Os dez anos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e seu Protocolo Facultativo (PF) foram adotados na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) no dia 13 de dezembro de 2006. Portanto, em 2016, estamos comemorando os dez anos da Convenção. Assim sendo, é oportuno dedicarmos alguns minutos à história, às ações e à reflexão sobre o primeiro tratado de direitos humanos sobre pessoas com deficiência do século 21.

No que se refere ao Brasil, a CDPD e o PF percorreram a seguinte trajetória:

Em 30 de março de 2007, o Brasil assinou esses documentos na sede da ONU em Nova York. Em abril ficou pronta a tradução oficial em língua portuguesa, publicada em setembro. Naquele mesmo mês, a CDPD e o PF foram encaminhados à Câmara dos Deputados através da Mensagem Presidencial n° 711, que solicitou a tramitação desses documentos com a equivalência de Emenda Constitucional, nos termos do parágrafo terceiro do artigo 5° da Constituição Federal (incluído pela Emenda Constitucional n° 45, de 8/12/2014). Em novembro, o Presidente da Câmara dos Deputados criou uma Comissão Especial para fazer tramitar a matéria em regime de urgência, já com o apoio dos líderes político-partidários.

Em 9 de julho de 2008, a CDPD e o PF foram ratificados com equivalência de Emenda Constitucional pelo Senado através do Decreto Legislativo n° 186. Em agosto, o Governo Brasileiro depositou o instrumento de ratificação da CDPD e do PF junto ao Secretário-Geral na sede da ONU. Um ano depois, a CDPD e o PF foram promulgados pelo Presidente da República através do Decreto n° 6.949.

Ações pós promulgação da Convenção

Destacamos algumas das ações realizadas nos últimos sete anos:

  • 2010 – Publicação do livro “História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil” em todos os formatos, pelo Governo Federal.
  • 2010 – Publicação do “1º Relatório Nacional da República Federativa do Brasil sobre o cumprimento das disposições da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”, cobrindo o período de 2008 a 2010.
  • 2011 – Publicação do livro “30 Anos Após o AIPD – Ano Internacional das Pessoas Deficientes”, em todos os formatos, pelo Governo do Estado de São Paulo.
  • 2012 – Realização da 3ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, nos dias 3 a 6 de dezembro, com o tema central “Um Olhar através da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Novas Perspectivas e Desafios”, em Brasília. Foram aprovadas as seguintes quantidades de propostas por área: educação (65), esporte, cultura e lazer (28), trabalho e reabilitação profissional (51), acessibilidade (76), comunicação (24), transporte e moradia (71), saúde, prevenção, reabilitação, órtese e prótese (118), segurança e acesso à justiça (51), padrão de vida e proteção social (71). Algumas destas propostas resultaram em ações implementadas.
  • 2013 – Promoção do workshop de capacitação denominado “Inclusão no Mercado de Trabalho em Conformidade com os Ditames da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e da Legislação Federal”, em Brasília. Essa iniciativa do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) foi realizada nos dias 4 e 5 de setembro para duas turmas, cada uma com 40 servidores e magistrados do TJDFT, com carga de três horas por turma.
  • 2014 – Realização do V Encontro Nacional de Conselhos de Direitos da Pessoa com Deficiência, nos dias 28 a 30 de janeiro, em Brasília.
  • 2015 – A Rede Brasileira do Movimento de Vida Independente (Rede MVI-Brasil), sucessora do Conselho Nacional dos Centros de Vida Independente, fez parte do Grupo de Trabalho que enviou o Relatório do Brasil ao Comitê da ONU com o fim de tratar das medidas destinadas a rever e alinhar a legislação nacional e as políticas públicas com o conteúdo da CDPD. Uma das várias questões levantadas pela Rede MVI-Brasil foi a que se segue:

    É necessário que seja efetuada uma nova redação no trecho da segunda frase do artigo 1, que diz: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. Onde consta a palavra “mental”, substituí-la por “psicossocial”. Justificativa: com essa palavra “mental”, a ONU se refere ao transtorno mental (área da saúde mental). Mas, muitas pessoas pensam que a palavra “mental” é equivalente a “intelectual” (pensando tratar-se do antigo termo “deficiência mental”, hoje substituído por “deficiência intelectual“) e, como no artigo 1, a palavra “intelectual” aparece logo após “mental”  algumas pessoas acabam excluindo a palavra “mental” ou adotando o termo composto “mental/intelectual” e também “mental ou intelectual”, causando mais confusão no entendimento dos leitores.

    A este respeito, observe-se que, no manual sobre os recursos humanos de pessoas com deficiência, intitulado ‘Entendendo a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU’, de autoria da ativista Marianne Schulze, e publicado pela Handicap International em setembro de 2009, a autora informa que o International Disability Caucus (IDC) propôs o termo ‘impedimento de natureza psicossocial’ no lugar da palavra ‘impedimento de natureza mental’, utilizada no artigo 1 da CDPD a fim de se evitar a confusão com a palavra ‘mental’ do antigo termo ‘deficiência mental’ (que hoje se chama ‘deficiência intelectual’).

  • 2015 – Foi sancionada a Lei n° 13.146, de 6 de julho, conhecida como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), que é a primeira lei federal baseada inteiramente na Convenção.
  • 2016 – Realização do 1° Fórum Social da ONU, em Genebra, nos dias 3 a 5 de outubro, convocado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU. O tema do fórum foi “Promoção e gozo pleno e igualitário de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais de todas as pessoas com deficiência no contexto do décimo aniversário da adoção da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”. Entre os 11 painéis e mesas-redondas, constaram:1. Avaliação dos últimos 10 anos da aplicação da CDPD (progressos, desafios remanescentes e compartilhamento de práticas);
    2. A implementação, o papel das pessoas com deficiência e suas organizações representativas e responsabilidades;
    3. Expectativas e compromissos de diferentes partes interessadas sobre o futuro desejado em termos da CDPD e a implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS);
  • 2016 – Realização da 4ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, nos dias 25 a 27 de abril, com mais de 900 delegados de todo o país para discutir as propostas na área da pessoa com deficiência provenientes das conferências estaduais.
  • 2016 – Comemorou-se no dia 3 de dezembro o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, cujo tema foi “Realizando os 17 Objetivos para o Futuro que Desejamos”. O tema se remete à recente adoção dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e seu papel na construção de um mundo mais inclusivo e equitativo para a pessoa com deficiência. Os objetivos do Dia Internacional em 2016 incluíram a avaliação do atual status da Convenção e dos ODS e assentaram a fundação para um futuro de maior inclusão para as pessoas com deficiência.

Reflexão

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o Protocolo Facultativo existem desde 2006 no âmbito internacional. Ao refletirmos sobre o que pôde ser realizado ao longo dos dez anos da Convenção, já sabemos que muito pouco do que está contido nesses documentos foi efetivamente cumprido. Já sabíamos disso a cada ano que passou. A que devemos esse acanhado cumprimento da CDPD? Sem sabermos o motivo, será mais difícil atacarmos o problema e continuaremos nos mobilizando muito lentamente.

Urge que avancemos com maior rapidez no processo de implementação da CDPD e do PF, com o envolvimento cada vez maior das organizações do primeiro, do segundo e do terceiro setores de nossa sociedade.

 

Romeu Kazumi Sassaki é consultor de inclusão social, educação inclusiva e inclusão laboral. Presidente da Associação Nacional do Emprego Apoiado (Anea).

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