No Dia do Escritor, a escrita como meio de empoderamento

Para professora alfabetizadora de jovens e adultos, a escrita é uma das formas de reduzir desigualdades

Em 25 de julho de 1960, acontecia a primeira edição do Festival Nacional do Escritor, promovida pela União Brasileira dos Escritores, que tinha Jorge Amado como vice-presidente. Para celebrar a ocasião, o então Ministro da Educação e Cultura, João Paulo Penido, sancionou a data como Dia do Escritor. Desde então, ela é celebrada em salas de aula por todo o país.

Para Nilma Sladkevicius, todos os dias são Dia do Escritor. Professora alfabetizadora da Educação de Jovens e Adultos (EJA) na EMEIEF Luiz Bortolosso em Osasco (SP), ela foi vencedora do Prêmio Educador Nota 10, em 2019, com o projeto “Um sorriso negro, um abraço negro”. A proposta era fazer um levantamento sobre os preconceitos sofridos pela sociedade que geram exclusão. O resultado indicou, além da questão racial, o analfabetismo como um dos fatores.

 

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Na realização do trabalho, Nilma e os estudantes realizaram entrevistas, onde puderam ouvir histórias, trocar opiniões, tirar conclusões e, principalmente, formar conceitos para ampliar seus conhecimentos sobre a temática sob um viés inclusivo.

A escrita na alfabetização de adultos vai além do simples ler e escrever: “Ela proporciona momentos de reflexão e construção de ferramentas que trazem empoderamento, auxiliando para que possam ampliar suas possibilidades de escolhas e de superação”, relata a educadora.

Durante o processo, ela observou que práticas e pesquisas realizadas com o projeto contribuíram para o desenvolvimento da visão crítica, senso de coletividade, respeito às diferenças, assim como a identificação de problemáticas e possíveis soluções dos estudantes. A ideia era que cada um assumisse suas responsabilidades como indivíduo e se tornasse protagonista na construção de sua identidade como escritor.

Identidade através da escrita

“15 de julho de 1955. Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos gêneros alimentícios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente somos escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo, lavei e remendei para ela calçar.”

Assim começa a obra autobiográfica “Quarto de Despejo”, principal título de Carolina de Jesus, uma das primeiras escritoras negras do país. Carolina foi uma das autoras trabalhadas em sala de aula por Nilma: “Utilizo várias biografias, mas a que mais impactou os educandos foi a dela, que retrata, em muitos aspectos, o cotidiano dos nossos alunos”.

Segundo a professora, a importância do uso do gênero literário é “tornar a alfabetização não apenas significativa, mas também fortalecer a autoestima com base na realidade vivida pelos autores e criando uma empatia com a história de vida de diversas personalidades, evidenciando que as lutas dessas personalidades demonstram superação, conquistas e vitórias enobrecedoras”.

 

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Com base na obra de Carolina de Jesus, a educadora propôs às alunas e aos alunos que fossem autores de suas próprias biografias. “Por se tratar de uma sala multisseriada, a escrita respeitou o momento em que cada educando se encontrava no processo de alfabetização. Criei roteiros para que todos os itens pertencentes ao gênero textual ‘Biografia’ fossem contemplados”, pontua.

A escola também tem um papel fundamental na formação de escritores de acordo com a professora, não apenas como estudantes, mas como cidadãos: “Ela destaca-se como importante meio na formação de conhecimentos, comportamentos e valores, pois é lá em que devem ser debatidas iniciativas que visam facilitar a inserção e a permanência dos excluídos na sociedade. Essas ações devem transpor os muros da escola e reverberar na comunidade, pois se trata de um direito e não uma simples ajuda”, afirma.

 

Foto de duas estudantes da EJA em uma exposição da escritora Carolina de Jesus no Museu AfroBrasil. Fim da descrição.
Foto: Nilma Sladkevicius. Fonte: Arquivo pessoal.

Alfabetização para além das salas de aula

Além de Carolina de Jesus, a professora também gosta de trabalhos de Castro Alves, com “A Garça Triste”, além de poemas de Mário Quintana. A escritora Nina Rizzi também é um dos nomes abordados em sala de aula e chegou a enviar vídeos para incentivar os estudantes na produção de textos.

Seguidora de Paulo Freire, Nilma é leitora e cursista de tudo relacionado ao escritor e parafraseia um trecho que destaca o cotidiano como parte fundamental no processo de alfabetização de adultos: “Se tivesse claro para nós que foi aprendido que aprendemos ser possível ensinar, teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais nas ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos pátios dos recreios, em que variados gestos de alunos, de papel administrativo, de pessoal docente se cruzam cheios de significação”.

Uma das experiências mais marcantes para a educadora foi quando um de seus estudantes chegou feliz, pois descobriu que já sabia ler ao ver seu nome na lista de desligamento da empresa em que trabalhava: “A alegria dele ao descobrir que já sabia ler foi muito maior que a tristeza por perder o emprego. Ele disse que sabia ler uma placa de vaga, classificados de empregos ou até mesmo pegar um ônibus sozinho e chegar em qualquer lugar. O mundo se abriu para ele”.

Para Nilma, a leitura e a escrita são essenciais para redução da desigualdade social, com cidadãos capazes de exercer sua cidadania com respeito e dignidade. E finaliza: “Reverter o analfabetismo é um direito do cidadão e um dever do Estado”.

 

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