinha (conhecida como “avião” na região) foi feita com marcações de giz no pátio da escola. Cada aluno jogava uma pedrinha e avançava pelas casas, pulando em um ou dois pés, conforme determinava o desenho. Após o percurso, dava meia-volta para retornar à casa inicial, pegando o objeto arremessado no meio do caminho.

• Corda e cobrinha: dois estudantes seguravam as extremidades de uma corda e a giravam em círculos. Um terceiro deveria pulá-la sempre que batesse no chão. Como alguns apresentaram dificuldades, praticamos também outra brincadeira, chamada “cobrinha”. Nessa atividade, as duas crianças nas pontas da corda agachavam e produziam movimentos ondulatórios no objeto rente ao chão. Os demais saltavam.

• Elástico: o objetivo era pular sobre o elástico estendido por dois alunos. Conforme a atividade prosseguia, a altura subia, aumentando o grau de dificuldade.

• Peteca: os estudantes batiam na parte debaixo da peteca com a palma da mão em direção a outro colega, que deveria repetir a ação sem segurar ou deixar o brinquedo cair. Essa troca poderia ser feita de outras formas, não só com a palma da mão. O objeto foi confeccionado com saco plástico, areia, TNT e barbante.

• Cabra-cega: uma das crianças era colocada no centro da roda de olhos vendados. Depois de ser girada pela professora de educação física, ela precisava buscar pelo colega marcado como “procurado”. Os alunos com dificuldade de locomoção contavam com o apoio de um amigo, que deveria somente direcionar, sem poder dizer onde o alvo da brincadeira estava.

• Pega-rabinho: nas primeiras práticas da brincadeira, os estudantes, em equipes, deveriam roubar os “rabinhos” (confeccionados com fitas) que ficavam presos nas calças dos membros do time oponente. Como alguns sentiram dificuldade, as próprias crianças sugeriram o uso das fitas nas mãos.

• Brincadeiras de roda: atividades como “Escravos de Jó”, “Passarás” e “Pai Francisco”, no início, foram consideradas tolas pelos meninos. Mas ao praticá-las, eles puderam ressignificar essa impressão e, ao final, todos participaram e se divertiram juntos. Para estimular a participação de Marcos, aluno com autismo, a letra de Pai Francisco foi alterada pelos colegas com o uso de referências a dinossauros, assunto de seu interesse.

 

Resultados e continuidade

Durante o desenvolvimento do projeto, os estudantes demonstraram muita empolgação e alegria em participar das brincadeiras e dos jogos tradicionais. As atividades aumentaram a iniciativa e a interação das crianças com deficiência, que antes ficavam afastadas do grupo durante as aulas de educação física. A mãe de um desses alunos relatou que seu filho ficou mais solto e que aprender a sentar, respirar e se alongar melhorou sua agitação em sala de aula.

Nossa intenção é estender as atividades para as demais turmas da Escola Municipal Padre Brandão Lima nos próximos anos e também multiplicá-las em outras unidades da região. Afinal, se brincar é um direito de todos, ninguém pode ficar à parte.

 

Projeto participante do curso Portas Abertas para a Inclusão 2015. Esta experiência faz parte da Coletânea de práticas 2015.

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