Quando falamos em educação especial na perspectiva da educação inclusiva, inúmeros desafios são lançados. E com Maria* não foi diferente. Aluna da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Terezinha Rodrigues Kalil, em Peruíbe (SP), a garota de sete anos pouco interagia com os colegas e com sua professora. Seu comportamento era marcado por estereotipias, ansiedade e por não apresentar medo do perigo. A estudante tinha um diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA) e deficiência intelectual, mas as informações estavam desencontradas com o que a equipe observava no cotidiano. A escola mantinha contato com a família, mas somente por meio da mãe. O pai se mostrava bem mais distante.
Aluna do 1º ano do ensino fundamental, Maria encontrava-se em processo de alfabetização inicial e formação de conceitos. Mas quando estava com sua turma, não suportava barulhos e não permanecia em sala de aula, preferindo ficar em um banco no corredor da escola. O que nos chamava a atenção era como a garota se sentava: em posição fetal. Às vezes, ela pulava e tentava subir nas pilastras próximas da sala. O choro era constante e ela sempre chamava pela mãe.
Apostas em interlocução
No início do ano, um grupo formado por parte da equipe da escola e da Secretaria de Educação do município foi chamado para participar do DIVERSA presencial. O convite nos deu uma oportunidade para compartilhar aflições e acolher sugestões sobre o caso da estudante. Com o decorrer da formação, pudemos articular a teoria da educação inclusiva com nossa prática cotidiana. Baseadas nesses princípios, definimos algumas estratégias de ação:
• Estabelecer interlocução com os profissionais da unidade, em todos os tempos e espaços educativos, assegurando o atendimento das especificidades de Maria;
• Estabelecer ações colaborativas de todos envolvidos no processo de inclusão, promovendo o apoio mútuo e o compartilhamento das responsabilidades, do planejamento das ações pedagógicas à avaliação;
• Elaborar um plano de atendimento educacional especializado (AEE) para a garota;
• Revisar o projeto político-pedagógico (PPP) da unidade sob a perspectiva da educação inclusiva, consolidando as atribuições e ações do AEE e a atuação intersetorial necessária para garantir o direito à educação de acordo com as prerrogativas das atuais políticas públicas;
• Aproximar-se da família para acompanhar o caso da aluna junto aos serviços e profissionais de saúde; mantê-los cientes acerca das práticas pedagógicas adotadas no contexto escolar por meio de relatos da professora e da participação em Conselhos de avaliação interna.
A família como protagonista
A relação com a família da estudante foi sendo ajustada aos poucos pela escola. Para isso, foi preciso fazer perceberem como Maria apresentava dificuldades em diversos aspectos, desde a educação infantil. Com um canal de diálogo aberto, eles entraram no processo de inclusão como protagonistas na busca por soluções. Embora tenham se deparado com demoras e falhas no sistema de saúde do município, o que os fez buscar profissionais na rede particular, os responsáveis se uniram à equipe pedagógica para pensar no desenvolvimento da aprendizagem da criança.
Plano de AEE
O novo plano de atendimento educacional especializado de Maria teve os seguintes objetivos:
Para a aluna
Desenvolver estratégias e recursos que apoiem sua comunicação expressiva e compreensiva, seu funcionamento cognitivo, suas funções executivas (capacidade de dar sentido aos acontecimentos e às atividades, antecipar, dar propósito) e suas habilidades socioemocionais.
Para a aluna, em interlocução com a professora da sala comum, o AEE e demais profissionais
Criar espaços de diálogo entre o atendimento educacional especializado, a sala de aula regular e os profissionais da saúde para formulação de estratégias comuns.
Ampliar a relação da estudante com símbolos comunicativos para expressão cotidiana; realizar estudos de aprofundamento teórico e reflexivo sobre práticas pedagógicas inclusivas.
Para a aluna, na interlocução com a gestão escolar
Realizar o planejamento, o acompanhamento e a avaliação dos recursos e estratégias pedagógicas e de acessibilidade utilizadas no processo de escolarização, prevendo e firmando ações entre ensino regular e AEE.
Para a aluna, em interlocução com a família
Evidenciar para os responsáveis as possibilidades de aprendizagem da garota, as adequações em relação ao ambiente (casa/escola) e aos materiais/instrumentos e as ações colaborativas a serem desempenhadas para a aluna e com a aluna.
Para a aluna, em interlocução com colegas de classe
Estimulá-los a interagir com a estudante, desenvolvendo também neles a competência na utilização de recursos de comunicação.
Deslocamentos nos diversos espaços da escola.
Etabelecimento de contato com todos.
Resultados e continuidade
A interação com os colegas e a permanência em sala de aula foram as primeiras conquistas alcançadas. Hoje, a aluna interage com todos. Ela prefere brincar e dividir o espaço com os amigos envolvidos em brincadeiras mais agitadas. Ao articularmos a sala regular, com o atendimento educacional especializado (AEE) e a gestão, conquistamos a aproximação do pai de Maria, tanto no âmbito familiar quanto junto à escola.
Para o Serviço de Educação Inclusiva e Atendimento Multidisciplinar de Peruíbe, os estudos oferecidos pelo DIVERSA presencial colaboraram significativamente na construção de um novo olhar sobre o processo da educação especial na perspectiva da educação inclusiva. A oportunidade de participar da formação em serviço enriqueceu as investigações sobre a inclusão em nossas escolas e nos fortaleceu diante do compromisso de garantir acesso e qualidade no processo educacional.
* Nome fictício.
Projeto participante do DIVERSA presencial 2017.