Embora já esteja bem documentada na literatura a importância da aprendizagem de uma segunda língua na infância, raramente vemos a Língua brasileira de sinais (Libras) sendo utilizada como segunda opção para crianças ouvintes. Paralelamente, há um crescente número de estudos internacionais que revelam as vantagens especiais do aprendizado de línguas de sinais por pessoas sem deficiência auditiva. No Brasil, há carência de pesquisas sobre esse tipo ensino com crianças ouvintes na idade pré-escolar.
Marilyn Daniels é uma pesquisadora americana notável dessa área e, há mais de 15 anos, demonstrou os benefícios dessa aprendizagem. Em um estudo-piloto de 1994, ela revelou que crianças ouvintes que haviam aprendido a Língua de sinais americana (ASL) tinham um entendimento muito maior no vocabulário em comparação àquelas que não tiveram contato com a língua. Isso sugere que o conhecimento da ASL tem efeito positivo na aquisição do Inglês em crianças ouvintes. Outros pesquisadores norte-americanos também concluíram que a língua de sinais ajudou no desenvolvimento da linguagem receptiva e expressiva das crianças sem deficiência auditiva.
No final dos anos 1980, Joseph Garcia iniciou seu trabalho como intérprete e observou que bebês ouvintes de pais surdos comunicavam seus desejos e necessidades bem antes dos filhos ouvintes de pais ouvintes. Sua pesquisa envolveu bebês sem deficiência auditiva de pais ouvintes, na Universidade do Alaska, em 1987. Em sua tese de mestrado, ele demonstrou que bebês expostos aos sinais desde os seis e sete meses de idade iniciavam uma comunicação expressiva por volta do oitavo ou nono mês de vida.
Vale a pena descrever aqui um estudo interessante feito por Capirci, Cattani, Rossini e Volterra, na Itália, no qual compararam um grupo de crianças ouvintes que aprendiam o italiano (língua nativa) com um grupo de crianças ouvintes que aprendiam uma língua estrangeira, o inglês (como segunda língua) e com um terceiro grupo ouvinte que tinha a língua de sinais (também como segunda língua). O estudo durou dois anos. O resultado da avaliação espacial visual foi comparado com o grupo de controle que aprendia o italiano (como língua nativa). Nos testes realizados, após o primeiro ano, não houve diferenças significantes entre os grupos, mas, ao final do segundo ano, o grupo que aprendia Sinais se superou em relação aos outros dois grupos, demonstrando que a língua de sinais foi um fator significante no desenvolvimento cognitivo, melhorando as habilidades de atenção das crianças, a discriminação visual e a memória espacial.
Além disso, a Marilyn Daniels teoriza que a Língua de Sinais é armazenada num banco de memória diferente do que a língua falada, criando-se, assim, duas fontes independentes para ativar o banco de memória. Na verdade, todas as línguas são processadas no lado esquerdo do cérebro, mas é no lado direito que a informação visual do sinal é recebida, ou seja, os sinais são armazenados no lado direito do cérebro e processados pelo lado esquerdo, construindo as sinapses. Assim, de acordo com Edmunds e Krupinski, quanto mais caminhos forem criados, melhor a memória para retê-los, a sinalização combinada com a língua falada fornece duas repetições de uma palavra, porém, em diferentes modalidades, o que faz com que as crianças ouvintes em contato com os sinais tenham o cérebro mais desenvolvido do que as que não tenham nenhum contato com a língua de Sinais.
O ensino de Libras para crianças ouvintes
Ao ensinar a língua de sinais para crianças pretendemos oferecer a elas não somente as vantagens e os benefícios comprovados em pesquisas internacionais, mas de promover a Libras, de aprender sobre a cultura surda e, sobretudo, a possibilidade de poder se comunicar com seus pares diferentes valorizando a diversidade desde a educação infantil.
Resultou, então, o interesse de fazer um projeto com crianças ouvintes numa Escola de Educação Infantil. Como esta instituição não era uma escola inclusiva, durante processo pensou-se em trazer um pouco de algumas deficiências para o conhecimento das crianças para que pudéssemos sensibilizá-las para as diferenças.
Acredito que precisamos falar de inclusão nos primeiros anos de vida para evitar falar dela no futuro como forma de superar o desconhecimento e/ou preconceito.
O projeto durou um ano. Foi realizado com crianças da educação infantil, de uma escola para filhos de funcionários de uma Universidade Federal em São Paulo. Participaram do projeto cerca de 20 crianças com idades de seis a sete anos, todas as ouvintes e filhos de pais ouvintes. Eles tinham aula uma vez por semana, com duração de uma hora. No total foram 25 aulas.
Nas atividades utilizaram-se diferentes estratégias de ensino/aprendizagem e recursos didáticos. Os alunos tiveram aulas com duas professoras surdas, oralizadas e, uma assistente de classe, neste caso, eu como pesquisadora.
Todas as aulas foram filmadas e os alunos foram avaliados com testes orais e escritos no meio e no final do curso. Os alunos também puderam avaliar o curso e mostrar o que mais lhes agradava ou não. Os pais e os professores também foram ouvidos.
As crianças tiveram momentos de sensibilização para outras deficiências, o que foi bastante produtivo para conscientizá-los sobre as diferenças e de que é legal ser diferente. Tivemos o cuidado de mostrar aos alunos, através de fotos, imagens, vídeos e livros, seus colegas com deficiência. Eles tiveram uma atividade de sala de aula, atividade esta desenvolvida pela Fundação Dorina Nowill, em que os olhos das crianças eram vendados, para que eles pudessem sentir como é o não enxergar. Após a atividade discutíamos com eles, qual sensação sentiram ao não poder enxergar. Também, assistiram a filmes com histórias infantis em Libras e depois tentavam reproduzir a estória em Libras para os colegas. A música em Libras também foi outra estratégia usada com as crianças.
As conquistas da educação bilíngue
As crianças mostraram-se muito receptivas e motivadas para aprender Libras, uma língua tão diferente e a que não estavam acostumadas. Compreenderam que para falar com colega surdo eles precisam usar os sinais e não gritar ou falar alto. De acordo com os pais, as crianças já conseguiam reconhecer seus pares surdos ou pessoas com deficiência fora da escola, bem como praticam as Libras em casa com os irmãozinhos ou até mesmo com as bonecas. As professoras da Instituição bem como as professoras surdas reconhecem a importância desse aprendizado como um caminho para a inclusão. Se as crianças aprendem inglês, francês, alemão por que não aprender a língua de sinais?
Apesar da carga horária reduzida, a maioria delas conseguiu sair-se bem referente às perguntas relacionada ao conteúdo ministrado durante o ano letivo. Foram capazes de sinalizar seus nomes, nomes de batismo, cores, números, etc.
Embora não tenham adquirido uma completa habilidade em Libras, entenderam o significado de estudar a Língua de Sinais brasileira para se comunicar com um par surdo e adquiriram um olhar para as deficiências. Pais e profissionais afirmaram a importância desse aprendizado, tendo em vista a inclusão e a aceitação das diferenças.