Até os 12 anos de idade, Pedro nunca havia participado de uma aula de educação física. Estudante do 7º ano da Escola Municipal Dom Orione, em Belo Horizonte (MG), o garoto apresenta tetraplegia, não fala e movimenta a cabeça e parcialmente as mãos. Da cadeira de rodas, enquanto seus colegas corriam, pulavam e praticavam esportes em quadra, restavam a ele duas opções: assistir ou distrair-se na biblioteca, junto ao monitor. Esse cenário de exclusão mudou, contudo, após descobrirmos a bocha inclusiva.
O vídeo está disponível com recursos de acessibilidade em Libras e audiodescrição.
Localizada na região da Pampulha, na capital mineira, a Dom Orione oferece ensino fundamental I e II, nos turnos da manhã e tarde, e educação de jovens e adultos (EJA) nos períodos vespertino e noturno. Em 2015, nossa escola foi selecionada para participar do Portas abertas para a inclusão. A partir da formação, passamos a entender que a participação do aluno na educação física poderia contribuir para sua formação geral e melhora em aspectos motores, cognitivos, afetivos e sociais.
Após algumas pesquisas, encontramos uma atividade com esse potencial. Em sua versão adaptada, a bocha é praticada por pessoas com severo comprometimento motor, sendo, inclusive, um esporte paralímpico. Com o uso de bolas moldáveis, calhas e ponteiras e a criação de regras próprias, fizemos uma “adaptação da adaptação” que permitiu a Pedro participar das aulas de educação física com seus amigos pela primeira vez.
Estratégias antes do jogo: desenvolvendo a comunicação
Como o estudante não falava, nossa primeira ação foi estimular sua expressão. A professora do atendimento educacional especializado (AEE) criou uma prancha de comunicação alternativa e aumentativa com uma coletânea de imagens e símbolos com atividades cotidianas, como tomar lanche ou ir ao banheiro, para que o garoto pudesse expressar suas vontades e interesses. Após um período de trabalho na sala de recursos multifuncionais (SRM), o método foi introduzido nas aulas de educação física.
Paralelamente, realizamos reuniões com a família para apresentar a proposta da prancha e seus possíveis benefícios. Em cerca de dois meses, ele passou a identificar de forma clara os sinais de “sim” e “não”. Entretanto, a estratégia não funcionou integralmente: para as demais imagens, não foi possível identificar um padrão de resposta, pois o aluno precisava se esforçar demais para mexer os braços.
O segundo passo foi estabelecer uma parceria com o programa Superar da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (SMEL) de Belo Horizonte. O projeto não tem vínculos com escolas, mas é um importante centro de referência em esportes adaptados da cidade. Lá, nos reunimos com alguns dos profissionais para planejar ações inclusivas. Em uma segunda visita, os 30 colegas da turma puderam vivenciar a bocha e conhecer os materiais específicos para praticá-la. Esse foi um momento marcante, pois os demais estudantes viram que Pedro tinha capacidade de jogar com eles e compreenderam as diferenças entre limitação e incapacidade. Mais importante, eles perceberam que todos são capazes de aprender.
A bocha inclusiva
A terceira estratégia do projeto foi a implementação da bocha inclusiva nas aulas de educação física. Nas aulas teóricas, a classe aprendeu a história, as características, os jargões e as regras gerais do esporte. Depois, assistiram a vídeos da prática e realizaram um trabalho sobre o conteúdo apresentado. A partir das experiências vividas no programa Superar e do conhecimento adquirido nas aulas, iniciamos a atividade prática.
Como Pedro tinha domínio do movimento com a cabeça, ele usava o pescoço para realizar a empunhadura – movimento de segurar a bola antes do lançamento. Em conjunto, a turma confeccionou as bolas e a calha de rolagem para serem usadas nas partidas. Os alunos jogaram em duplas, variando a forma de arremesso: em pé, sentados ou com a calha, para igualar o grau de dificuldade de Pedro. Eles se alternaram na função de calheiro, jogador que direcionava o cano conforme as instruções do garoto, que indicava direita ou esquerda levantando a mão correspondente.
Resultados da iniciativa
De maneira geral, todos gostaram da atividade e se mantiveram engajados e motivados. Pedro, principalmente, demonstrou muita satisfação e alegria em jogar com seus amigos. Com a bocha inclusiva, a turma compreendeu suas dificuldades e potencialidades e se aproximou mais dele, inclusive em outras disciplinas. Em uma das conversas de avaliação, um dos colegas de sala relatou: “o que mais gostei foi ver o Pedrinho fazer uma atividade esportiva com a gente”.
A iniciativa também despertou o interesse de outros professores da escola. O de história, por exemplo, pediu ajuda a docente do AEE para planejar uma atividade sobre o descobrimento do Brasil em que o garoto pudesse responder com os sinais de “sim” e “não” trabalhados com a prancha de comunicação.
Estamos muito satisfeitas com o desenvolvimento do projeto. Sabemos que esse é ainda o primeiro de muitos passos em direção à implementação de uma prática pedagógica verdadeiramente inclusiva na Escola Dom Orione. Contudo, hoje temos a certeza de que esse é um trabalho possível.
Projeto participante do curso Portas Abertas para a inclusão 2015. Esta experiência faz parte da Coletânea de práticas 2015.