Diante do caos instalado pelas consequências da picada do mosquito Aedes aegypti e da ausência de uma percepção dos diferentes fatores econômicos, políticos e sociais resultantes de uma epidemia de Zika, corre-se o risco de se criar uma pandemia de preconceito e discriminação.
A mulher torna-se alvo de uma atenção exclusivamente sanitária, em razão dos efeitos causados pela doença às gestantes. Essas preocupações ultrapassam os limites da prevenção e do cuidado com a saúde e invadem o campo dos direitos humanos por enfatizarem a microcefalia como causadora de deficiência, propalada como a maior das tragédias.
As mulheres são interpeladas a não engravidar e alertadas sobre a desgraça individual de se ter um filho com deficiência. Nesse contexto, instala-se uma situação de pânico e insegurança que conduz ao aborto como solução e não como política pública de saúde para as mulheres fundamentada em seus direitos reprodutivos.
Estamos diante de uma dupla violência, na qual se ignora os avanços conquistados por meio de políticas de igualdade de gênero e de inclusão. Nesse cenário, pessoas com deficiência voltam a ser apontadas como um problema e nega-se o princípio constitucional da diversidade humana.
Dez anos após a publicação da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência pela Organização das Nações Unidas (ONU), ao invés de se fortalecer a concepção social e política, a repercussão do surto de Zika promove o recrudescimento do estigma que imputa ao indivíduo com deficiência a inadequação, a anomalia e a incapacidade – um evidente retrocesso ao paradigma médico superado pelo documento.
É bastante oportuno recordar que por um longo período o modelo clínico serviu para justificar a segregação de pessoas com deficiência, que foram isoladas dos mais diversos ambientes sociais enquanto a sociedade se eximia da responsabilidade de promover mudanças estruturais para assegurar condições de acessibilidade e participação.
Eis aí o risco iminente da pândemia do preconceito e da discriminação. Como enfrentá-lo? Responsabilizando as mulheres? Estigmatizando pessoas com deficiência? Acreditamos que não. O caminho não é reduzir direitos, mas fortalecer políticas públicas intersetoriais, ampliando o acesso à informação, à proteção e aos cuidados.
Martinha Clarete Dutra dos Santos é diretora de Políticas de Educação Especial da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (SECADI/MEC).
Cláudia Pereira Dutra é diretora de Políticas de Educação em Direitos Humanos e Cidadania do Ministério da Educação (MEC).
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