Apesar do consenso de que a participação das pessoas com deficiência é um direito inquestionável, muitos professores e gestores escolares ainda resistem, declarando-se despreparados para concretizá-la. Até mesmo educadores que se dizem favoráveis à inclusão de pessoas com deficiência admitem exceções, alegando não terem o “preparo necessário”.
Já em 1994, a Declaração de Salamanca enfatizava de forma quase redundante que “educação para todos efetivamente significa para todos”. Requisitos, restrições e exceções são inerentes à lógica da integração. Na inclusão, todos têm direito à educação. E “todos” significa todos. Simples assim. E não se trata só de acesso. A Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência, ratificada no Brasil com equivalência de emenda constitucional em 2008, garante participação efetiva, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, para o pleno desenvolvimento do potencial do educando.
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Mas tal garantia não indica que a escola saberá, de antemão, como fazer isso. Até porque isso nem seria possível. Durante muito tempo, acreditava-se que era possível generalizar pessoas e, assim, padronizar estratégias terapêuticas e pedagógicas a partir de um mesmo quadro diagnóstico. Atualmente, já sabemos, por experiência, que essa noção é no mínimo simplista. Ainda que apresentem pareceres diagnósticos absolutamente iguais, duas pessoas podem reagir às mesmas intervenções de maneiras (bem) diferentes. Ou seja, a ideia do preparo prévio nada mais é que um mito.
Não há “receitas prontas” nesse sentido. O ativo é a presença. Ou seja, a escola não tem mesmo como saber, antecipadamente, como proceder com uma criança ou adolescente com base em seu diagnóstico. E isso não se aplica somente a pessoas com alguma deficiência, já que a diferença é própria da condição humana. O processo de aprendizagem de cada estudante é singular.
O mito do preparo
A ideia de que a escola precisa, antes, estar pronta, para depois receber os alunos com deficiência é baseada em uma expectativa ilusória de um saber pronto capaz de prescrever como trabalhar com cada criança. Vygotsky enfatiza que a condição humana não é dada pela natureza, mas construída ao longo de um processo histórico-cultural, pautado nas interações sociais realizadas entre o homem e o meio. Ou seja, o preparo do professor no contexto da educação inclusiva é o resultado da vivência e da interação cotidiana com cada um dos educandos, com e sem deficiência, a partir de uma prática pedagógica dinâmica que reconhece e valoriza as diferenças. Não há especialização capaz de antever o que somente no dia a dia poderá ser revelado.
Além disso, a insegurança expressa no argumento da falta de preparo revela, muitas vezes, a fragilidade da escola em lidar com a diferença. Por trás do discurso aparentemente “responsável” de que as escolas não estão prontas para receber determinados alunos por serem incapazes de suprir suas necessidades, de lidar com as suas dificuldades e de oferecer recursos ou pessoal adequados, está, muitas vezes, a noção de que alguns estudantes não são ou não estão aptos a frequentá-las devido a suas condições, o que remete à lógica da integração.
Como incluir um aluno que desafia a escola?
A educação inclusiva é um processo contínuo e dinâmico, que implica a participação de todos os envolvidos, inclusive do próprio educando. Por isso, é importante, antes de qualquer coisa, garantir sua presença na escola. Para que a equipe pedagógica possa conhecê-lo bem e assim buscar identificar meios de garantir sua inclusão efetiva.
Em uma das respostas à pergunta “Como fazer adaptações curriculares para alunos com deficiência intelectual?”, do fórum da Comunidade DIVERSA, a assessora em Educação Inclusiva Marília Costa Dias enfatiza a importância de isso acontecer de modo colaborativo. Todos os envolvidos, inclusive a família, precisam participar desse processo investigativo. Marília aponta também a importância de “oferecer apoios aos estudantes que precisam de algum tipo de ajuda para realizar as propostas” a fim de garantir o “direito à igualdade de oportunidades”, reiterando que “é preciso conhecer muito bem os alunos para saber qual é o apoio que necessitam”. A propósito, a Convenção da ONU, já mencionada, garante medidas de apoio para pessoas com deficiência, no âmbito do sistema educacional geral, objetivando sua “inclusão plena”. A principal medida de apoio é o atendimento educacional especializado (AEE).
Uma escola inclusiva é uma escola que inclui a todos, sem discriminação, e a cada um, com suas diferenças. Perseguindo a aprendizagem de forma ampla e colaborativa, oferecendo oportunidades iguais para todos e estratégias diferentes para cada um, de modo que todos possam desenvolver seu potencial.
Raquel Paganelli é mestre em educação inclusiva pelo Instituto de Educação da University College of London, atua nas áreas de consultoria e formação de professores e faz parte da equipe DIVERSA.
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Comentário
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Faz-se necessário, e chega a ser gritante a necessidade de mudarmos nossas práticas pedagógicas, nosso pensar, e colocar em prática uma nova forma libertadora de educar, pois as escolas estão perdidas e assim perdendo as suas crianças, por não trabalharem de forma humanizadora, respeitando o diferente, e buscando compreender em sua plenitude o que realmente ” É DIREITO DE TODOS”, EM ALGUM MOMENTO NESSA TRAJETÓRIA NOS PERDEMOS, pois, ouvir de alguns educadores discursos pregando segregação é imoral, ilegal e inconstitucional. Chega discursos bonitos e cheios de palavras sem sentidos. A hora é agora.