Para alfabetização, educadoras criam livro didático em Tupi Guarani

No litoral sul de São Paulo, temos nove escolas indígenas e 12 salas, vinculadas às escolas, que atendem à população indígena. No município de Peruíbe, onde eu dou aula, temos três escolas indígenas e seis vinculadas. Na escola indígena, a sala é multisseriada, atendendo desde o ensino infantil até o 9º ano do ensino fundamental.

Falando de inclusão, nós ainda temos que avançar muito. Na terra indígena Piaçaguera, temos um estudante com deficiência auditiva. Ele e outras pessoas com deficiência auditiva sinalizantes têm direitos comunicacionais garantidos com a regulamentação da Lei Nº 10.436/2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras), e com o Artigo 18 da Lei Nº 10.098/2000, que diz respeito à formação de profissionais intérpretes.

É necessário trabalhar com esse estudante a língua de sinais, e ele também precisa fazer um acompanhamento junto ao grupo de saúde, atendimento que é feito pela Secretaria Especial de Saúde (SESAI).

A inclusão também acontece também dentro da escola indígena. Embora ainda não tenhamos estrutura suficiente para o atendimento ideal, atendemos e acolhemos todos as crianças e jovens matriculados.

Educação escolar indígena

A educação escolar indígena tem como objetivo fortalecer o nosso modo de vida dentro da comunidade, como nossos cânticos, comidas típicas, a língua materna, tudo que envolve a cultura.

Para ter uma sala de aula dentro da comunidade indígena, a educação precisa ser diferenciada em todos os sentidos: tem que ser acolhedora, dar segurança, responsabilidade e amor, para que os estudantes tenham orgulho de sua cultura e tradição.

Atualmente, nosso maior desafio é a resistência de manter a nossa cultura dentro da comunidade. Nós, professores, temos nosso próprio plano de aula e também usamos o currículo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Em sala de aula com paredes de madeira, três crianças indígenas estão sentadas à mesa, fazendo trabalho manual com papel e cola. Fim da descrição.
Fonte: arquivo pessoal.

Saiba mais

+ Educadoras realizam projeto extracurricular em comunidade indígena
+ “Nossas vozes são importantes, fazemos a diferença na nossa geração”

Na sala de aula, o professor vai passar conteúdos de português, matemática, ciências, geografia e demais disciplinas, mas sempre fortalecendo o conhecimento ancestral da cultura indígena. O plano de aula pode ser dentro da sala, na casa de reza, em uma trilha – para conhecer as plantas medicinais -, ao ar livre, embaixo da árvore.

Trabalhamos com o coletivo, onde envolvemos mães, pais e responsáveis e os anciãos, para estarem juntos na atividade desenvolvida com o educador.

Ter uma escola diferenciada, hoje, dentro da comunidade indígena, é um ato de resistência, de mostrar para o indígena, para o estudante, quando ele for estudar fora da localidade, em uma escola do ensino médio ou fazer uma faculdade, que ele deve ter orgulho de sua identidade e não desista de lutar pelos povos indígenas.

Livro em Tupi Guarani

Nós temos nossos próprios planos de aula, mas isso não estava se expandindo, então chegou até nós, professores da comunidade Tapirema, a ideia de produzir um material didático com atividades lúdicas em escrita Tupi Guarani.

Essa prática dá mais visibilidade tanto para o professor quanto para a aluna e aluno indígena, e pode se expandir para outras comunidades, fazendo com que professores novos tenham referências.

Em um trabalho colaborativo com as professoras Fabíola, Catarina e Graciane, elaboramos um livro didático pensando na alfabetização das crianças. O livro tem o objetivo de fortalecer a cultura, além de desenvolver o conhecimento na parte escrita da oralidade.

Nossa dificuldade foi realizar a impressão e produção do material para que ele chegasse à aldeia. Mas com parceria da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da educadora Karen Villa Nova, deu tudo certo.

Sobre mesa, dois exemplares do livro “Kwatiá nhandewa rupi”, de autoria das educadoras Catarina Delfina, Fabiola dos Santos e Guaciane Gomes. Do lado esquerdo, dois exemplares do livro “Ferramentas para autonomia”. Ao fundo, livro “Marãi djaedja mba’eatsy wairii mombyry ndegwi a’egwi nde tekoá gwi”.
Fonte: arquivo pessoal.

Em um primeiro momento, Karen veio à aldeia para ajudar a produzir o documentário “A terra me disse”. Conversando as educadoras indígenas, ela perguntou qual era a nossa necessidade na escola. A partir daí, começamos a trabalhar na produção do livro, e fizemos isso por dois anos para o material ser publicado.

Ficamos muito felizes com a chegada desse livro na escola, pois, com ele, podemos fazer várias outras pontes dentro da educação. É muito importante desenvolver esse trabalho para uma educação diferenciada e de qualidade. Nosso modo de vida hoje, que muitas vezes não é respeitado, segue sendo a maior luta e resistência da educação escolar indígena.

O resultado foi muito bom e eu fico muito feliz porque é um trabalho de formiguinha, mas que vem dando certo com as crianças. Ver as escolas enviando vídeos das crianças lendo o livrinho e ver todo mundo usá-lo como referência é nossa maior felicidade e eu fico muito grata com os resultados!

Aewete katu nhanderú 🙏🏾(“obrigado, Deus”, em Tupi Guarani).

Leia mais

+ Inspire-se com escritores e práticas que promovem a inclusão
+ Docentes abordam os impactos positivos da educação ambiental

Deixe um comentário