Superação coletiva

Superar. Esse é um dos verbos mais utilizados por campanhas da mídia voltadas à defesa dos direitos das pessoas com algum tipo de deficiência. Filmes, comerciais, novelas, noticiários e outros roteirizam-se, em geral, a partir da narrativa de uma pessoa com impedimentos físicos, sensoriais ou intelectuais que, a partir do seu esforço individual, supera as desvantagens impostas por sua condição. O mito do herói, nesse caso, concentra-se em vitórias sobre características que estão exclusivamente na pessoa. Como exemplo, podemos citar as inúmeras matérias produzidas durante a realização dos Jogos Paralímpicos. Seu conteúdo enaltece a merecida chegada de esportistas ao pódio e busca nos emocionar com a beleza de trajetórias inspiradoras. Na edição de 2016, ganhou repercussão internacional um vídeo que retratava a vida de alguns paratletas, referenciados como “super-humanos”.

É inegável a parcela de contribuição que a mídia tem dado ao tema, na medida em que ajuda a tirá-lo da invisibilidade e a trazê-lo para a vida comum. A cobertura dos referidos Jogos, apesar de ainda tímida, forma espectadores que passam a torcer genuinamente pela vitória de quem alcança a excelência esportiva. No calor da disputa, os impedimentos dos atletas deixam de ser o foco e tornam-se um traço, dentre tantos outros. Ótimo avanço na busca por uma sociedade inclusiva.

No entanto, cabe sempre nos perguntarmos se podemos nos satisfazer com tal abordagem. Em outras palavras, a mídia está num caminho certo? Depende do que almejamos para o futuro. Se nossa visão se contenta com a participação parcial e pontual das pessoas com deficiência, a referida abordagem talvez possa ser entendida como satisfatória. Afinal, o esporte e as novas tecnologias trouxeram ótimas soluções que não requerem mudanças no restante da sociedade. Nesse cenário, nos sentimos, de certa forma, felizes e confortáveis por saber que, finalmente, tais pessoas terão seu lugar na história. A consequência negativa é uma ilusória percepção de que nós, como sociedade, já podemos nos acomodar e omitir nossa parcela de responsabilidade. Qual seria, então, uma visão mais ambiciosa, menos paternalista?

De acordo com o dicionário Houaiss, a palavra superar pode ser traduzida por diferentes verbetes, como vencer, ultrapassar e remover. Remover? Faz sentido? Aqui reside a parcela que precisa ser agregada. Segundo a ONU, a deficiência é resultante da combinação de dois fatores: os impedimentos clínicos que estão nas pessoas e as barreiras que estão na sociedade. Essas barreiras permeiam nossa arquitetura, nossa comunicação, nossos equipamentos, nossos procedimentos e, acima de tudo, nossa atitude. Resumindo, hoje entende-se que a deficiência, como condição social, pode ser minimizada conforme formos capazes de eliminar tais barreiras. Como fazer isso?

Não existe atalho fácil. Tal transformação pressupõe o envolvimento e a energia de todos. Um olhar atento para removermos os obstáculos que aprendemos a naturalizar. Além de nos mobilizarmos para ocasiões pontuais, como os Jogos Paralímpicos, é nosso papel alterar nossas casas, nossos locais de trabalho, nossos espaços de lazer, nossos julgamentos e nossas ações, todos os dias. Se sonhamos com a igualdade, com a paridade de oportunidades, devemos ser suficientemente audaciosos para perceber a insuficiência do foco exclusivo na superação de quem está de fora, excluído. Um horizonte realmente democrático só poderá ser tocado na medida em que todos se enxergarem implicados no complexo processo de incluir. A vitória será duradoura quando a superação for coletiva.

 

Rodrigo Hübner Mendes é fundador do Instituto Rodrigo Mendes, organização que desenvolve programas de educação inclusiva. É mestre em administração pela Fundação Getúlio Vargas (EAESP), membro do Young Global Leaders (Fórum Econômico Mundial) e Empreendedor Social Ashoka.

Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo em 17/04/2017 e disponível em bit.ly/superacao-coletiva.

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