Meu primeiro contato com Augusto (nome fictício) aconteceu quando comecei a trabalhar como professora infantil em uma creche municipal. A sala abrigava 28 alunos e Augusto era um deles. Embora as condições do local fossem favoráveis à aprendizagem, Augusto se mostrava apático, aprisionado em mundo só dele. No meu primeiro dia de aula, ele acordou todo molhado e sujo, pois havia brincado no parque pela manhã. Minha sugestão foi um banho e ali em meio ao sabonete e à água quente começou uma grande amizade.
Augusto tinha quatro anos, mas estava em uma sala com crianças de três anos, pois não apresentava desenvolvimento necessário para estar com crianças maiores. Ele se isolava das atividades em grupo, não respondia quando solicitado, não falava, não reconhecia seu calçado nem seus objetos pessoais, não tinha nenhum amigo, não conseguia comer sozinho, não tinha controle do esfíncter (motivo pelo qual sempre estava molhado) e apenas emitia um som quando caia ou perdia um brinquedo para um amigo.
Comecei a prestar mais atenção em Augusto, em seu sono, sua alimentação, suas atividades em sala, na sua falta de relacionamento com os amigos. Então, elaborei alguns cartazes para serem colocados em lugares estratégicos na sala com regras de convivência, utilizando personagens conhecidos de gibis, o que facilitou muito o entendimento das crianças. Aos poucos eles foram aprendendo a pedir desculpas, por favor, e o relacionamento entre a turma melhorou consideravelmente.
Em um dia de chuva levei o DVD da Arca de Noé (Diante do Trono) que falava justamente de obediência e as crianças adoraram e se identificaram muito com as situações. Percebi que Augusto se sentiu feliz e pela primeira vez demonstrou isso. Quando não usava o recurso do DVD, levava o mesmo gravado em CD. Um dia para minha surpresa, Augusto estava com as mãozinhas na caixa de som sentindo as vibrações da música olhou pra mim e sorriu, foi ali naquele instante que senti que tudo seria diferente.
Comecei a utilizar fantoches para contar histórias, rasgar revistas para ajudar no desenvolvimento da motricidade, pintar com guache com as mãozinhas, correr pelo parque, brincar com lego, cantar músicas.
Augusto começou a participar das atividades, já se alimentava sozinho, acompanhávamos ao banheiro de hora em hora e aos poucos já ia sozinho, um dia para minha surpresa enquanto acordava outras crianças, ele começou a trazer o calçado de cada uma delas e colocar perto dos colchões de onde estavam deitadas, minha alegria foi tanta que talvez seja difícil colocar em palavras.
Ele progredia a olhos vistos e já tinha um amigo, com o qual brincava o dia inteiro. Embora em alguns momentos não soubesse realizar a atividade, seu amigo lhe mostrava como fazer e seguiam adiante. Os amigos eram solidários e todas as vezes que acontecia algo diferente, eles corriam para socorrê-lo.
Aos poucos fui descobrindo que Augusto morava com os avós, sua mãe tomava remédios antidepressivos e durante a gestação teve alguns problemas. Ele era atendido por médicos especialistas, mas nunca tive nenhum laudo em minhas mãos. Hoje sei que ele era autista, daí sua dificuldade em ter amigos, embora não apresentasse nenhum problema de audição, cognição e tonicidade muscular, sua maior necessidade era ser aceito, era fazer parte, ser inserido, ser visto como indivíduo e entre todas as suas necessidades, a maior era afeto.
Na festa de Natal, Augusto corria, brincava e dançava com seus amigos. Seus avanços chamaram a atenção da diretora da escola que reconheceu seu progresso e sentiu muito pela minha saída da escola, já que o contrato era de apenas um ano.
JEAN CLARA DE SOUZA GODINHO, PROFESSORA DE EDUCAÇÃO INFANTIL