Mesmo na pandemia, o Atendimento Educacional Especializado conseguiu experiências positivas com o uso da tecnologia e a parceria com as famílias
O ensino remoto, implementado como estratégia de contenção da pandemia da covid-19, foi uma realidade de estudantes do Brasil e do mundo, em todos os níveis de ensino, onde crianças e adolescentes não puderam estar em sala de aula presencial por quase dois anos.
Da mesma forma que as aulas regulares foram impactadas pela pandemia, o Atendimento Educacional Especializado (AEE), serviço complementar ao processo de escolarização a estudantes público-alvo da educação especial, também foi afetado pela suspensão das aulas presenciais.
Educadoras e educadores do AEE se viram em uma situação inesperada e com um grande desafio: manter o atendimento e o desenvolvimento dos estudantes a distância. O apoio das famílias, da tecnologia e de toda a equipe pedagógica foi essencial para manter o trabalho com as alunas e alunos.
Os desafios do AEE no ensino remoto
O AEE é um serviço que visa identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade para a eliminação de barreiras em prol da plena participação de estudantes com deficiência, Transtorno do Espectro Autista (TEA) e altas habilidades/superdotação, considerando suas necessidades específicas.
Para a eficácia do serviço, é recomendado que o atendimento ocorra no contraturno das aulas regulares, de preferência nas Salas de Recursos Multifuncionais. Porém, com o ensino remoto, os educadores tiveram que mudar suas estratégias pedagógicas para conseguir dar andamento às atividades.
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A educadora Néllik Silva, da rede municipal de Caçador (SC), iniciou seu trabalho no Atendimento Educacional Especializado em 2020, mesmo ano em que as aulas presenciais foram suspensas.
Segundo ela, a pandemia fez com que os educadores se reinventassem para garantir a aprendizagem de todas e todos: “Apesar da experiência em sala de aula, o AEE era algo novo para mim, assim como o ensino remoto. Percebi que a prática de cada educador foi colocada em xeque, tivemos que mostrar nossa capacidade de resiliência.”
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Ao mesmo tempo em que tudo era novo para ela, a educadora viu a necessidade de buscar um melhor acolhimento das alunas e dos alunos, não só para acompanhar o progresso educacional, mas também saber se a criança está bem psicologicamente com a nova realidade.
Já a professora do AEE da rede municipal de Cabrobó (PE), Francinara Vieira, que atua na área há 9 anos, conta que um dos principais desafios para continuidade do atendimento era a falta de acesso à internet por parte das famílias: “Por algumas famílias morarem em zona rural, a rede móvel era muito instável, de difícil acesso, então eu fazia atendimentos assíncronos, enviava vídeos explicativos para conseguir acompanhar os estudantes.”
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Francinara aponta também que, no começo, a avaliação individual de cada estudante foi prejudicada, pois ela não conseguia acompanhar plenamente o que a criança fazia sozinha e, muitas vezes, a mãe ou o pai interferiam na atividade individual.
Participação da família a distância
Sem poder estar presencialmente com as crianças e adolescentes, o Atendimento Educacional Especializado exigiu a participação das famílias na vida escolar dos estudantes como algo fundamental à qualidade do serviço.
Franciara relata que antes da pandemia o contato era somente com os estudantes, mas as aulas remotas trouxeram algo positivo para essa relação: “No ensino presencial víamos poucos a mãe, o pai ou outro familiar, mas no ensino remoto nos aproximamos, olhamos uns para os outros por meio das telas. É uma coisa positiva e ambígua: o ensino a distância conseguiu nos aproximar e formar uma ótima parceria, que permanece no retorno presencial.”
Para que todos se sentissem parte da aula, a educadora adaptou estratégias, contemplando a presença dos familiares, e usou a casa como base para as atividades, modificando os recursos que usava em aula para recursos comuns em toda a casa, como utensílios de cozinha e objetos.
De acordo com a professora, essa parceria dinâmica foi importante para que os familiares entendessem o momento em que podiam participar e que a criança deveria estar sozinha para uma efetiva avaliação.
Da mesma forma, Néllik vê que o ensino remoto trouxe um novo olhar para as famílias em relação à participação na vida escolar. Segundo a educadora, os muitos grupos familiares que tiveram contato “entenderam a responsabilidade deles dentro da educação da criança e seu papel importante para a escola”.
Ela afirma que durante o ensino remoto muitas mães e pais ficaram preocupados e começaram a ir em procura dela para continuar o desenvolvimento dos filhos: “As mães me procuraram pelo WhatsApp e outras redes socais pois queriam que os filhos continuassem os estudos, fizessem as atividades. Isso foi algo novo para mim, pois antes era raro ter essa procura e preocupação da família.”
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A tecnologia a favor do AEE
Os recursos tecnológicos são grandes aliados dos educadores para conseguir uma educação de qualidade e inclusiva no dia a dia. No ensino remoto, a tecnologia foi imprescindível para a continuidade das aulas.
Embora muitas crianças não tivessem acesso a computadores, notebooks e tablets, os educadores se adequaram à realidade de seus estudantes e utilizaram ferramentas de fácil acesso em celulares, como o aplicativo de mensagens WhatsApp.
Para Néllik, a pandemia trouxe um choque de realidade em relação ao uso da tecnologia: “Temos que pensar em que momento estamos: as crianças sabem mexer em um celular antes de serem alfabetizadas, então temos que usar isso a nosso favor.”
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Ela destaca que, além do uso para fins pedagógicos, por meio de jogos educativos, envio de aulas e orientações gravadas, o celular possibilitou estreitar a relação e a comunicação com os estudantes, podendo estar mais presente na rotina de cada um: “Mesmo com a volta presencial, consigo estar a par do que realmente cada criança e adolescente precisa, de uma forma mais instantânea e colaborativa, contando sempre com o apoio dos pais”.
Francinara destaca que a tecnologia também foi um grande aprendizado para os pais, uma vez que muitos não tinham conhecimento e habilidade para manusear as ferramentas: “Muitos familiares pediam ajuda para conseguir mexer em ferramentas e fazer uma videochamada, por exemplo. Isso foi muito significativo, pois eles se mostravam com vontade de aprender”.
Articulação com as equipes pedagógicas
Como visto, a parceria entre os educadores e as famílias é fundamental para uma educação de qualidade, inclusive no AEE. Contudo, a articulação com o professor de sala comum e outros integrantes da equipe pedagógica é igualmente indispensável para a plena participação dos estudantes com deficiência no processo de escolarização e sua autonomia.
Durante os dois anos de pandemia, a união entre eles foi mais que necessária para garantir a aprendizagem de todos. Néllik conta que os professores de sala comum começaram a se interessar mais pela educação inclusiva: “O ensino remoto fez com que os demais professores procurassem novas estratégias pedagógicas, e nesse momento eles buscaram alternativas que pudessem contemplar todos os estudantes dentro da mesma atividade, compreendendo as singularidades de cada um”.
Francinara também viveu a mesma experiência com os demais educadores e revela que, na rede municipal, o trabalho inclusivo está cada vez mais presente: “Os professores se apropriaram mais do currículo inclusivo. Depois dessa aproximação, viram que as estratégias devem incluir todos os estudantes da sala, com acessibilidade”.
Outro resultado positivo dessa troca é a relação entre os próprios estudantes. A educadora de Cabrobó afirma que, em sua percepção, a prática de um currículo inclusivo está refletindo positivamente das alunas e dos alunos: “Eles estão se ajudando mais, entendendo um ao outro, trabalhando de forma colaborativa, mostrando que educação inclusiva é possível.”
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