O Brasil é uma sociedade diversa, complexa e bastante desigual quando se trata da garantia de bens e direitos. Na Educação, direito humano fundamental, também estão expressas essas dimensões de desigualdade e diversidade. O Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 considera relevantes esses temas e propõe diferentes abordagens. As diretrizes do PNE orientam para a “superação das desigualdades educacionais” e para a “promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental” . São duas ações distintas: superar desigualdades e promover princípios do respeito à diversidade.
Na vida concreta, as desigualdades educacionais podem ser identificadas a partir dos grupos da diversidade. O texto da lei que institui o PNE traz estratégias para superar as “desigualdades étnico-raciais e regionais”. Além disso, com vistas à equidade educacional em todos os níveis de ensino, o PNE nomeia grupos da diversidade: “populações do campo, comunidades indígenas e quilombolas, afrodescendentes, população adulta de baixa escolaridade, jovens de baixa renda e pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”.
Entre as diretrizes, consta também a “erradicação de todas as formas de discriminação”, redação apresentada pelo Senado para substituir a versão da Câmara dos Deputados que dava ênfase à promoção da “igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. A exclusão dos termos “gênero e orientação sexual” é uma forma de discriminação, motivo pelo qual essas categorias devem ser consideradas quando se trata de superar desigualdades educacionais e de promover princípios de respeito aos direitos humanos e à diversidade.
“É fundamental compreender que os grupos “diversos” têm horizontes próprios de realização e cabe à Educação contribuir para que essas esperanças se concretizem”
Assim, o texto da lei orienta para o enfrentamento das desigualdades assim como o reconhecimento de grupos da diversidade. As ações de superação das desigualdades e de promoção do respeito à diversidade são, portanto, complementares, uma vez que enfocam os mesmos grupos sociais. Como se articulam desigualdades e diversidades?
Desigualdades educacionais
Os estudos sobre desigualdades educacionais têm larga tradição nas pesquisas brasileiras. A lei que institui o PNE define que cabe ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) elaborar regularmente relatórios de monitoramento das metas do Plano. Em seus estudos, o INEP analisa o andamento das metas recorrendo aos seguintes fatores de desigualdade. São os mesmos critérios que utiliza o IBGE para mensurar desigualdades na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)-contínua.
Esses parâmetros levam em conta fatores extra-escolares. As pesquisas indicam que há correlação entre fatores extra-escolares e resultados educacionais de acesso, fluxo, aprendizagem, conclusão e seguimento dos estudos em níveis mais elevados. Os grupos de menor renda, estudantes das regiões Norte e Nordeste, a população rural ainda experimentam importantes desigualdades na garantia do direito à Educação de crianças, jovens e adultos. Além disso, há evidências de que a população negra sofre processos de discriminação e tem seu percurso escolar prejudicado por fatores como o racismo e, em muitos casos, a pobreza. Com relação ao critério “sexo”, as meninas apresentam maior permanência nos sistemas de ensino, levantando a preocupação de como mobilizar os meninos e rapazes a prosseguir nos estudos. A desigualdade escolar entre homens e mulheres é a única que vem se ampliando no tempo, ao contrário das demais que têm sido reduzidas, embora em ritmo lento.
Assim, fatores extra-escolares estão associados a desigualdades. As desigualdades educacionais também podem ser aferidas se levarmos em conta fatores intra-escolares como, por exemplo: a infraestrutura das unidades de ensino, o nível de formação e a remuneração dos docentes, o tamanho das turmas, a qualidade do material didático a que têm acesso. Assim, superar desigualdades educacionais impõe considerar fatores extra e intra-escolares.
Diversidades
Os diversos devem ser compreendidos como grupos que, em função dos processos históricos, políticos e culturais, experimentam distintas e convergentes formas de desigualdade no exercício de seus direitos. No entanto, é fundamental compreender que os grupos “diversos” têm horizontes próprios de realização e cabe à Educação contribuir para que essas esperanças se concretizem. Para as comunidades indígenas, esse horizonte é o respeito e valorização de suas tradições culturais, língua e formas de aprender. Para as populações do campo, cabe à Educação garantir temas, docentes e materiais didáticos que dialoguem com suas culturas e desafios socioambientais. Para a população negra, a questão é o reconhecimento de sua presença na construção do Brasil e a superação do racismo. São grupos diversos, mas não devem ser desiguais no acesso à Educação de qualidade, ainda que as demandas de qualidade não sejam iguais para todos os grupos.
Cabe, portanto, identificar para grupo nomeado como diverso no PNE os fatores intra-escolares que definem processos e os resultados que alcançam de acordo com seus próprios horizontes de realização. O monitoramento realizado pelo INEP nos relatórios regulares que publica identifica alguns desses grupos, notadamente os que são tema das metas e de estratégias. Na meta 4 estão nomeadas “pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”. Nas metas 8, 9 e 10 estão identificados jovens e adultos de baixa escolaridade, analfabetos, jovens do campo e de regiões de menores resultados educacionais. No entanto, os indicadores utilizados apenas apontam resultados, e nada dizem sobre os processos.
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Para monitorar as condições de exercício do direito à Educação proposto pelo PNE para os grupos que sofrem as desigualdades educacionais é necessário, portanto, ir além dos fatores extra-escolares. Acompanhar os fatores intra-escolares permite identificar aqueles que podem ser modificados pela ação dos sistemas de ensino, ao contrário dos fatores extra-escolares, subordinados a condições socioeconômicas, políticas e culturais que transcendem a gestão escolar.
Considerações finais
A “superação das desigualdades educacionais” e a “promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental” demandam um esforço adicional à identificação dos fatores extra-escolares, que já constam dos monitoramentos disponíveis. É preciso considerar fatores intra-escolares, ou seja elementos do processo educacional, e conferir resultados de acesso, fluxo, aprendizagem, conclusão e seguimento dos estudos.
O acompanhamento do direito à educação dos grupos da diversidade já foi objeto de pesquisas, como a que a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC) realizou em 2006 para criar Índices de Igualdade Educacional (IIE) a partir de indicadores específicos para cada grupo. É necessário retomar e atualizar aquela iniciativa de modo a oferecer ao público e aos próprios grupos da diversidade elementos objetivos que contribuam para a garantia de seus direitos à educação, que são diversos e complexos, tal como a sociedade brasileira.
*André Lázaro é diretor da Fundação Santillana.
Artigo originalmente publicado no blog “Educação e etc” em 28/06/2019, disponível em https://educacao.estadao.com.br/blogs/educacao-e-etc/desigualdade-diversidade-e-direito-a-educacao-no-pne/
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