Diretora executiva de instituição que realiza programa na Bulgária fala sobre os desafios para a construção de uma educação realmente inclusiva
Para acabar com atitudes negativas em relação à educação inclusiva, a Association for Shared Learning ELA, na Bulgária, fornece apoio às escolas para a criação de ambientes escolares inclusivos por meio do programa “One School For All”.
O DIVERSA publicou, na seção DIVERSA pelo mundo, mais detalhes sobre o projeto, que trabalha a gestão escolar; as práticas em sala de aula; o diálogo com os familiares; e a segurança infantil, com objetivo de garantir o acesso, a participação e o aprendizado de todas as crianças.
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Para conhecer um pouco mais sobre a experiência inclusiva, a equipe do Diversa conversou com Iva Boneva, diretora executiva da instituição. Ela explica que uma das principais barreiras atualmente no país é a atitudinal. Por isso, um dos passos da instrução e do acompanhamento dado por meio do projeto é deixar claro o papel de cada educador para garantir a construção de ambientes escolares inclusivos.
Confira a entrevista na íntegra:
DIVERSA – Para começar, como a pandemia está afetando as ações do programa “One school for all”?
Iva – Todas as escolas estão fechadas e os professores estão trabalhando on-line. Mas nem todos os professores sabem como trabalhar dessa forma. E muitos estudantes com quem trabalhamos não têm computadores, nem internet. Então, o Ministério da Educação diz que está tudo bem, mas não está. Os professores estão imprimindo os materiais e os levando aos “guetos” [comunidades em vulnerabilidade social] para as crianças estudarem. Mas a verdade é que muitas crianças estão sendo deixadas para trás.
No momento, temos quatro cursos on-line que foram desenvolvidos durante o programa e que eram pagos, mas os disponibilizamos gratuitamente no site. Milhares de professores estão realmente fazendo os cursos. Espero que isso os ajude a entender seus objetivos. Outra coisa que estamos fazendo é conversar com muitos professores e diretores, como conselheiros locais. Eles não sabem como fazer. Portanto, é um apoio psicológico.
Ou seja, o programa como conhecemos não está acontecendo. Apenas suporte psicológico para professores e treinamentos on-line. Mas, quando a quarentena terminar no próximo ano, talvez eles precisem de mais treinamento sobre como trabalhar com os estudantes que foram deixados para trás. O ministério disse que terminará o ano on-line.
Quais são os maiores desafios enfrentados pelas equipes escolares na criação de ambientes escolares inclusivos?
O maior desafio foi, e ainda é, e sempre será o mesmo… Para mudar o ambiente nas salas de aula e na escola, os professores precisam mudar a si mesmos, seu pensamento e sua compreensão das crianças. Eles precisam mudar de atitude, o que é muito difícil de fazer.
Os professores perguntam “Diga-me o que fazer” e pensamos “Não podemos dizer o que você tem que fazer com cada aluno da sua turma”. Para ser capaz de ensinar a diferentes alunos, o professor precisa entender seu objetivo: “Por que você se tornou professor? O que você espera de si mesmo? Por que você ainda é professor? Você acredita que todo aluno pode conseguir alguma coisa?”.
É um processo muito longo para mudar atitudes e começamos com filmes, livros, teatro… Também fazemos grupos para apoio psicológico e os deixamos discutir. Então, quando eles dizem “esse não é meu trabalho, não é o que eu vi na universidade. Eles vêm sujos, cheiram mal. Os pais não se importam com eles”, dizemos: “Sério? Você acha que os pais não se importam com eles?”.
Em seguida, tentamos ajudá-los a encarar as coisas de uma perspectiva diferente, não para culpar a criança, a deficiência, os pais, o sistema, mas para pensar no que eles podem fazer e se querem fazê-lo. Porque se eles não querem, não há nada que possamos fazer. Não há receita, não há como consertar uma criança, nenhuma criança. Você precisa conhecer a si mesmo e conhecer a criança, e isso é muito difícil.
O programa possui quatro áreas principais de desenvolvimento escolar. Quais são os desafios nas outras áreas? Com a família e com os diretores?
Os desafios são muito parecidos. Por exemplo, ao trabalhar com as famílias, os professores geralmente acreditam que as mães e os pais de crianças com deficiência, por viverem em muitos casos em comunidades muito pobres, são irresponsáveis, não são educados, não sabem o que fazer… Portanto, eles têm essa visão muito condescendente dos pais.
E os familiares têm medo de ir à escola. Porque quando eram crianças, por exemplo, eram muito maltratadas. Então agora, quando seus filhos vão à escola, eles não querem ir. É muito difícil conseguir familiares nas escolas e começar a conversar com eles.
Mas os professores aprendem algo, damos exemplos a eles da realidade das famílias. E, então, eles dizem “Ok, suas vidas não são fáceis” e “Isso não é uma vida fácil, mas eles ainda conseguem mandar seus filhos para a escola, isso é alguma coisa”. Se as famílias não valorizam a educação, é porque simplesmente não entendem e não porque são mal educadas.
Se é uma criança com deficiência, tentamos nos encontrar com os familiares (eles geralmente têm uma família monoparental, a maioria dos pais fugiu) e basicamente vemos qual é o outro lado dos pais, o que os pais fazem bem. Então, existe um entendimento mútuo.
Além disso, estamos sempre tentando evitar o paradigma de caridade, porque os professores estão muito envolvidos na caridade com os pais. Eles acreditam que, quando incluem a criança, estão fazendo caridade e isso não é igualdade, não é justiça. Por isso, estamos tentando mudar isso com diferentes exercícios.
Os diretores de muitas escolas são iguais. O diretor é como o dono da escola. Ele pode fazer muitas coisas sem perguntar a ninguém. E, como muitos professores não querem fazer nada com as crianças com deficiência, o que diretores precisam é aprender a consultar os professores e serem respeitosos, mesmo que professores digam “Esse não é meu trabalho, estou aqui para ensinar matemática”.
Alguns cenários ajudam professores a entenderem as crianças e, a seguir, tornar as práticas pedagógicas as suas preferidas. Treinamos os professores para usarem métodos alternativos de ensino, inclusivos. Trocamos professores entre as escolas e os reunimos, os deixamos discutir entre eles mesmos. Porque quando um professor diz: “Não posso trabalhar com pais problemáticos, eles não se importam”; outro professor diz: “Eu trabalho muito bem com pais problemáticos, eles me ajudam, eles vêm para a escola, eles dançam nos festivais”; é muito melhor do que se disséssemos “Você deve trabalhar com os pais”.
Vocês viram mudanças nessas relações com o programa?
Já passaram cinco anos do programa e vimos mudanças. E, quando fizemos a avaliação, percebemos que foi o que os professores disseram sobre si mesmos, e que a relação deles com as crianças e as famílias é a maior mudança.
Como vocês monitoram e avaliam o programa nas escolas?
Isso é muito difícil. Enviamos questionários para os dados da linha de base. E também temos perguntas sobre atitudes.
Por exemplo, perguntamos a eles de quem é a responsabilidade da inclusão das crianças. No início do projeto, 73% ou 74% dos professores disseram que a responsabilidade era do ministro da educação. Ao final do projeto, cerca de 30% realmente disseram “É minha responsabilidade”.
Existem muitos questionários, pesquisas e também fazemos muitas discussões em grupos focais e entrevistas. Perguntamos aos estudantes, aos familiares, aos professores e aos diretores. E pedimos que eles preencham pesquisas on-line e off-line. É um processo constante. Há uma sala do escritório cheia com papéis de questionários. Mas também as discussões e entrevistas em grupos focais são muito úteis.
Como vocês acham que o programa impactou os estudantes?
Iva: Não tínhamos indicadores para estudantes. Então, nós não sabíamos. A avaliação externa está acontecendo agora porque o programa está terminando.
O programa afetou os alunos. Eles disseram que os professores começaram a ouvi-los mais e há mais participação das crianças na escola. No início, os professores não acreditavam que as crianças pudessem decidir por si mesmas ou ter algo importante a dizer, porque não é assim que nosso currículo funciona. É basicamente a abordagem professor-criança, de cima para baixo. Mas eles disseram que os professores não são mais os mesmos.
E vocês acham que o programa também afetou o aprendizado dos alunos?
Nós ajudamos os professores a monitorar o aprendizado com alguns dispositivos, como tabelas do Excel. A intenção é ver o resultado dos alunos, para que eles saibam o que encaminhar. E, em algumas escolas, os professores relataram que essa estratégia afetava o melhor aprendizado das crianças. Então, é lógico que impactou. Não em todas as escolas, por isso não posso dizer, mas definitivamente em algumas escolas.
Falando sobre a Bulgária, qual é o status atual da educação inclusiva na Bulgária? Quais são os principais documentos legais sobre educação inclusiva?
A lei mudou. Mudamos em 2016. Levamos sete anos para fazer isso e agora a educação inclusiva é imperativa. Portanto, toda escola deve aceitar todas as crianças, sem exclusões. É uma legislação muito boa, mas ainda não está em prática.
Como você acha que a educação inclusiva beneficia a aprendizagem e a participação de todos?
É muito bom para todos! Porque, quando nossos filhos não estão estudando juntos, como vão viver juntos depois? Percebemos a diferença, principalmente se você começar das séries iniciais, com seis ou sete anos de idade, ou antes disso no jardim de infância. É muito fácil as crianças aceitarem outras crianças e os pais também darem sua compreensão aos professores.
Além da educação inclusiva, sua instituição trabalha para incluir pessoas com deficiência em outras esferas sociais?
Temos exemplos de trabalho com vida independente para adultos e de tecnologias assistivas, mas nos concentramos nas escolas e na educação. E nossa mensagem é que devemos falar não sobre deficiências, mas sobre diversidade e equidade. Não há receita para consertar deficiências, é apenas diversidade, é sobre equidade e inclusão. Não vamos nos concentrar em crianças com deficiência, vamos nos concentrar em como a classe funciona. Isso foi uma novidade muito grande em nosso sistema.
O projeto “One School For All” foi reconhecido na Zero Project Conference 2020, como prática inovadora em educação inclusiva.
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