No Brasil, a Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva assegura acesso ao ensino regular a estudantes com deficiência (intelectual, física, auditiva e visual), com transtorno do espectro autista (TEA) e com altas habilidades/superdotação, entre outros, desde a educação infantil até o ensino superior. Desse modo, quando pensamos em uma abordagem para a educação física escolar inclusiva, faz-se necessário reconhecer o direito de todas as crianças e jovens ao componente curricular da disciplina, à qualidade da aprendizagem, ao respeito e à compreensão das diferenças.
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Enquanto uma função disciplinar que ocorre no ensino escolar e possui objetivos bastante especiais, a educação física trabalha o conhecimento e a cultura dos estudantes, sendo por essa razão distinta do esporte na escola. Não que sejam questões excludentes, muito pelo contrário, são atividades culturais complementares, porém não significam o mesmo, não apresentam finalidades idênticas e possuem capacitações diferentes. Este texto se baseia especificamente na disciplina desenvolvida na escola.
A questão que se apresenta no desafio proposto é a seguinte: há alguma diferença nos objetivos da educação física para as pessoas com deficiência e para as pessoas sem deficiência? Uma vez que todos os estudantes têm direito a dispor e participar da disciplina, que é componente obrigatório para todos em todas as séries e anos da educação básica, a resposta é não. Não há diferença entre os dois grupamentos.
Além disso, na atual conjuntura brasileira e mundial, vivemos uma epidemia de obesidade por conta da vida sedentária e de hábitos de vida inadequados. Cabe ressaltar que tal pressuposto atinge tanto as pessoas “normais” como aquelas com deficiência. A alternativa para modificar o status quo é que se busque a promoção de conhecimentos e cultura que proporcionem a mudança nos hábitos de vida das pessoas, principalmente a adoção da prática regular e sistemática de exercícios físicos. Como é reconhecido por todos, o processo de mudanças deve começar com as crianças, portanto, no sistema educacional formal.
É importante que se considere que o objetivo da educação física escolar é contribuir na formação geral dos estudantes através do desenvolvimento de cultura das capacidades motoras, cognitivas, afetivas e sociais, visando à aquisição do hábito da prática regular de atividades físicas como componente fundamental da educação para uma vida saudável. Portanto, a disciplina é um caminho privilegiado da educação, pelas suas possibilidades de desenvolver a dimensão motora e afetiva das crianças e adolescentes, conjuntamente com os domínios cognitivos e sociais, e por tratar de um dos preciosos recursos humanos, que é o corpo.
A educação física tem compromissos com as grandes questões contemporâneas da humanidade como a inclusão social, o atendimento a pessoas com deficiência, a promoção do fair play, da paz, da excelência, dos cuidados com o meio ambiente. Em termos históricos, é possível que se proceda a afirmação de que as pessoas com deficiência eram excluídas da sociedade, sendo mesmo marginalizadas.
Atualmente, a legislação determina o direito de todos à educação e principalmente a inclusão das pessoas com deficiência no processo educacional. É interessante observar que, no tocante ao quesito atividade esportiva, constata-se que o Brasil tem proporcionado diversas oportunidades para as pessoas com deficiência e em especial a inclusão das equipes representativas do país nos Jogos Paraolímpicos e demais campeonatos mundiais, tanto é que, em termos de resultados esportivos, o Brasil está bem colocado no ranqueamento midiático. Em que pese à ocorrência dessas participações referidas e dos resultados favoráveis alcançados, somos levados a identificar que em relação à inclusão da pessoa com deficiência, seja na sociedade, e até mesmo na escola, a acessibilidade de forma geral continua deixando a desejar.
Ao sistema escolar e a disciplina educação física bem como aos profissionais de educação física cabe, neste momento em que a sociedade brasileira vem discutindo diferentes questões que envolvem a qualidade de vida, proporcionar o debate deste problema nas “salas” de aula e buscar saídas, discutir e desenvolver atividades que envolvam a questão da marginalização e discriminação de crianças com deficiência. Portanto, o que se considera como o passo importante é que se elabore uma política específica, se organize programas e ações que possibilitem a inclusão e nesse sentido se proceda a utilização da disciplina educação física, a qual apresenta um papel relevante, dado os seus objetivos e o papel que desempenha na educação e na formação dos estudantes.
O ser humano se faz presente no mundo por meio do seu corpo, seja ele um corpo com ou sem deficiência. São seres integrais que se movimentam, articulam, convivem, sofrem, brincam, se divertem, e a educação física exerce um papel de suma importância no desenvolvimento do aluno, como um todo, uma vez que é impossível subdividir esse Ser e educar o corpo, pois o corpo não é educável, mas somente treinável, sendo inviável, portanto, dissociá-lo da educação das outras dimensões, tais como: a intelectual, a social, a moral, a emocional, etc. O desenvolvimento motor (e aqui inclui-se todas as deficiências) está diretamente ligado à formação integral da criança, pois é responsável pelo conhecimento da estrutura físico-motora, afetiva e cognitiva da criança.
O papel da educação física está definido, com competência e profundidade, como parte integrante e fundamental no processo educativo de todos, capaz de proporcionar aos estudantes as necessárias competências para o seu pleno desenvolvimento. Assim, considera-se como inegável a importância da educação física no sistema educacional brasileiro uma vez que a mesma estabelece a sinergia positiva que favorece em conjunto com as demais abordagens a que as crianças e os adolescentes estão submetidos, o pleno desenvolvimento humano e o exercício da cidadania. Através da educação física trabalha-se o aspecto motor, o aspecto cognitivo, o aspecto da sociabilidade e o aspecto psicológico.
A educação física é a disciplina com maior e melhor propriedade para favorecer e possibilitar a educação inclusiva, uma vez que as atividades são executadas em conjunto possibilitando a interação e integração entre todos os alunos.
É notória a possibilidade de ver refletido nas aulas de Educação Física um conjunto de valores indispensáveis para que a criança cresça e exerça a cidadania com plenitude – valores como a ética, o trabalho em equipe, o respeito às normas, o respeito à diversidade, o respeito aos colegas e às diferenças, o implantar e despertar da autoestima.
Em que pese à disciplina Educação Física ser obrigatória e estar contemplado na Constituição, o direito de todos ao esporte, contudo, na prática não é o que se identifica, principalmente em relação aos alunos com deficiência. Os programas escolares e as Políticas Públicas não contemplam com relevância esse direito. Não há politica nem projeto de capacitação dos gestores escolares e dos professores quanto à aplicação desse direito e muito menos programas que contribuam, de fato, para que as escolas cumpram esse papel social e fundamental que lhe cabe.
Dessa forma, considera-se ser imperioso apontarmos as perspectivas dessa inclusão na sociedade, discutindo a questão desse processo no campo da Educação Física Escolar e, criando possibilidades para que os professores de Educação Física estejam aptos a enfrentar essa realidade, legitimando o acesso democrático tão discutido legalmente.
A prática de atividade física e/ou esportiva por pessoas que possuem algum tipo de deficiência, sendo esta visual, auditiva, intelectual ou física, pode proporcionar dentre os diferentes benefícios da prática regular de atividade física que são mundialmente conhecidos, a oportunidade de testar seus limites e potencialidades, prevenir as enfermidades secundárias à sua deficiência e promover a sua adequada integração social. Assim sendo, da mesma forma que os alunos ditos “normais”, àqueles que possuem alguma deficiência precisam adquirir o hábito da prática desde a escola e compreender a importância dessa atividade ao longo de suas vidas.
Além do processo de inclusão social, é fundamental que a Educação Física seja ofertada a todos, uma vez que as atividades físicas e esportivas para as pessoas com deficiência física apresentam uma considerável gama de valores terapêuticos evidenciando os benefícios tanto na esfera física quanto na psíquica.
Conforme estudos desenvolvidos no âmbito educacional no país, a disciplina Educação Física aborda diversas práticas corporais, que segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) trazem muitos benefícios para aos alunos com alguma dificuldade, quanto ao desenvolvimento das capacidades perceptivas, afetivas, de integração e inserção social.
Ainda segundo os mesmos Parâmetros Curriculares Nacionais, a Educação Física tem como um de seus princípios a inclusão do aluno na cultura de movimento corporal, a qual deve procurar reverter o paradigma da seleção entre indivíduos aptos e inaptos para as práticas corporais, a partir da valorização exacerbada do desempenho e da eficiência da pessoa.
As ações dos professores em fazer com que os alunos com deficiência participem das aulas de Educação Física é importantíssimo para estes. Pois essa é a aula e representa o momento em que os alunos podem e têm mais contato uns com os outros, fazendo com que identifiquem e aprendam a respeitar às diferenças.
Nesse contexto, a Educação Física pode significar melhorias para a sua qualidade de vida, por proporcionar prazer e ser entendida como uma prática que não desconsidera sua deficiência e seus limites, mas sim, evidencia a sua eficiência e possibilidades.
Com o desenvolvimento de uma Educação Física inclusiva às pessoas com deficiência, poder-se-ia demonstrar à sociedade que todo cidadão, com ou sem deficiência, é capaz de viver com seus limites, praticando alguma atividade física, sem que as pessoas os olhem com compaixão e evitem qualquer forma de exclusão. Dessa maneira, pode-se considerar que esse seria um procedimento acertado e capaz de ampliar suas possibilidades nos campos físico, social, político e cultural.
Valores como determinação, cooperação, autossuperação, autoconfiança, autoestima, socialização, bem como habilidades motoras e cognitivas, podem ser referenciados pela prática da atividade física. Ao trabalhar com a pessoa com deficiência, é indispensável que ocorra uma intervenção visando o oferecimento de uma Educação Física que os conscientize de suas dificuldades ocasionadas pelas deficiências, mas que os faça desvelar as possibilidades e motivá-los na busca de melhorias para a adoção de procedimento que lhes proporcione uma melhor qualidade de vida, facilitando suas atividades cotidianas.
Perspectivas para a educação física
É inquestionável o valor do exercício físico e/ou esportivo para todas as pessoas;
É inquestionável a importância da atividade física para os possuidores de qualquer tipo de deficiência;
É inquestionável o valor e a importância da disciplina Educação Física, pois é na escola, e no início do processo de estudos, que se pode e se deve adquirir os hábitos saudáveis e formativos da vida, dentre eles a compreensão das diferenças e a adoção da prática de exercícios físicos e/ou esportivos.
A escola é o princípio basilar de tudo e onde a Educação Física inclusiva deve ser efetivada, razão principal para que se deva discutir a inclusão e a exclusão social.
Tornar a Educação Física uma prática aplicada e vivenciada por todos os alunos, ou seja, aqueles ditos “normais” e em específico, de forma emancipatória, para os com deficiência, sejam elas físicas, intelectuais ou com outras deficiências, é um desafio que se coloca aos atuais e futuros profissionais de Educação Física.
Encerro o presente texto com a seguinte consideração: é ótimo ser campeão mundial, de futebol, de vôlei enfim dos vários esportes. Mas, sem qualquer sombra de dúvida, o maior feito ou campeonato mundial é aquele que envolve dignidade através da educação, do conhecimento, da inovação e da plena cidadania.
Nossa missão é preparar e formar campeões para a vida.
Portanto, fica evidenciado que “a educação física deve ser acessível a todo ser humano”, independente de raça, credo, capacidade, deficiência e demais diferenças pessoais.
Jorge Steinhilber é presidente do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) e presidente da Academia Olímpica Brasileira.
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