Perspectivas na educação do surdo

A língua de sinais é considerada a língua natural dos surdos, emitida através de gestos e com estrutura sintática própria. A cartilha “Saberes e práticas da inclusão – Dificuldades de comunicação e sinalização: surdez“, do Ministério da Educação (MEC), afirma que:

A língua é um fator fundamental na formação da consciência. Permite, pelo menos, três mudanças essenciais: atividade consciente de o homem ser capaz de duplicar o mundo perceptível, de assegurar o processo de abstração e generalização e de ser veículo fundamental de informação.

Podemos, então, dizer que é por meio da língua que o indivíduo mantém relações com outras pessoas e atua em sua comunidade, interagindo e expondo suas ideias. Sendo assim, podemos entender que a comunicação é, sem dúvida, o eixo da vida do ser humano em todas as suas manifestações como ser social. A linguagem é o meio ideal de transmissão de conceitos e sentimentos, além de fornecer elementos para expandir o conhecimento, pois ela consiste na prova clara da inteligência do homem.

A palavra tem uma importância excepcional, no sentido de dar forma à atividade mental e é fator fundamental de formação da consciência. Ela é capaz de assegurar o processo de abstração e de generalização, além de ser veículo de transmissão do saber. Os indivíduos que ouvem parecem utilizar, em sua linguagem, os dois processos: o verbal e o não verbal. A surdez congênita e pré-verbal pode bloquear o desenvolvimento da linguagem verbal, mas não impede o desenvolvimento dos processos não-verbais.

É importantíssimo ressaltar que o fato de um indivíduo ser surdo não pressupõe que não tenha condições de se desenvolver. Indica, sim, que será necessário oferecer diferentes alternativas de comunicação que possibilitem o desenvolvimento do seu potencial linguístico.

Entre os grandes desafios para pesquisadores e professores de surdos, situa-se o de explicar e superar as muitas dificuldades que esses alunos apresentam no aprendizado e no uso de línguas orais, como é o caso da língua portuguesa. Sabe-se que, quanto mais cedo tenha sido privado de audição e quanto mais profundo for o comprometimento, maiores serão as dificuldades.

Para garantir o melhor desenvolvimento comunicacional do surdo, faz-se necessária a utilização de alternativas de comunicação que possam propiciar um intercâmbio efetivo entre surdos e ouvintes. Tendo em vista o bloqueio auditivo dessas pessoas, tais alternativas devem se basear em outros canais, como a visão, o tato e o movimento. Pessoas com deficiência auditiva têm as mesmas possibilidades de desenvolvimento que as pessoas ouvintes, porém, precisam que tenham suas necessidades especiais supridas. Professores em conjunto com familiares devem buscar alternativas para cada aluno, no sentido de provocar o desenvolvimento pleno de suas potencialidades.

Avanços na educação de surdos

Podemos observar, nos últimos anos, um movimento de mudança na concepção da surdez. Em vez de deficiência, ela passa a ser concebida como diferença, caracterizada, principalmente, pela forma de acesso ao mundo, pela visão, em vez de pela audição, como acontece com os ouvintes. O acesso ao mundo pela visão inclui o direito e acesso à língua de sinais, que, por ser de modalidade visomotora, não oferece dificuldade para ser adquirida pelos surdos.

Esse movimento tem ganhado repercussões e conquistas significativas para a educação de surdos, dentre as quais se destaca a aprovação da Lei Federal 10.098, de 19 de dezembro de 2000, a chamada Lei da Acessibilidade, que prevê a formação de intérpretes para possibilitar aos surdos o acesso à informação; da Lei Federal 10.436, de abril de 2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como língua oficial das comunidades de surdos; e do Decreto Federal 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta os dois documentos anteriores.

Nesse último documento – Decreto 5626 – chamamos a atenção para o uso do termo “surdo” em lugar de “deficiente auditivo”, presente nos documentos anteriores. A pessoa surda é definida como aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Libras. O mesmo documento reconhece o direito dos surdos a uma educação bilíngue, na qual a língua de sinais é a primeira e a língua portuguesa, preferencialmente na modalidade escrita, é a segunda. A modalidade oral do português é uma possibilidade, mas deve ser trabalhada fora do espaço escolar.

Entendemos que a língua de sinais preenche as mesmas funções que a língua portuguesa falada desempenha para os ouvintes e deve ser adquirida, preferencialmente, na interação com adultos surdos que, ao usarem e interpretarem os movimentos e enunciados das crianças surdas em Libras, insiram-nas no funcionamento linguístico-discursivo dessa língua. Ao se referir à educação bilíngue, Lionel Antonio Tovar – especialista colombiano – propõe que, ao mesmo tempo em que se propicia o desenvolvimento linguístico na língua de sinais, deve-se começar um processo de sensibilização em relação à escrita, suas funções e importância. Segundo o autor, o professor pode fazer nascer na criança surda a consciência da utilidade e do prazer da escrita fazendo-a ver sua utilidade em atividades da vida diária. Os adultos próximos devem explicar, em língua de sinais, o conteúdo do texto. Dessa forma, a criança vai sendo introduzida na prática letrada e tem oportunidade, assim, de vivenciar experiências ricas e prazerosas relacionadas à escrita.

A língua de sinais como primeira língua

A língua majoritária escrita é considerada segunda língua, no sentido de que a sua aquisição pressupõe a aquisição da língua de sinais. Vários autores em seus estudos ressaltam que a língua majoritária escrita é a segunda no sentido de que não basta possuir dela um conhecimento fragmentado, como acontece comumente quando aprendemos uma língua estrangeira, mas sim contextualizado. Seu ensino para alunos surdos deve ter como propósito formar leitores e escritores competentes, independentemente do fato de oralizarem ou não.

Tovar chama a atenção para o fato de que não se pode ensinar a língua escrita a um surdo do mesmo modo que a um ouvinte pelo fato de que o surdo não tem um referente oral. Segundo os autores, não são adequados os “métodos” que se baseiam no ensino das letras e de suas combinações em sílabas. Vários autores enfatizam que a criança surda vê palavras no papel e constrói conhecimento linguístico e gramatical por meio da visão. Nesse sentido, recomenda-se que o texto seja trabalhado como um todo e não cada palavra. Visando ao aprendizado da língua portuguesa pelos alunos surdos, a escola deve propiciar o seu uso como prática social, na qual eles possam relacionar forma e função. Em outras palavras, assim como na exposição à língua de sinais, os alunos surdos devem ser inseridos em atividades que envolvam o uso da língua portuguesa em textos autênticos e não adaptados pelos professores, com vocábulos e estruturas frasais simplificados.

Quanto ao letramento da criança surda, a questão se modifica um pouco. A criança surda irá buscar sentido nas palavras como um todo, sua aprendizagem será visual e não auditiva. É necessário que a aprendizagem ocorra na interação do discurso, que essa aprendizagem seja dialógica. Como já foi constatado, o surdo é visual, isto é, para que ele possa entender as mais diversas situações cotidianas, faz uso de sua capacidade de interpretação visual, por meio de figuras, expressões corporais e faciais e afins. É interessante que ofereçamos atividades que possam auxiliar no aprendizado dos mesmos, fazendo uso constante da Libras em suas atividades cotidianas. É importante que o professor faça sempre que possível a junção da imagem à palavra/frase/ordem que é explicitada, como se pode observar no exemplo a seguir:

A figura traz duas instruções. No primeiro quadro, a instrução é circule e a imagem associada é a de uma mão segurando uma caneta e traçando um círculo. No segundo quadro, a instrução é pinte. A imagem que faz a associação é a de uma mão segurando um pincel e pintando uma bexiga de vermelho.
As ordens devem estar associadas a imagens.

Diante de tudo que discutimos até agora, podemos constatar que para a inclusão educacional do aluno surdo é imprescindível a compreensão de suas diferenças em relação ao aluno ouvinte. Tivemos a oportunidade de discutir sobre qual é a importância de adaptações curriculares nas nossas salas de aula para que um surdo aprenda. Pudemos observar a importância das imagens e da necessidade que os alunos possuem de terem acesso a diversos materiais, além da importância da interlocução aluno/professor para sua aprendizagem.


Marcia Regina Zemella Luccas é mestre em distúrbios da comunicação humana – fonoaudiologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Graduada em psicologia pela Universidade Paulista (UNIP) e em pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atualmente é professora da Universidade de Santo Amaro (UNISA), atuando principalmente nos seguintes temas: educação inclusiva, surdez e educação de surdos.

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