Se mal utilizado, documento que dá luz aos impedimentos do estudante pode se tornar uma barreira à inclusão escolar
“Percebemos que o fato de não termos ainda um laudo médico não nos impedia de fazer algo”, declarou uma professora de Pedro, matriculado na educação infantil da rede pública de Poá (SP). Após um longo período de angústia pela falta de um diagnóstico, os professores decidiram investir no conhecimento que já dispunham sobre a trajetória do aluno e envolver seus pais na criação de estratégias pedagógicas que dialogassem com suas singularidades. Alguns meses mais tarde, Pedro demonstrava enormes avanços em sua capacidade de concentração, realização de tarefas e na sua aprendizagem.
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Isso quer dizer que o laudo não tem importância? Tem, na medida em que é explorado como mais uma fonte de informações que pode colaborar com os educadores na busca por recursos de apoio que propiciem igualdade de oportunidades no ambiente escolar. No entanto, pode tornar-se altamente destrutivo quando é visto como principal ponto de partida para o planejamento pedagógico, induz a uma visão de que podemos criar receitas por tipo de deficiência, serve de justificativa para a redução do conteúdo curricular, dispara um encaminhamento automático para o atendimento educacional especializado (AEE) e, ainda mais grave, quando resulta em baixas expectativas em relação ao aluno. Não é à toa que, de acordo com o Houaiss, o termo “laudo” origina-se do verbo “aprovar”.
O laudo médico como barreira
Nos últimos anos, tenho insistido na relevância do impacto que as expectativas vislumbradas pelo educador exercem no desenvolvimento do estudante. De acordo com Bill Henderson, expoente da educação inclusiva nos Estados Unidos, “variações contextuais não devem ser utilizadas como desculpa para não promovermos inclusão com altas expectativas para todos”.
Esse pensamento dialoga com a definição contemporânea do que é deficiência, criada pela ONU. Segundo ela, a deficiência é resultante da combinação entre dois fatores: os impedimentos clínicos que estão na pessoa (de ordem física, intelectual, sensorial etc.) e as barreiras que estão no entorno da pessoa (na arquitetura, nos meios de transporte, na comunicação. No contexto da escola, as barreiras podem estar no material didático, no modelo de avaliação, nas atitudes etc.).
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No frigir dos ovos, essa definição nos orienta a concentrar nossos esforços na eliminação dessas barreiras para que a equidade seja factível. O laudo médico é o documento que dá luz aos impedimentos, ou seja, justamente àquilo que não deve mais ser o foco de nossas atenções. Quando mal utilizado, ao invés de favorecer, torna-se mais uma das barreiras que prejudicam a inclusão escolar. Ao nos desprendermos desse instrumento, damos mais um passo decisivo para a construção de uma escola que acolhe todos e persegue altas expectativas para cada um.
Rodrigo Hübner Mendes é fundador do Instituto Rodrigo Mendes, organização que desenvolve programas de educação inclusiva. É mestre em administração pela Fundação Getulio Vargas (EAESP), membro do Young Global Leaders (Fórum Econômico Mundial) e Empreendedor Social Ashoka.
A versão resumida deste artigo foi publicada em Nova Escola em fevereiro de 2019, disponível em novaescola.org.br/conteudo/15452/edicao-319.
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