No Dia Nacional do Livro, atores da comunidade escolar falam sobre benefícios da leitura e da conscientização acerca dos benefícios dos livros acessíveis
O que sempre passo para os meus filhos é que lendo eles conhecerão o mundo e irão estimular o cérebro.
É o que afirma Aline Benevides, estudante de serviço social e mãe de dois meninos com deficiência visual. Para ela, é importante que as escolas comuns pratiquem a educação inclusiva, garantindo, também, livros com variados recursos para possibilitar a acessibilidade.
Neste dia 29 de outubro é comemorado o Dia Nacional do Livro, e o DIVERSA entrevistou Aline, Carla Mauch, coordenadora-geral da Mais diferenças, e Rosana Francioli, Tatiana Silva e Ana Issa, responsáveis pelo evento Jornada Literária Inclusiva do Colégio Miguel de Cervantes, em São Paulo (SP). Elas falaram sobre o papel do livro para a educação e sobre a importância da acessibilidade das obras.
“Para nós é impossível imaginar a educação sem um trabalho muito próximo e articulado com literatura, é vital. Para nós é impossível pensar uma escola em que a literatura não esteja muito presente.”, explica Carla.
Surgimento da data e importância do livro
A data foi escolhida pois nesse dia, em 1810, foi inaugurada a primeira biblioteca brasileira, a Real Biblioteca, no Rio de Janeiro. Atualmente nomeado como Biblioteca Nacional, o acervo é o maior da América Latina e considerado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), uma das dez maiores bibliotecas nacionais do mundo.
Os livros, sejam eles físicos ou virtuais, apoiam o processo de ensino-aprendizagem e o incentivo à leitura desde a infância pode ser transformador, como provou uma professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE) da EMEF Ayres Martins Torres, ao desenvolver projeto para eliminar barreiras comunicacionais e estimular confiança e autoestima dos estudantes, em 2019.
De acordo com o levantamento “Impacto da leitura do adulto feita pelo adulto para o desenvolvimento da criança na primeira infância” realizado pelo Itaú Social em 2016, ao ler para uma criança você contribui para que ela desenvolva atenção, concentração, memória e raciocínio.
Além da possibilidade de potencializar habilidades, o programa Leia para uma criança, também do Itaú Social, aponta que são diversos os benefícios da leitura, incluindo o fortalecimento de vínculos.
Contudo, embora haja conhecimento sobre os pontos positivos dos livros e da leitura, ainda há a necessidade de democratizar o acesso aos livros a todos, sem deixar ninguém para trás.
Livros acessíveis
A disponibilização de diferentes recursos para acesso do conteúdo, não somente de obras literárias, permite que uma das principais barreiras à inclusão seja eliminada: a barreira comunicacional. Assim como consta na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, “a acessibilidade das pessoas com deficiência à informação, comunicação e ao conhecimento é um direito humano fundamental”.
A Mais Diferenças é um ótimo exemplo de luta para eliminar barreiras comunicacionais, focando o trabalho em educação e cultura. Com mais de 15 anos de atuação, a organização já desenvolveu mais de 60 projetos e mais de 2 mil produtos culturais e educacionais com diferentes recursos e conta com uma biblioteca com livros 100% acessíveis.
Carla Mauch explica que a organização considera o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) e a Política Nacional de Leitura e Escrita, que têm quatro eixos norteadores: democratização do acesso, formação de mediadores de leitura, incremento da leitura como valor simbólico e desenvolvimento da cadeia produtiva do livro.
“Quando a Mais Diferenças começou a trabalhar com livro e leitura, teve uma relação direta com o desenvolvimento de matérias pedagógicos inclusivos, porque estávamos na escola e não tinham livros acessíveis”, conta.
Recentemente, em trabalho conjunto com a Mais Diferenças, o Itaú Social passou a disponibilizar livros audiovisuais com múltiplos recursos de acessibilidade, como textos e ilustrações originais da publicação, narração em áudio, descrição e animação das imagens e interpretação em Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Os recursos acessíveis viabilizam a equiparação de oportunidades em todos os ambientes da sociedade, permitindo que os cidadãos tenham autonomia e protagonismo independentemente de suas singularidades. Portanto, para eliminação de barreiras à participação plena de todas e todos, esses recursos são essenciais em todos os espaços, principalmente nas escolas.
Inclusão nas obras literárias e nas escolas
No Brasil, diversas escolas públicas e privadas possuem estratégias pedagógicas e boas práticas de educação inclusiva de todas as disciplinas que merecem ser compartilhadas, e na área de literatura não é diferente.
Assim como a EMEF Ayres Martins Torres, o Colégio Miguel de Cervantes tem ações para incluir todas as alunas e alunos nas atividades escolares. No ano passado, por conta do ensino remoto causado pela pandemia da Covid-19, a equipe da biblioteca, com Rosana Francioli e Ana Issa, notou a necessidade de realizar um planejamento para aumentar a participação dos estudantes nas aulas on-line, utilizando o acervo literário do colégio. Foi quando surgiu a Jornada Literária Inclusiva.
“Para continuar atendendo a comunidade escolar, sensibilizamos a equipe da biblioteca para esse tema. Nos organizamos para trazer a literatura e a cultura de alguma forma, com o objetivo de promover iniciativas e projetos sobre diversidade e inclusão, e dar voz às pessoas que estão à frente desses projetos”, conta Rosana.
Desde seu início, a proposta do evento é oferecer acessibilidade, então as lives disponibilizadas no Youtube, ao mesmo tempo em que acontecem atividades nas salas de aula, contam com intérprete de Libras, descrição de imagem e legendas. O formato permite que organizações da sociedade civil participem de rodas de conversa com temas relacionados à inclusão, tendo professores e alunos como espectadores.
Este ano, a Jornada Literária Inclusiva aconteceu durante quatro dias e, além das transmissões e atividades relacionadas a livros sobre diversidade ou com recursos de acessibilidade disponíveis na biblioteca, algumas séries iniciais tiveram um projeto de contação de histórias e, no ensino médio, houve atividades de conscientização sobre o capacitismo.
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Discussões como essas permitem que barreiras atitudinais sejam eliminadas por meio da obtenção de conhecimento e valorização das diferenças, bem como o respeito pelas diferenças de cada pessoa atuante dentro da escola, seja ela estudante, educadora ou outro membro da equipe escolar.
Para Aline Benevides, o conhecimento é a chave para despertar o entendimento sobre a importância da diversidade em sala de aula: “Acredito que para fazer acontecer a inclusão na prática falta força de vontade, bom coração e interesse. Falta quebrar barreiras de preconceito e discriminação. Sempre digo que a falta de conhecimento gera ignorância e, muitas vezes, o preconceito.”
Benefícios dos livros acessíveis para todos os estudantes
Embora algumas pessoas avaliem que o livro acessível é para as pessoas com deficiência, Aline explica que os diferentes formatos apoiam não só quem tem algum tipo de deficiência, mas sim todas as pessoas, uma vez que abrange mais possibilidades de apreensão do conteúdo:
“Quando se adapta um material em sala de aula para uma criança cega, por exemplo, não só a criança cega aprende, mas todas as outras também, pois trabalhar o concreto é bem melhor para facilitar a compreensão dos alunos em geral.”
Para ela, além das oportunidades de aprendizado individuais geradas por meio dos conteúdos e materiais acessíveis, a presença de estudantes com deficiência na sala comum permite uma troca de conhecimentos e vivências que possibilita até que as professoras e professores aprendam com os estudantes: “Todos aprendem a serem mais solidários e sabem que a sociedade é isso: é uma diversidade de gente. As pessoas com deficiência existem e não devem ficar escondidas, excluídas, por isso é necessário que haja, no ambiente escolar, palestras e conteúdos sobre inclusão, preconceito e empatia. Isso deve entrar sempre em pauta, tendo uma criança com deficiência ou não em sala de aula, para a conscientização.”
Carla Mauch afirma que o exercício fundamental da escola é justamente entender que todos os alunos possuem múltiplas características, saberes e modos de entender, para, assim, garantir equidade: “Nesse espaço é possível pensar em desenvolvimento, aprendizagem, igualdade, democracia, participação e justiça.”