A realização dos Jogos Olímpicos e das Paralimpíadas no Brasil, em 2006, e nossa participação no curso Portas abertas para a inclusão nos motivou a propor algo diferente para as aulas de educação física do Centro de educação infantil (CEI) Professor Ulisses Falcão Vieira, em Curitiba (PR). Para estimular os estudantes a se colocarem no lugar do outro, aproveitamos o gancho da competição para realizar um torneio de modalidades esportivas adaptadas e paralímpicas na escola.
Na época, o CEI atendia cerca de 960 alunos da educação infantil e do ensino fundamental I. Desses, 22 eram público-alvo da educação especial. Para nos auxiliar na iniciativa, contamos com o apoio da Coordenadoria de atendimentos de necessidades especiais (CANE), órgão da Secretaria de Educação do município.
O projeto foi realizado com crianças do 1º ao 5º ano do período da tarde. Diferentes membros da equipe pedagógica (diretor, vice-diretor, coordenadores, professores) e uma profissional do atendimento educacional especializado (AEE), representante da CANE, participaram do planejamento das ações. Essa articulação ocorreu de maneira colaborativa ao longo do desenvolvimento do torneio.
Como a escola tinha um número grande de estudantes com deficiência, nossa preocupação era chamar a atenção dos demais para as potencialidades desses colegas, derrubando os estigmas que associam as pessoas com deficiência à incapacidade. A partir disso, estabelecemos que os objetivos das Paralimpíadas na escola seriam: proporcionar a todos vivências relacionadas à motricidade e motivar reflexões sobre educação inclusiva.
Paralimpíadas na escola
Primeiro, realizamos uma pesquisa sobre as Paralimpíadas com os alunos dos quartos anos. Os resultados surpreenderam, pois muitos não conheciam os jogos. Instigados com esse estudo, eles passaram a acompanhar a competição pela televisão e a comentar na escola sobre o grande número de medalhas ganhadas pelo Brasil. A atividade foi seguida por uma roda de conversa sobre esportes paralímpicos e flexibilizações de atividades esportivas.
Na segunda etapa foram escolhidos os jogos e brincadeiras que fariam parte do torneiro. Priorizamos atividades que estimulassem diferentes habilidades e vivências. Para aumentar nossas opções, fizemos uma enquete com os pais para saber quais eram seus passatempos favoritos na infância. Depois, os estudantes sugeriram mudanças nas regras dessas atividades para a garantir que todos participassem.
A empreitada terminou com a Semana paralímpica. A abertura dos jogos foi feita por um grupo de dança da Associação de pais e amigos dos excepcionais (Apae) de Curitiba. Isso nos mostrou a potência de parcerias com outras entidades e com membros da comunidade. A “cerimônia” também teve o desfile da tocha olímpica e o acendimento da pira.
O projeto se estendeu, então, para as aulas de educação física. A cada semana, os professores da disciplina trabalharam com as turmas um diferente esporte paralímpico ou adaptado.
+ Entenda a diferença entre educação física inclusiva e adaptada
As atividades escolhidas
Foram praticadas a bocha, o vôlei sentado, a corrida vendada, o futebol em dupla e com vendas nos olhos e o golbol.
• Golbol: enquanto um time deveria fazer um gol sem que seus jogadores saíssem do lugar, o outro tinha que impedir a ação. Cones delimitavam o espaço da quadra. O gol possuía uma corda marcando a altura máxima dos arremessos. A bola foi produzida na própria escola, com isopor, guizos (para ajudar na orientação) e fitas adesivas coloridas.
• Corrida vendada: enquanto um membro da dupla fazia o trajeto com os olhos tampados, o outro deveria guiá-lo. Na sequência, os papéis se invertiam. Após algumas rodadas, como forma de exercitar a confiança, os professores pediam que as duplas fossem trocadas. A atividade era iniciada com uma caminhada simples de mãos dadas. Depois, foram adicionadas barreiras de atletismo. O guia deveria avisar o colega quando saltar.
• Vôlei sentado: como na modalidade tradicional, os times tinham seis jogadores e a missão de passar a bola para o outro lado da rede. A regra adicionada foi a de não se levantar do chão para fazer os arremessos. Outro diferencial foi a missão de segurar a rede: a cada rodada, uma dupla foi responsável por manter a divisão da quadra em uma altura adequada para todos. Ainda que ficassem paradas nessa função, as crianças gostaram da responsabilidade.
Ao vendarmos os estudantes sem deficiência para certas atividades, pretendíamos que eles se colocassem no lugar das crianças com deficiência e valorizassem suas formas de praticar esportes. A ação pareceu surtir efeito. Nas rodas de conversa, os alunos sem deficiência comentaram coisas como: “Eles são muito bons nesse esporte. Eu não conseguiria fazer isso”, ou ainda: “como é difícil estar vendado e ter que confiar no colega”.
Resultados e continuidade
As Paralimpíadas na escola envolveram cerca de 1.030 pessoas, entre equipe diretiva, pedagógica, professores, funcionários, estudantes e familiares. As estratégias adotadas possibilitaram a criação de empatia à medida que despertaram nas crianças sem deficiência a visão das potencialidades de seus colegas. Foi possível promover o respeito às diferenças e reconhecer as barreiras impostas às pessoas com deficiência pelo ambiente e pela atitude dos outros.
Os alunos participaram ativamente de todas as etapas e ações. Eles tiveram atitudes de cooperação e desafiaram-se diante das limitações impostas por determinada regra ou condição de jogo. O projeto também possibilitou que educandos com e sem deficiência que tinham dificuldades com a educação física passassem a participar das aulas com mais entusiasmo. Isso melhorou o modo de se envolverem com as rotinas da escola e criou uma cultura em que os estudantes com deficiência são considerados na construção de atividades corporais.
Nossa intenção é de que as Paralimpíadas na escola continuem a ser realizadas nos anos seguintes, envolvendo também as turmas do período matutino.
Projeto participante do curso Portas abertas para a inclusão. Esta experiência faz parte da Coletânea de práticas 2016.