Anticapacitismo e mudanças climáticas são destaque em conferência da ONU

Comitiva brasileira participou da COSP17, evento que discute a implementação da Declaração dos Direitos das Pessoas com Deficiência entre os países signatários

Imagem panorâmica da sala de conferência da Organização da Nações Unidas com várias pessoas sentadas de costas, em mesas e cadeiras dispostas formando um U. No lado esquerdo da imagem, em escala menor, há um palco central com quatro pessoas, três mulheres e um homem. Em destaque, há dois telões que exibem as mesmas imagens: dois quadros nos quais é possível ver, no primeiro, um homem branco de terno azul sentado, com uma mulher de cabelos escuros e blazer coral atrás. No segundo, abaixo, um homem branco, de barba branca e camisa preta fazendo sinal de Libras. fim da descrição
Abertura da 17ª sessão da Conferência dos Estados Partes da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em Nova York. Crédito: ONU/ Loey Felipe

Garantir a participação de pessoas com deficiência na formulação das políticas públicas: segundo Anna Paula Feminella, secretária nacional dos direitos da pessoa com deficiência, essa é a principal inovação compartilhada pelo Brasil na 17ª Sessão da Conferência dos Estados Partes da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (COSP17). Feminella liderou a comitiva brasileira no evento, que aconteceu entre os dias 11 e 13 de junho na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. “Estamos imprimindo o ‘Nada sobre nós sem nós’ no DNA das políticas públicas”, afirma a secretária. 

Além de Feminella, a delegação brasileira também foi composta por organizações da sociedade civil selecionadas por um edital do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e pela Senadora Mara Gabrilli (PSD-SP). A parlamentar foi reeleita como representante brasileira na Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, em votação durante o evento.

“Foi muito interessante essa democratização, porque contemplou visões mais diversas em relação à luta da pessoa com deficiência, que é única, mas que possui especificidades”, comenta Emerson Damasceno, presidente da Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que também esteve presente na conferência.  

A COSP17 reúne, todos os anos, os países que assinaram a Convenção das Nações Unidas sobre o Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006. Nela, representantes oficiais e organizações da sociedade civil debatem os avanços realizados ao redor do mundo para a garantia dos direitos das pessoas com deficiência. “A convenção foi apenas o começo de um processo muito mais longo de mudança e de ação. Nosso trabalho ainda não está completo”, afirmou Amina Mohammed, secretária-geral adjunta da ONU durante a abertura do evento. 

Lançado no dia anterior ao evento, o relatório Disability and Development 2024 (deficiência e desenvolvimento, em português) mostra o tamanho do desafio no mundo. Segundo o documento, 11% das crianças com deficiência estão fora da escola na educação primária (equivalente aos anos iniciais do ensino fundamental) e 32% na etapa equivalente ao ensino médio. 

Plano do governo federal começa a avançar 

No evento, a secretária Anna Paula Feminella destacou o Novo Viver Sem Limites como exemplo de elaboração de política pública realizada com participação de pessoas com deficiência. O plano foi lançado em novembro do ano passado pelo governo federal, articulando medidas de 27 ministérios após diálogo com órgãos públicos, sociedade civil e movimentos que militam na pauta, segundo declaração de Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).

“Queremos que a agenda dos direitos das pessoas com deficiência ganhe cada vez mais visibilidade”, afirma Feminella. O plano prevê o investimento de R$ 6,5 bilhões em 95 ações de combate ao capacitismo, que estão sendo executadas por 27 ministérios do governo federal. “A previsão orçamentária do Plano é bem robusta. Isso mostra que o governo sinaliza a importância que dá ao tema oferecendo prioridade orçamentária”, destaca a senadora Mara Gabrilli. 

Uma das ações mais esperadas pelos movimentos das pessoas com deficiência é a criação do Sistema Nacional de Avaliação da Deficiência e da Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência, que deverão unificar as avaliações necessárias para que pessoas com deficiência tenham seus direitos garantidos e possam acessar políticas públicas, inclusive educacionais. Uma proposta para essas iniciativas deve ser entregue até 19 de junho ao ministro Silvio Almeida.  

Dias antes do lançamento do Novo Viver Sem Limites, o Ministério da Educação (MEC) apresentou o Plano de Afirmação e Fortalecimento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. A proposta prevê investimento de R$ 3 bilhões até 2026 e tem como foco quatro eixos: expansão do acesso, qualidade e permanência, produção de conhecimento e formação.  Os dois planos têm ações em comum (leia reportagem com mais detalhes). 

Para Mara Gabrilli, ambas as iniciativas trazem avanços, como as ações de formação e de capacitação para a educação inclusiva e educação especial, de professores das salas comuns e professores de educação bilingue e intérpretes de Libras, entre outros. “Todas [as ações são] extremamente importantes”, comenta. “No entanto, não há previsão de regulamentação, tampouco de capacitação de profissionais de apoio escolar, conforme previsto na Lei Brasileira de Inclusão [LBI], para suporte aos alunos, algo que a sociedade clama desde a sua aprovação”, afirma a senadora (confira reportagem sobre o trabalho do profissional de apoio).

O impacto das mudanças climáticas e situações emergenciais 

Um dos temas em destaque durante a conferência e em eventos paralelos foi a situação de pessoas com deficiência em momentos de emergência, como conflitos armados, e também em regiões afetadas por catástrofes climáticas, como as enchentes que aconteceram no Rio Grande do Sul. “As mudanças climáticas impactam severamente as crianças com deficiência, um grupo que já enfrenta obstáculos significativos para participar plenamente da sociedade e para acessar as mesmas oportunidades e serviços que as demais”, destacou Kirsten Lange, especialista do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para Ações Humanitárias Inclusivas, durante um evento paralelo à conferência.  

Pessoas com deficiência têm sido pouco consideradas pelas políticas de enfrentamento a mudanças climáticas, como nos planos de evacuação, apesar de serem mais diretamente impactadas. “Precisamos de planos de evacuação concretos e inclusivos para garantir que todas as pessoas possam ser assistidas durante emergências”, destacou Gunta Anča, representante de organizações sociais da Letônia, durante uma das mesas da programação oficial. 

Entre crianças com deficiência, a possibilidade de que elas sejam deixadas para trás em situação de calamidade é ainda maior, o que destaca a importância de planos de evacuação que contemplem esse público. Além disso, situações extremas como conflitos, emergências climáticas e de saúde pública, como a Covid-19 também afetam a educação dessas crianças, fazendo com que elas permaneçam fora da escola por um período mais longo do que seus colegas da mesma idade.

“Para esse público, estar fora da escola é não só uma perda de aprendizagem, mas também o torna mais vulnerável a violências, que geralmente acontecem nas suas próprias casas e são denunciadas no ambiente escolar”, destaca Emerson, da OAB, que reforça que o Brasil não está preparado para eventos desse tipo. “O que aconteceu no Rio Grande do Sul deve ser um alerta para todos nós”, reforça. 

Em uma bancada na sala de conferência da ONU, vemos duas mulheres cadeirantes: uma branca, de cabelos pretos e vestido florido; e outra branca, de cabelos castanhos e vestido vinho com estampa bege. Ao lado delas está um homem branco, com terno preto sentado e batendo palmas. Atrás, estão passando duas mulheres: uma negra com cabelos encaracolados e vestido creme e outra negra, com cabelos pretos e blusa preta. Ao fundo, é possível ver várias pessoas sentadas. fim da descrição
A secretária Anna Paula Feminella (de vestido florido) comemora reeleição da senadora Mara Gabrilli (à direita) como representante brasileira na Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU. Crédito: MDHC/Isabel Carvalho

Mara Gabrilli reeleita 

Durante a COSP17, também ocorreu a reeleição de parte do corpo de peritos independentes do Comitê da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CPRD). O organismo é responsável por monitorar a implementação da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. 

Mara é a atual representante e foi eleita para um novo mandato. “Nesse primeiro mandato, realizamos ações muito importantes, como os debates sobre situações de risco e emergências humanitárias. Graças ao nosso trabalho, o comitê passou a discutir com mais ênfase as consequências dos conflitos armados e das mudanças climáticas para a proteção e a segurança das pessoas com deficiência”, afirma a senadora. O novo mandato se inicia em 2025 e vai até 2028. 

Mara, que também participou da COSP, destaca o importante papel da conferência de favorecer o debate com outros países. “Tive trocas muito positivas e participei de dezenas de reuniões bilaterais, com o objetivo de apresentar o nosso trabalho para diversos países que, assim como nós, pensam em um futuro mais inclusivo”, destaca a senadora. 

Para Anna Paula Feminella, o intercâmbio com outros países também foi um dos principais pontos positivos do encontro. “As trocas no evento nos preparam para seguir fazendo com que a pauta dos direitos das pessoas com deficiência ganhe posição estratégica. Em julho, teremos a Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e, no próximo ano, o Brasil sediará a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30). Queremos que as pessoas com deficiência estejam presentes nesses debates”, destaca. 

 

 

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