No Dia Nacional do Livro Infantil, o DIVERSA entrevistou autores e fez uma seleção de livros que trazem a diversidade de forma natural e lúdica
Eu tinha uma ansiedade de procurar livros que me representassem e nunca encontrei. Quando escrevi meu livro infantil, percebi que estava tirando das crianças aquela ansiedade que eu senti, por elas verem um personagem que tinha a ver com elas.
É o que relata Lak Lobato, escritora dos livros infantis “E não é que eu ouvi?” e “Lalá é assim: Diferente igual a mim” e pessoa com deficiência auditiva. Além dela, Markiano Charan Filho, autor dos livros “Rodrigo enxerga tudo”, “Rodrigo bom de bola” e “Rodrigo na Era Digital” e pessoa com deficiência visual, também foi entrevistado pela equipe DIVERSA para o Dia Nacional do Livro Infantil.
Comemorada em 18 de abril, a data é uma homenagem a Monteiro Lobato, nascido nesse dia em 1882. O autor é considerado “o pai da literatura infantil brasileira” por produções como “O picapau amarelo”, “Reinações de Narizinho” e “O Saci”, que encantaram não só crianças, como também públicos de outras idades.
Este ano, o que o DIVERSA destaca dos livros são as histórias com representatividade e como ela pode ser apresentada a crianças para apoiar a construção de uma sociedade que respeite a diversidade e as singularidades de todas e todos.
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“Diferente igual a mim”
Embora tenha o mesmo sobrenome, Lak afirma não ter nenhum parentesco com Monteiro Lobato, mas conta que cresceu assistindo Sítio do Picapau Amarelo e lendo seus livros em casa. Quando perdeu a audição aos nove anos, ela conta que a leitura virou seu principal meio de lazer e isso fez com que ela também escrevesse bem.
Seguindo sua predileção pela escrita, por volta dos 30 anos Lak iniciou seu blog Desculpe, não ouvi, para falar sobre deficiência auditiva focando em pessoas que não usam Libras:
“Apesar de perda profunda bilateral, eu sabia ler lábios muito bem e eu já me comunicava por voz, então continuei me comunicando usando a voz. Comecei a escrever para compartilhar que o surdo não é só aquele que se comunica com Libras: tem outros perfis, tem gente que usa leitura labial, aparelho auditivo…”
Com esse objetivo, a autora lançou um livro para adultos com o mesmo nome do blog “Desculpe, eu não ouvi!”. Contudo, ela começou a receber fotos de crianças com seu livro, então decidiu fazer um material voltado para o público infantil.
“No próprio lançamento do livro, a filha de uma amiga que usava implante coclear não era uma criança que se interessava por livros e, na hora que ela viu a personagem, passou a gostar de ler. A partir dali ela passou a ser apaixonada por livros, com 3 anos de idade.”
Ela afirma que o retorno em relação à representatividade foi “muito especial”, pois as crianças se identificam com a história e conseguem entender o que é a surdez e o uso do aparelho auditivo por conta do livro.
Apesar de não disponibilizar dados sobre crianças nessa faixa etária, a pesquisa Retratos da Leitura do Brasil, de 2019, aponta que 48% do público que alegou ler por gosto é composto de crianças entre 5 e 10 anos, sendo seguido por jovens de 11 a 13 anos. Isso que demonstra que a leitura está presente na vida das crianças e adolescentes em idade escolar.
Outro levantamento, o “Impacto da leitura do adulto feita pelo adulto para o desenvolvimento da criança na primeira infância”, produzido pelo Itaú Social em 2016, destaca que ao ler para uma criança você contribui para que ela desenvolva atenção, concentração, memória e raciocínio. Vale relembrar que esse desenvolvimento independe de a criança ter ou não deficiência.
Crianças aprendendo a incluir
É justamente sobre o desenvolvimento de habilidades acadêmicas e sociais independentemente das características pessoais que fala o livro “Rodrigo enxerga tudo”, de Markiano Charan Filho. Mesmo que tenha se interessado pelo mundo da escrita com Papillon, a história de vida de um bandido francês, ele explica que o Rodrigo não retrata sua história pessoal:
“O que o livro conta: as crianças vendo o diferente. As crianças adoram. O personagem André vai narrando que conheceu um amigo novo na escola e conta que Rodrigo tem uma bengala, fala do braile, que o amigo sobe e desce escadas… Fiz questão de colocar isso, porque é um mito sobre pessoas cegas. É possível que uma pessoa, tendo os meios adequados, estude, trabalhe, enfim.”
Para o autor, conscientizar as crianças é um enorme ganho para a sociedade:
“A criança é um ótimo multiplicador, então quando você fala para ela da diversidade, quando você mostra o braile, as tecnologias assistivas, ela rapidamente absorve isso e multiplica muito rapidamente. Mostrando a diversidade para as crianças, você está plantando um adulto mais inclusivo.”
Em consonância, Lak afirma que é necessário trabalhar essa faixa etária para ter reais mudanças no mundo: “Quanto mais preparados somos desde cedo, melhor a gente aceita as diferenças.”
Além de apresentar histórias com diversidade, a escritora conta que a convivência com o diferente fez com que todos os seus amigos de escola crescessem falando com naturalidade sobre pessoas com deficiência: “Para os filhos deles também é natural. Quando lancei meus livros infantis, muitos amigos foram para o lançamento, porque queriam que os filhos me conhecessem, porque achavam natural a criança sem deficiência lidar com outra criança com deficiência. Assim a gente comprova que trabalhar a base é essencial.”
Representatividade nos livros infantis
Utilizar na prática pedagógica a leitura de livros que tenham a ver com o cotidiano e representem a realidade das crianças pode aumentar a apreensão das histórias, bem como permitir que a aprendizagem por meio das obras se torne mais significativa.
Pensando nisso, organizações como a Piraporiando vêm trabalhando em livros sobre diversidade, empatia, cultura brasileira e afro-brasileira. Além de Lak e Markiano, autores brasileiros e de outros países também têm produzido histórias sobre os temas, adicionando personagens e protagonistas com deficiência, para incentivar a criatividade, a imaginação e aumentar a autoestima de crianças que se encaixam nesses perfis.
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Aproveite a data para conhecer alguns dos livros que tratam esses assuntos de forma leve e lúdica para crianças, selecionados por meio de indicações dos portais Vogue, Quindim e Estante Virtual:
+ Serei sereia?, Kely Castro
É a história de Inaê, uma menina que nasceu com deficiência física. Nessa narrativa, a bordo de sua cadeira de rodas, Inaê enfrenta barreiras e, aos poucos, com o apoio de sua mãe, descobre que pode construir sua própria história.
+ E não é que eu ouvi?, Lak Lobato
Conta a história de Lalá, uma menina que deixa de ouvir durante o sono. A história foi desenvolvida para que crianças que convivem com a deficiência auditiva possam se identificar, seja porque usam implante coclear ou possuam parentes e colegas que fazem uso dessa tecnologia para pessoas com surdez severa ou profunda.
+ Elmer, David McKee
Elmer é um elefante diferente de todos os outros: ele é xadrez. Um dia, cansado de ser diferente, ele resolve se pintar de cinza, para ficar igual a todos os outros. Esta obra fala sobre a sensação de ser diferente e a busca por pertencimento.
+ Flicts, Ziraldo
Flicts, uma cor rara, frágil e triste, vive em um mundo cheio de cores, mas nenhuma dessas cores é parecida com ela. Sozinha, ela tenta procurar amigos entre as outras colorações, mas segue deslocada do resto do mundo.
+ Rodrigo enxerga tudo, Markiano Charan Filho
O livro conta a história de Rodrigo, um menino com deficiência visual que precisa se mudar de escola. No novo colégio, ele fará amigos e, aos poucos, as crianças de sua classe vão perceber que Rodrigo não as enxerga, mas é capaz de ver todas as coisas do mundo de uma maneira diferente.
+ Tudo bem ser diferente, Todd Parr
O autor e ilustrador norte-americano aborda temáticas como a adoção, o preconceito racial e a deficiência física de maneira simples e divertida e ensina às crianças que as diferenças fazem parte da vida.
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